É o dominio da palavra que leva as pessoas a
ousarem mais. No balbuciar, o reflexo da insuficiência de um vocabulário que
atue na comunicação e a ausencia de certos conhecimentos interfere na lógica de
se pronunciar sobre qualquer coisa, salvo se há ousadia de mostrar a presença
naquela ação. A criancinha que caminha no processo de aprender, tende a
apreender dos seus mais próximos, tanto os gestuais como as palavras que são
faladas para si e para os outros, dos conviventes que lhe asseguram o contato
com o mundo. Hoje em dia, com o avanço de pesquisas, diz-se que o feto se
estimula com os sons que ouve no ventre da mãe. Já presenciei mulheres grávidas
dando ao seu rebento preste a nascer, um tempo de música clássica, não só para
manter certa suavidade no enlace de momentos, mas, dizem, principalmente, para estes
se inserirem no gosto por esse gênero musical. Novidades sempre ocorrem nesse
estágio de entendimento sobre o ser no mundo e assim, o avanço da aquisição de
conhecimentos leva os preocupados com o futuro dos filhos e filhas a
incorporarem em seus comportamentos o que a ciência registra como o melhor para
o ser humano.
Com a contemporaneidade vencendo o processo
civilizatório em pesquisas permanentes sendo estas divulgadas sem que haja, por
vezes, um tempo de amadurecimento sobre os resultados desses achados, vê-se uma
amplitude de experiências consideradas saudáveis e aplicadas tal
qual são noticiadas. Da ingestão frequente do café – que antes era salutar e se
tornou inimigo da alimentação retornando, posteriormente, com outras insignes
terapias e novamente marcando pontos negativos aos viciados nessa bebida – à
profusão de frutas tendentes à cura desta ou daquela doença ou mal estar, com
receitas caseiras favoráveis ao aumento ou diminuição de peso corporal, segundo
o interesse nas dietas de engorda ou emagrecimento, o bombardeio noticioso
quebrou as barreiras do ontem e o instante faz agora o processo real se tornar
efetivo.
Mas quando a noticia se faz em relação à situação
moral das pessoas, o fruto da disseminação desses casos vai além do comentário
insidioso sobre o sujeito da ocorrência. Torna-se fofoca, ou seja, um dito maldoso, um mexerico, um disse-me-disse que
tem sido causa de bulling (assédio moral e físico de um/uns contra outro/s)
chegando ao climax de um ato suicida de quem foi o centro da falta de lealdade.
No âmbito da prática política as insinuações
maldosas contra alguém são parte do processo de oposição e por vezes aversão sobre
quem é contrário à ideologia do outro. Se a pesquisa de saberes e conhecimento científico
é salutar para reaver as realidades passadas e demonstrar as novas posições de
determinada assertiva da primeira hora da investigação, o rito maldoso contra
alguém tem resquicios cujos resíduos jamais perderão o tom daquele dito provocante.
Vê-se, por exemplo, na situação das relações de gênero em que homens e mulheres
tiveram seu tipo sexual moldado em representações sociais sob a dominação de
contextos hierarquizados pelas normas que definiam/definem a inferioridade
feminina e a superioridade masculina. Até hoje as mulheres lutam para
demonstrar sua inteligência em todas as áreas sociais e do conhecimento
enquanto os seus parceiros seguem as normas reguladoras de procedimentos que se
tornam princípios formais com preceitos estabelecidos em qualquer posição que
se insiram haja vista que a tradição e os
valores socioculturais tendem a privilegiar para eles o status herdado na
ancestralidade patriarcal. Desde os mitos – o de Adão e Eva, por exemplo – ao
plano atual comportamental, insinua-se a imagem feminina destratada moralmente.
Eva foi criada depois de Adão que emprestou uma costela para torna-la ser
vivente pelas mãos do Senhor. Eva teria insuflado seu parceiro a “comer o fruto
proibido da árvore da ciência”, consequentemente, além da maldição de que
geraria com dor aos filhos que parisse, o mais cruel foi a culpabilidade em ter
sido a incitadora do pecado levando toda a humanidade a ser privada da
perfeição e da perspectiva de vida eterna. Na sequencia das insinuações à
figura feminina pecadora, a mulher foi submetida a muitas outras hostilidades
gerando situações de violência contra ela. E até hoje as leis da justiça humana
caminham na agenda das lutas pela conquista de novos olhares sobre elas para
sanear esses principios hostis que a submeteram originalmente.
Procurando
despojar-se das máscaras discriminadoras, o percurso submeteu-as às várias
condições ideológicas que circulavam socialmente. Na teoria liberal e
democrática, por exemplo, acharam as primeiras justificativas para questionarem
os direitos desiguais. O voto se tornaria o “leit motiv” para pleitearem a
cidadania escancarada nas doutrinas políticas, mas não as atingindo. “Locke, Rousseau e os utilitaristas haviam modelado
um mundo no qual os homens podiam ser livres e iguais, uma sociedade civil na
qual os homens determinariam os seus próprios destinos. (...) John Locke e
outros filósofos, que argumentavam contra o poder absoluto do rei e a favor de
relações contratuais livres entre homens, não incluíam mulheres como
participantes da sociedade civil.” (Andrea Nye, 199, p. 15). Entretanto, a
presença de reformadoras como Mary Wollstonecraft e Harriet Taylor foi
definitiva para enfrentar essas idéias e desmontar os paradigmas.
Ao circularmos
nas redes sociais, em específico, o facebook, vê-se um turbilhão de idéias,
ditos, verbetes, compartilhamentos de noticiário de midia nacional e
internacional, opiniões pessoais, dos outros, serviços de utilidade pública,
aniversários, casamentos, referência a relacionamentos construidos no estilo
“sério”, preces, imagens as mais diversas de pessoas a insetos, eventos e
tantos e tantos estilhaços de fatos das vivências particulares (pessoas) e
coletivas (grupos), percebendo-se, então, o apresamento das representações sociais
formando uma miscelânea de imagens construidas. Algumas mantêm o status quo
ante. Outras revelam ousadias no enfrentamento às velhas tradições.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/Pa de 30/01/2015)
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