Carlota Pereira de Queiroz - a 1a deputada brasileira, na câmara de deputados em 1933
Há 83 anos, no dia 24 de fevereiro de 1932, foi
promulgado o 1º Código Eleitoral brasileiro, através do Decreto 21.076,
adotando-se o voto direto, obrigatório e secreto e o sufrágio universal, onde
foi, finalmente, formalizado o direito de voto das mulheres. Entre essa
conquista e as lutas empreendidas para o alcance desse passo na cidadania
feminina, um grupo de mulheres lideradas por Bertha Lutz e parte da sociedade
brasileira se movimentaram desde os primeiros anos da década de vinte. Sobre
essas ações, considerando a presença das mulheres paraenses em movimentos políticos
instigativos extrai fragmentos da história desse processo no Pará para a minha
dissertação de mestrado tornando visivel os avanços que nossas conterrâneas
impuseram no processo.
Desde a década de 1920, a sociedade paraense
presenciou o debate sufragista. Em 1923, Orminda Ribeiro Bastos, advogada e
jornalista, posiciona-se através da imprensa, desenvolvendo pontos positivos e
negativos que ela considerava essenciais nas reivindicações do movimento
emancipacionista instalado no sul do país, através da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino. Faz conferência para a Liga Cooperativa das Operárias de
Fábricas, enfatizando a necessidade de instrução como ponto fundamental para a
ascensão da mulher na luta pelos seus direitos políticos.
A imprensa da época exala um forte anti-sufragismo
nos textos que publica. A ideologia dominante na sociedade reafirma a
reprodução dos papéis sexuais, aprisionando a mulher em nome de uma suposta
fragilidade biológica, em um campo de atividades menos valorizadas socialmente.
Mostra-a "imperfeita e frágil" para suportar a "dureza"
imposta pelas condições da política, enquanto o homem, "forte e
perfeito" é "talhado" para assumir o espaço público e político.
Esse discurso reforçava ainda a concepção sobre a ignorância cultural da mulher
apta apenas a mexer "panelas e mingaus". O confronto atinge as raias
do paroxismo, quando a prática sufragista é invocada para estabelecer dúvidas à
honra da "mulher-cidadã".
O direito do voto levaria a abertura de outro
caminho até ali restrito aos homens, a atividade político-partidária,
concedendo às novas "cidadãs" o direito de ombrear-se aos
"varões" de igual para igual. No discurso de alguns anti-sufragistas
deste período, subjaz, de alguma forma, a preocupação com essa provável
"igualdade", pois estes desconfiavam que a concessão do direito do
voto, levaria, cedo ou tarde, à efetiva representação parlamentar das mulheres,
campo restrito da política partidária.
Em 1929 as paraenses Maria Aurora Pegado Beltrão e
Corina Martins Pegado solicitam ao Juiz Federal o alistamento eleitoral, mas o
arrazoado jurídico contrário à solicitação arvorou-se na justificativa de uma
ruptura com a imagem tradicional da mulher.
Orminda Ribeiro Bastos é, sem dúvida, a liderança
pioneira do sufragismo paraense da década de 1920. Sua figura mantém um nível
equilibrado no debate jornalístico, apresentando suas próprias dúvidas sobre a
concessão irrestrita do voto à mulher e à filiação do movimento brasileiro ao
movimento norte-americano. Seu compromisso evidencia maior instigamento ao
interesse cultural que deveria pautar a preocupação da mulher às suas condições
de desigualdade com o sexo oposto. A "anarquia social" vivenciada
pelo sistema político brasileiro e o "mau caminho" que tomaria o voto
feminino, nessas condições, preocupam Orminda.
É somente em meados de 1931, já instalada,
portanto, a revolução de trinta, que se organiza o núcleo feminista, no Pará. A
“Folha do Norte” de 12 de junho de 1931 dá o tom da notícia referindo as
principais repercussões do movimento em nível nacional. Do registro dos nomes
das sufragistas paraenses à frente da associação feminista, identificam-se
mulheres com expressão no meio das letradas. O Núcleo Paraense pelo Progresso
Feminino é instalado oficialmente em 21 de junho de 1931, constituindo-se uma
diretoria provisória sendo indicada Presidente de Honra a esposa de Justo
Chermont, Izabel Justo Chermont.
O processo histórico da instalação do movimento
sufragista paraense tem uma aura particular e os dados levantados identificam
as personalidades femininas de mulheres letradas que organizam o movimento. Mas
há um ponto dissonante: são mulheres espíritas que seguem à frente do movimento
e, com isso, o sufragismo inicial neste estado favorece discursos inflamados
contra elas do clero católico, a exemplo, os escritos da Folha do Norte
assinados pelo Padre Florence Dubois.
Deslocando os avanços da cidadania feminina
nacional para os dias atuais pergunta-se: o que representou a conquista do voto
pelas mulheres brasileiras na ascensão aos cargos eletivos proporcionais e
majoritários considerando que esse valor era o mote da participação feminina nesses
espaços de poder?
Num processo continuo, mas incipiente de avanços,
vê-se que a nova legislatura iniciada em 2015 cresceu muito pouco em relação a
anterior. No Senado, 11 mulheres representam 13,6% dos 81 senadores. E nas
Assembléias Legislativas houve o maior número de mulheres candidatas em
eleições gerais, mas somente 11,33 % ou 120 parlamentares eleitas. O número de
deputadas estaduais e distritais diminuiu 14,89% ao compará-lo à bancada de
2010.
Quanto ao Pará, o eleitorado feminino é de 50,21%,
aumentando em relação às eleições de 2010 que era 49,92%. Quanto às candidaturas
de representação parlamentar, vê-se que de um total de 170 candidatos para a
câmara federal, 31,76% eram mulheres. Nesse caso, este estado que apresentava
5,9% proporcional ao número de cadeiras (17) cresceu para 17,64%, uma vez que
elegeu três mulheres, sendo uma reeleita e duas novas. Para deputado estadual,
de 637, havia 182 candidatas ou 28,57% do total, contudo, em 2010 tínhamos 7
mulheres eleitas, e no pleito de 2014 reduziu-se para 3.
A não opção das mulheres por um cargo eletivo tem
muitos componentes entre os quais a cultura sexista, falta de financiamento de
campanha e outros itens da agenda política.
(Texto originalmente publicado em O Liberal, em 27/02/2015)
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