Num
primeiro momento, ao pensar na escolha do assunto para expor aos leitores deste
jornal/blog que acompanham semanal e regularmente a abordagem de alguns temas da
minha alçada e, às vezes, fora dela, pensei em um título do tipo “as teorias e
as práticas”. Pareceu-me caber, nessa expressão, a perspectiva de olhar toda
uma vida duplicada entre os estudos acadêmicos e o processo fenomênico da minha
“vida ordinária” (vida comum, habitual, usual), ou seja, o meu cotidiano como
sujeito social. Nesse aspecto, vê-se que existem papéis (cf. Houaiss - dever, obrigação legal, moral, profissional
etc. ou atribuição, função que se desempenha ou cumpre) bem definidos
na nossa trajetória, encimados pelo processo de vivência que projeta, a cada
ciclo, as pautas da vida social onde modelos de significação de enunciados (explicação/demonstração)
criam formatos de sujeitos estabelecidos pelos marcadores sociais de cada etapa
de vida. Preferi um título mais forte para relacionar esses dois emblemas de
uma vida porque fazem jus ao que considerei expressões dicotômicas causadas por
uma ocorrência de violência urbana acontecida com um ente querido, levando toda
a família a rever prioridades, valores, desejos até então existentes, por
suposto, satisfazendo as necessidades.
Diante
de todos nós o quadro construído pela descrição dos fatos violentos foi
aterrador, sem precedentes, para conter uma explicação teórica da ocorrência.
Não há palavras que sustentem, nesta hora (e além dela, diga-se) para quem
sofre, a cadeia explicativa do processo de violência urbana. Mas a academia
exige que seja processada dessa forma, pois, assim serão interpretados os
fenômenos sobre a marginalidade, a criminalidade, que se acham tão perto de
nós, na esquina, ao lado de uma agência bancária, dentro de casa, em qualquer
hora do dia, com muitas pessoas no entorno ou em um ambiente vazio.
Sem
que a angústia pela ocorrência tivesse tempo de dissipar-se – porque não há
tempo para desaparecer o sofrimento sobre esses episódios – e pensando em como
traduzir esse estado de (des)ânimo para escrever este texto, percorri as mais
recentes análises sobre os dois fenômenos que a meu ver se integram. É preciso
notar que desde as aulas na graduação do Curso de Ciências Sociais já
iniciávamos, na disciplina Sociologia do Desenvolvimento (1975), o “estudo do comportamento social das interações e
organizações humanas”, configurando-se, na ocasião, leituras dos velhos
clássicos como Comte, Dukheim, Spencer, Marx, Tarde, Simmel, Pareto, Weber,
Parsons, Germani e outros. Mas eu precisava organizar minhas ideias e construir
uma exposição que me levasse a entender o estado de espírito de uma mulher de
mais de setenta anos com alguma qualificação acadêmica e mãe, avó, tia, irmã,
sogra diante de uma perversidade praticada contra um ente amado.
As lágrimas vêm aos olhos evocando essas teorias que me
levam a ver/imaginar um jovem de arma na mão (e o tiro vindo em seguida) a
exigir os recursos extraídos de um banco com intenção de matar um outro jovem já
caído no chão pelas coronhadas recebidas. Quantia tão pequena ... mas, por
suposto, necessária para suprir os desejos (quais desejos?) daquele que estava
praticando uma ação criminosa.
Nos estudos do autor brasileiro Lúcio
Kowarick (Capitalismo e
marginalidade na América Latina. RJ, Paz e Terra, 1975) um dos analistas dessa obra, Walter Arno Pichier (Algumas Observações Sobre O Conceito De
Marginalidade Social, Ensaios FEE, v.1.n.1), dá pistas do redirecionamento feito por Kowarick, desses estudos: “... a marginalidade deve ser caracterizada como modo de inserção nas
estruturas de produção. (...) não é o resultado das disfunções do sistema,
senão resultado das estruturas societárias de caráter global, as quais trazem
em seu âmago um conjunto de contradições cujas expressões são múltiplas e,
dentre essas, a própria marginalidade”. Para Pichier, Kowarick “concentra o foco de análise na dinâmica da sociedade capitalista, mais
especificamente na divisão social do trabalho e das categorias ocupacionais que
dentro dela se articulam. Partindo deste ponto de vista, a marginalidade passa
a ser caracterizada através de um conjunto de categorias ocupacionais que
desempenham determinados papéis no processo de acumulação do capital.” (págs.
113-114). Não esmiuço o artigo, apenas extraio fragmentos de uma análise que traz
uma explicação sobre o motivo da emergência da marginalidade social. Sem
esgotar nem entrar nos clássicos.
No relacionamento entre marginalidade e crime – não sendo eu versada na
área do Direito – procurei evidências na análise jurídica em que são observadas
teorias criminológicas para explicar o crime que remete entre outros, à ação efetiva
da marginalidade. Essas teorias investigativas classificam-se em Criminologia Tradicional e Criminologia Nova ou Crítica, com base
em estudos de Dias e Andrade (Criminologia. Coimbra, 1997, apud Silva
Jr., 2006). Também declino de discorrer sobre a extensa classificação que o
autor faz, haja vista que minha intenção tem outro objetivo. Situo o que diz a
literatura consultada: “sobre o mesmo objeto de estudo [o crime], os cientistas
elaboram questões diferentes que reclamam respostas diferentes. Existindo,
entre essas duas vias de explicação do problema do crime, mais uma relação de
complementariedade do que de exclusão, fazendo da criminologia uma ciência
interdisciplinar que envolve a biologia, a psicologia e a sociologia”.
Como se vê, há preocupação da ciência em construir teorias
explicativas para a marginalidade, com proposições de soluções melhores para a
eliminação do estado de violência global. Mas como vou encarar hoje a vivência
na cátedra e a vida ordinária/cotidiana? Reconheço que como eu milhares de mães
e avós incluem-se nas estatísticas desses crimes e, como tal, abraçam os mais
diversos modos de reflexão sobre a natureza dessas violências urbanas. Porém,
acredito que, nessas horas, o olhar do cientista se empodera da compreensão de
que todo agente da racionalidade faz parte do grupo humanidade, onde o espaço
para crescer está circunscrito a duas escolhas possíveis: ou se ama, para
transformar o mundo; ou se odeia, para exterminá-lo. Eu fico com a Lei do Amor,
como Jesus nos ensinou, com espaço para buscar o crescimento social por meio de
uma política eficaz capaz de garantir a paz e a unidade entre os homens.
(Texto originalmente publicado em O Liberal/Pa em 20/02/2015)
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