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Houve tempo em
que apenas um olhar traduzia as imposições a um modelo de representação
feminino/masculino que nem sempre casava com a realidade concreta tornando-se
uma exigência ao comportamento esperado de meninas, jovens, mulheres maduras e
idosas e também de meninos, jovens, homens maduros e idosos traduzindo-se na
assertiva estabelecida pelo padrão de comportamento humano evidenciado pelo
imaginário social. Este olhar, ao longo do tempo, deixou de ser visto no singular
para assumir-se no plural – olhares – porque ampliado de indagações femininas
na tentativa de descobrir o porquê de algumas diferenças culturais serem
preconceituosas contra as mulheres tornando-se problemas sociais.
A avaliação atual
sobre as relações sociais entre os gêneros se tornou manifesta das diferenças
de expectativas e de comportamentos que antes eram tomados por esse olhar como
“naturais”. Houve então olhares mais questionadores e responsivos da cadeia que
interpelava socialmente mulheres e homens. O acesso às informações transformou
essas buscas num permanente processo de investigação em favor da desmontagem da
naturalização dos papéis sociais. Desmontagem constatada de que atributos de
feminino e de masculino eram construções sociais com determinações específicas e
hierarquizadas e que se transformavam ao longo do tempo.
Esses modelos
inseriam fatores biopsíquicos para garantir a estratégia de poder subjacente a
cada ordem determinando papéis, condutas em funções que asseguravam uma divisão
de papéis diferenciados entre homens e mulheres, conformando-se em pactos
hierarquizados de sobrevivência, com as instituições sociais, políticas e
econômicas definindo, entre suas regras, posições estratégicas para uns,
enquanto para outros sobravam as determinantes de sujeição.
Reproduziu-se o
confinamento das mulheres reforçando condições especificas para a esfera do
privado. Nesse espaço, elas se reduziram a instrumento de reprodução da
sociedade (por via biológica e ideológica), sendo o trabalho caseiro que
desenvolviam por permanecerem agregadas à sua cria, na ordem da hierarquia
social e econômica, considerado a menos importante das atividades.
Os modelos que
se constroem, então, tanto do homem quanto da mulher corresponderiam às funções
esperadas desses sujeitos aos quais foram atribuídos papéis específicos. Há
ambivalência no pacto de dominação, na medida em que um e outro incorporam, em
suas práticas, o discurso enunciado expresso nos valores contrários: força-fragilidade.
Passível de
esta natureza padrão ser perdida a todo o momento, a cultura se mantém
vigilante para que tal não ocorra, com a essência devendo ser constantemente
aprendida, vigiada, controlada. “Perder a “feminilidade” ou a “masculinidade” é
uma ameaça constante e as regras para que tal não ocorra devem ser acatadas
desde a infância, nos tipos de brincadeiras, nos ‘modos’, no ‘próprio’ de
meninos e meninas”. (Pitanguy, 1982: 63)
Com o uso analítico
da categoria gênero e a situação tida como uma construção social — e,
consequentemente, histórica – a idéia de pluralidade implicou admitir não
apenas que sociedades diferentes teriam diferentes concepções de homem e de
mulher, como também que no interior de uma sociedade essas concepções seriam
diversificadas, conforme a classe, a religião, a raça, a idade, etc. Admitiu-se
então que os conceitos de masculino e feminino tendem a se transformar ao longo
do tempo.
Veja-se o
trabalho – a inscrição do trabalho doméstico como “próprio da mulher”, ainda
hoje contribui para a vivência feminina na “dupla jornada.” Mas há mudanças
substanciais. Se o imaginário social dizia que elas “não faziam nada” e elas
próprias reproduziam esses discursos, na realidade, as funções assumidas por
elas na casa, na família, na reprodução da economia doméstica familiar descredenciavam
o padrão estabelecido.
No Brasil, o
mundo do trabalho supunha as mulheres concentradas em atividades dentro do lar
e, por isso, essas funções caseiras deixavam de ser vistas como “trabalho” e
sim como “obrigação”. Desde o período colonial, nos setores da produção
agrícola, vê-se a presença delas acompanhando os homens de sua família, nos
trabalhos dos roçados, na coleta de produtos e em outras atividades conforme
sua condição social.
A
industrialização lança outro espaço de trabalho à mulher na fábrica. A operária
será vista nas lutas sindicais propondo leis protetoras ao trabalho feminino,
buscando programas que consolidem as leis trabalhistas, incorporando bandeiras
de proteção que amparem a ela e à sua família, com a finalidade de diminuir as
tensões sociais.
Embora seja
evidente o crescimento da participação feminina no mercado de trabalho,
contudo, o mesmo não é acompanhado da igualdade de salários que recebem os
homens, na maioria das profissões. A máxima “trabalho igual salário igual” ecoa
nos primórdios de um mercado que incluiu as mulheres num sistema que sobrevivia
do barateamento da mão de obra. Hoje, com a reestruturação produtiva, a maior
qualificação e os desafios do mercado numa época globalizada, pelo que se vê,
ainda prescrevem a situação atual das trabalhadoras em todas as áreas de
atividades.
Detendo o
olhar sobre essa complexidade de tarefas, observa-se que isso tem se
responsabilizado por problemas à saúde da mulher. O campo da saúde envolve
muitas outras dimensões vivenciadas pelas mulheres e amplia os programas de
políticas públicas que estas têm demandado para a melhoria de sua qualidade de
vida. É o caso da violência doméstica se constituir em um problema de saúde
pública. Esta violência consiste no uso da força física, psicológica ou
intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não é da sua vontade,
tolhendo a liberdade, incomodando e impedindo a vítima de manifestar seu
desejo, sob pena de ser gravemente ameaçada ou até mesmo espancada, lesionada
ou morta (CFSS).
Os estudos
sobre a violência doméstica contra a mulher têm centrado explicações sobre a
cultura da hierarquia de poder que domina a sociedade sendo legitimada pela
ideologia que criou papéis sociais com base nas diferenciações de sexo. Assim,
volta-se para os modelos apresentados no inicio do texto e configuram
aprendizagem diferenciada da emoção entre meninos e meninas, levando a atos
violentos. Esses modelos interferem nas sessões de violência e esta leva à
perda da saúde e até à morte de mulheres.
Neste texto
reverencio através deste jornal, o Dia Internacional da Mulher, neste 8 de
março.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal", de 06/03/2015)
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