domingo, 31 de julho de 2011

O CORPO, A POLÍTICA E AS INVENÇÕES


O texto anterior sobre a política do corpo mexeu com muitas pessoas, algumas, inclusive, me escreveram emails para aprofundar o tema. Ou para referendar este ou aquele item explorado. Na verdade, a intenção aqui era (e é) instigar os/as leitores/as a observarem que nem sempre uma área como a política é expressão de um único vértice de conhecimento, pelo menos aquele ao qual me doutorei, com base no comportamento político eleitoral, no partidário e eixos afins. Nesse caso, sem dúvida, a expressão que conflui etapas da vida política do país para um dia de eleição e que define a situação conjuntural da sociedade em meio a um feixe de normas de um sistema democrático tende a ser a única forma que as pessoas reconhecem como “política”. Se Aristóteles afirmou que "o homem é um ser politico por natureza" é eficaz atentarmos ao nosso entorno identificando a dinâmica social que movimenta o mundo e o nosso meio micro em particular, para não perder a História das coisas, como se essa categoria representasse somente um tipo de “comportamento politico”. As evidências de que o “contrato social” não atendia às necessidades das mulheres porque tendia a “contratar” desiguais inscrevendo regras para o espaço“público” e o “privado”, revertia-se de hierarquização, e a balança pesava sempre para um lado só do poder. O grande trunfo das mulheres foi a descoberta de que também o “o pessoal é político” observando que no âmbito restrito familiar também há políticas. Mas esse aspecto pode ser tratado em outro momento. O que realmente me levou à memória de um tempo sobre o corpo foi avaliar o que isso representava no sistema político.

Ao referir sobre a cultura política da eugenia que a minha geração participava como uma dimensão da visão paterna de estimular hábitos saudáveis deixei de mencionar o slogan complementar a isso: Mens sana in corpore sano. Essa expressão é atribuida ao poeta romano Juvenal, derivada do corpus literário que ele criara, a Sátira, fonte de máximas filosóficas como Que - em vez de riqueza, poder, ou crianças - os homens devem orar por uma "mente sã num corpo sadio" (mens sana in corpore sano 10.356)”. O conceito religioso exposto em versos passou nos tempos como um apêndice da eugenia (termo criado por Francis Galton (1822-1911), e definido como o estudo dos agentes, sob o controle social, que podem melhorar ou empobrecer as pessoas na evolução preconizada por Darwin. Em outras palavras, os corpos bem tratados gerariam corpos saudáveis. O nazismo usou isso como elemento de defesa de uma supremacia racial. Mas entre nós a cultura do “corpo são” ganhou espaço nas escolas antes de ganhar espaço nas academias administradas ou não por fisioterapeutas. E nessa perspectiva, converge para outra categoria, a ginástica, que na minha infância e pré-adolescencia eram aulas que cobravam do aluno a freqüência. E incentivavam, não como “trabalho de casa”, mas com a disseminação da idéia de que os movimentos musculares exerciam papel preponderante na preservação da saúde: os exercícios fora do currículo escolar.

Com isso, entra-se em outra categoria conceitual, a ginástica. Técnica que engloba modalidades diversas, competitivas ou não, com práticas de movimentos em série exigindo força, flexibilidade e coordenação motora objetivando aperfeiçoar o corpo e a mente.

Desenvolve-se na Grécia Antiga figurando habilidades para montar e desmontar um cavalo, com os ginastas exercitando-se inteiramente nus. Ligada à religião, a ginástica associou-se à figura do deus Apolo protetor da saúde e do conceito de beleza. Os artistas gregos cultuam o conhecimento do corpo enquanto prática visto que a formação física cedo se inicia, competitivas ou não, mas necessariamente aproveitando os beneficios para a saúde.

Mas se a oficialização e a regulamentação dessas habilidades só nesse período histórico se desenvolvem, o seu surgimento, contudo – como prática esportiva e metodos de exercicios físicos – pode ser encontrado em torno de 2.600 a.C. nas civilizações da China, Índia e Egito, valorizando-se o equilibrio, a resistência, a força, através do uso de materiais do tipo pesos e lanças.

Embora perdendo a importância no medievo resultante da rejeição ao culto do físico e da beleza do homem, a ginástica ressurge no período renascentista com influências marcantes dos valores gregos. Os teatros de rua mostram suas invenções nesse aspecto, motivando os espectadores às práticas em grupo das atividades físicas, a ginástica higiênica, vista no cuidado com a saúde do indivíduo.

Como prática desportiva e militar esta técnica foi retomada no final do século XVIII, na Europa, por ensinamentos de Jean-Jacques Rousseau que através de seu livro “Émile” defendia que “O exercício tanto torna o homem saudável como sábio e justo (...) quanto maior sua atividade física, maior sua aprendizagem”.

Na contemporaneidade, as academias ganharam espaço como auditoras do “corpore sano” como as terapias entraram em cena para reforçar a “mens sana”. Há quem critique algum exagero nos espaços comerciais do gênero. A classe média é a maior “freguesa” das instituições que visam aprimorar o físico, como tendem a criar seus ambientes próprios, em suas casas, com aparelhos os mais variados, capazes de reproduzir os exercícios corporais onde e quando quiserem. Difícil a mãe ou o pai dessa classe que não tenha um filho matriculado numa casa especializada em aprimoramento muscular. Os médicos, por seu turno, recomendam isso. Os menos favorecidos exercitam-se por sua conta, em seus “campinhos” ou em suas associações.

Este quadro social engloba a memória que tenho e tracei no artigo anterior. Voltar a ele não é “ginástica” difícil de ressuscitar (boas) lembranças.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal", de 29/07/2011. Imagens extraídas de desenhos orientais)


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