terça-feira, 26 de julho de 2011

POLÍTICAS DO CORPO




Sem definir o que na linguistica ou outras tantas “ísticas” interpõem sobre o que escrevo neste espaço, tenho redigido, obviamente, muito mais textos referentes à minha área específica que conflue as teorias da ciência política aos achados dos fatos empíricos. Não sou formada em literatura, mas há quase quarenta anos escrevo sobre cinema & outros assuntos, primeiro levada pelo meu interesse em preencher uma vaga de colunista de cinema neste jornal, sendo acolhida por quem acreditou em mim, Rômulo Maiorana. Depois, instigada pelos memoráveis amigos Eladio Malato e Claudio Sá Leal, que me incentivaram a incluir em outro caderno do jornal crônicas do cotidiano, geralmente às segundas feiras (isso me induzia a “trabalhar” no domingo a tarde, na minha Letera, aprendendo a datilografar sem curso especifico). E me foi útil porque abriu fresta nas portas para elaboração de artigos científicos, alguns aceitos para publicação em revistas internacionais.
Mas o prólogo quer tratar ou justificar sobre a que vem este título, para muitos com uma definição clara, tanto na academia (Antropologia, Ciências da Saúde, etc.) quanto nas abordagens dos noticiários ou na opinião dos que supõem estar atentos ao que a midia explora sobre o assunto. Meu percurso no texto de agora espera viajar pela memória e as evidências do que seria uma “política do corpo” ontem e hoje, a meu ver, sem peias teóricas (um salvo-conduto justificador).
Ainda criança, numa cidade do interior (Abaetetuba), lembro que o estímulo na minha família ao esporte (a cultura política da eugenia tão cara à minha geração) era uma maneira de os pais participarem da aprendizagem dos filhos, incentivando-os a hábitos saudáveis incrementando a disposição de ir à escola. Correr pelas ruas principais na madrugada, com uma turma de amigos, organizava a competitividade para quem fizesse mais voltas em torno de tal percurso e chegasse primeiro no ponto final da corrida. Tempo (sem relógio), contagem dos trajetos e a chegada triunfal finalizava aquela brincadeira e nos levava a outras atividades: banho, café, vestir-nos e a sala de aula (externato), no horário matutino, era a norma. As tardes também eram para o estudo formal, agora na escola pública. E ai o esporte era formalizado em múltiplos tipos. Futebol, voleibol, corridas com obstáculos, mini-maratonas e outras atividades físicas regulares incluidas no sistema curricular, mas que sempre interessavam como recreação. O desporto era, assim, a preocupação com a manutenção do condicionamento corporal mexendo com a saúde física e mental. Possivelmente reconhecendo que o corpo humano se constituia de uma estrutura biológica, mas não deixava de ser uma construção socio-cultural. Nas corridas na madrugada sentiamo-nos menos presos a regras porque criávamos as que nos levassem ao ponto de chegada. Supostamente cansados, corriamos para a água fria dos camburões e o choque nos fortalecia. Em tempo de chuva a “cola” da roupa no corpo nos deixava mais pesados, mas o banho restabelecia o aquecimento. Na escola, chegávamos vitalizados. Não havia políticas sociais para determinar aquelas maratonas, mas a versão sábia dos pais em estimular nosso corpo para o próximo passo matutino. Também não havia competição belicista entre nós, mas, às vezes, eu ficava cansada no meio do caminho e meu “companheiro” nessa “moleza” (?) na maratona era o colega Aldo Maués. Mas sempre chegávamos. Certas vezes nós surpreendiamos os demais. Joao Roberto (meu irmão), Alfredinho, Tonair, meu primo Léo eram sempre os vencedores (só eu de mulher!). A estrutura corporal – magro/gordo – não definia aquela energia a gastarmos nesses momentos, embora o mais franzino fosse o meu irmão.
Se é possivel avaliar o diferencial nesse tipo de política desportiva – o incentivado pela familia para incrementar outras práticas e o que gerenciava uma norma curricular – vê-se que é em torno do corpo constituido da criança, do adolescente, do jovem que serão estravazados os interesses em atingir certos valores, tanto na competitividade quanto num modelo de beleza, ou por ai vai, nos dias de hoje.
Os governos criaram, de um certo tempo a esta parte, ações de políticas públicas para os esportes. Até um Ministério e, em plano estadual, Secretarias, tendem a apresentar programas e metas para atingir a qualidade dessas políticas cujos objetivos, dizendo os gestores, é o estado de equilibrio entre a estrutura orgânica do/a cidadão/ã, o ambiente e o bem-estar, com especiificidades nos marcadores sociais (raça/etnia, gênero, geração). Chega-se, então, a um “corpo político” que vai estabelecer regras para o desporto. Destarte, o “corpo da política” é a estrutura de poder que tende a gerenciar os valores da “politica do corpo” transversalizando para outros valores a aspirar, a exemplo, a beleza, a moda, a saúde. Determina também os modelos que definem a “virtú” – tanto na perspetiva do governante usando habilidades para manipular as variáveis políticas em seu favor, quanto ao controle dos cidadãos à sua competência e, usando o termo maquiaveliano – a maneira de o “principe” atingir a glória da história, habil e racionalmente agindo com “suas próprias armas”, no tempo certo, para a preservação do Estado.
Magros, gordos, cardiácos, sedentários, jovens, velhos, além de outras categorias identitárias, inscrevem-se na nova moda, usando a criatividade do Dr. Cooper. Enquanto nós, crianças ainda, não sabiamos que estávamos inscritas nessas “políticas”. O prazer, acima de tudo, gerenciava o gosto pela maratona e à nossa proximidade com os amigos na madrugada abaetetubense.

(Texto originariamente publicado em "O Liberal" em 22/07/2011)

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