sábado, 2 de julho de 2011

FESTAS JUNINAS: POR TRÁS DA TRADIÇÃO









As festividades dedicadas, no mês que terminou a Santo Antônio, São João e São Pedro (sem esquecer S. Marçal), derivam das comemorações do solstício de verão celebrado na Idade Média em 24 de junho, segundo o calendário Juliano (ou pré-gregoriano). Muitas manifestações culturais ligadas a essa festa foram trazidas pelos portugueses ao Brasil e adaptadas ao nosso meio. As quadrilhas, por exemplo, derivam da dança francesa “quadrille”, executada nos salões desse país, por sua vez desenvolvidas da “contradanse”, outra manifestação da classe, esta de origem inglesa datada do século XVIII. Outra manifestação, a fogueira, seria imaginada a partir da lenda que diz ter Isabel anunciado a chegada de seu filho João para a prima Maria, futura mãe de Jesus. E os balões também faziam parte dessa manifestação de júbilo, assim como os fogos, que de principio seriam para São João observar depois (no Brasil) ousando “acordá-lo”(e com isso podendo gerar o fim do mundo posto que João não gostaria de se ver despertado do sono).

De todas as manifestações festivas do mês a do “casamento na roça” é a que sobressai por demonstrar costumes arraigados ao conservadorismo que se herdou dos povos de além-mar. A idéia está ligada à fama de “casamenteiro”, dada a Sto Antonio por este ter ajudado uma “dama virtuosa”, mas sem dinheiro do pai para pagar o dote, ajudada pelo religioso. Esta teatralização cômica, assim como o “bumba meu boi” estão mais ligadas ao modo brasileiro de tratar as festas que antes se chamavam joaninas (por conta de São João), mais tarde juninas por se adapatrem ao mês onde se festejam outros santos.

No casamento de supostos “caipirias” estão: a noiva grávida, o noivo ameaçado pelo futuro sogro com uma espingarda, o delegado que ajuda na “decisão” desse noivo, o padre e o juiz. Esses personagens cercados por amigos da família se tornam as representações do que antes era uma maneira de encarar a formação da família numa situação dessas: à força.
O quadro feito para rir evoca o preconceito regente no comportamento sexual da mulher, o papel da família na educação especificamente sexista (dai nunca se ver a mãe da noiva reclamando qualquer coisa); o da religião (a gravidez é expressão do casamento hetero e a presença no altar justifica a procriação); e a lei (que se submete ao mando dos “capatazes”, dos códigos sociais e civis desde o côdigo manuelino de 1603).


Nas versões mais sofisticadas do “casamento na roça” exibe-se também o “coronel”, líder político local que é amigo do pai de noiva e trata o futuro marido desta como um vilão. Neste caso, o papel do mandatário difere radicalmente da postura do mesmo quando de outra manifestação folclórica: a malhação do Judas. Ali é sempre o ladrão, o bandido que se deve eliminar pelo bem da sociedade.

No cordel do “Bumba Meu Boi” também aparece uma mulher, que na nossa região é geralmente a Catirina (que deseja comer a língua do boi mais querido do patrão do seu marido). Obviamente que esse detalhe da festa vem da matança do gado para abastecimento de um determinado núcleo populacional. O enfoque se deve ao papel do fazendeiro na zona rural (de onde deriva a brincadeira). E há muitos figurantes fantásticos com variante para cada região. Por aqui há uma mescla dos cordeis com outros animais, como o Quati, e pássaros diversos, todos representando o mesmo papel do animal disputado e com poderes miraculosos.

A memoria abatetubense da minha geração lembra com detalhes a importancia que era assistir a essas festas, não só criadas no espaço urbano da cidade, onde pontuam nomes como a Nina Abreu (uma das pessoas mais envolvidas com essa cultura). Mas, principalmente, produzidas na zona rural, como na Colônia Dr. João Miranda, Beja e outras comunidades próximas que estimulavam a população para participarem, de alguma forma, nesses folguedos, dando a “sua cara” para as figuras importantes das várias áreas sociais e institucionais dessas localidades. Havia muitas formas de montar os chamados “cordões juninos”. Eram traduzidos nos “bois-bumbá, nos pássaros da região mesclados pelas fogueiras, pelas comidas típicas etc. Geralmente um “cordão” reunia as várias facetas das lendas e mitos tradicionais onde pontuavam as quadrilhas, o casamento na roça, a fuga, caça, morte e o ressucitar do boi, a luta entre os “poderosos” e os mais pobres, o juiz, o padre, o caçador, o mágico, a familia, a filha casadoira, o filho do fazendeiro, o vaqueiro etc.


Interessante, nessa época, a interrelação entre a população rural e urbana, visto que, a ênfase a esses cordões era mais de criação do pessoal das comunidades da zona rural. E algumas famílias abaetetubenses através dos “agentes” desses cordéis, contratavam os brincantes para uma noite de junho percorrer diversas casas. A reunião familiar, nesse momento, era uma prática envolvendo todos os responsáveis pelo auto junino. Confraternizava-se, posteriormente, ao sermos convidadas/os para “madrinha” ou padrinho do “boi”ou da ave, com previsão de presentearmos os nossos “afilhados”, no dia em que havia a festa final pelo re-encontro do animal.

As significações, hoje, desses cordéis são ainda uma tradição, mas podem estar reproduzindo e revigorando os mitos que discriminam e preconceitualizam como tantos outros processos sociais que estão passando por revisão.
Nada contra eles, mesmo porque fazem parte da minha memória histórica, mas a re-visão do que representava cada encenação dos tipos merece ser um ponto focal de análise dos produtores culturais.



(Texto orinalmente publicado em "O Liberal" em 01°/07/2011. Imagem reproduzida do site news.delees.com)

Um comentário:

  1. Achei muito legal essa apresentação de alguns significados dessas festas. Quando eu era pequena adorava participar de encenações do casamento na roça e fiquei triste por nunca ter sido a noiva. Gosto do seu olhar que ao mesmo tempo que releva a importância dessas manifestações, chama a atenção para as leituras sociais que subjazem a elas, fruto dos tempos históricos e das culturas de origem, mas que merecem releituras como a que você faz aqui. E, a despeito disso, vamos continuar dançando quadrilhas!

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