http://pt.slideshare.net/GeorgeSGMG/gestos-de-paz
A palavra gesto
explica a maneira de as pessoas se manifestarem podendo ser através do
“movimento do corpo, da expressão das mãos, braços e cabeça, voluntário ou
involuntário, que revela estado psicológico ou intenção de exprimir ou realizar
algo; aceno, mímica” (Houaiss). Trata-se de uma forma de linguagem. Segundo
Rector & Trinta
(1993, p. 21, apud Pereira, 2009) “os elementos não
verbais da comunicação social são responsáveis por cerca de sessenta e cinco
por cento do total das mensagens enviadas e recebidas no processo de interações
humanas, nas quais o gesto tem um papel fundamental”. O gesto pode combinar-se
com a comunicação verbal por vezes fortalecendo ou substituindo-a. A
psicolinguística é uma das ciências que estuda essa expressão/ação.
Não sou letrada nessa área, mas, como qualquer
cidadã, transito nas interações com outras pessoas e, por vezes, é possível
avaliar que esse modo de comunicação tem grande força de estabelecer os meios
possíveis de se constituir num gestual que assinala agregação ou separação
entre pessoas conforme seja a decodificação que se faça dele (o gesto).
A pesquisa que realizei sobre as mulheres na
política no Pará, na década de noventa, entrevistou algumas pessoas da elite do
início do século XX e, muito interessantes foram as lembranças registradas
nesses depoimentos explorando o gestual do namoro, por exemplo. Da memória do
Dr. Adriano Guimarães há resquícios destes transformados em signos quando ele
evidenciava a representação do lenço nas mãos das jovens ou de uma flor na
lapela masculina, frequentadores do cinema Olympia, e desejavam mandar um
“recado” a/ao namorado ou namorada que não fora de escolha familiar (e/ou até
que fosse). Ou mesmo uma mensagem de amor à/ao amada/o. O lenço que cai no
chão, ou que vai à boca, o que é repassado entre as mãos, ou o que é preso na
lapela são detalhes gestuais que representam, “eu te amo”, “não podes falar
comigo”, “estou acompanhada” e por aí vão as expressões gestuais. No meu modo
de ver, esses jovens criavam uma política comunicativa própria que revelava
certos aspectos ousados em uma dimensão de códigos de relacionamento como forma
interativa. Entretanto, havia necessidade de o par saber o que representava
este ou aquele gesto, pois, um mal-entendido nesse detalhe poderia causar
rompimento ou, no mínimo, reação negativa entre os namorados. No dizer de
Edward Sapir e Benjamim Woorf (1956:17): “A lógica natural diz-nos que a fala é
apenas uma manifestação acessória, que diz estritamente respeito á comunicação
e não à formulação das idéias. Supõe-se que a fala ou o emprego da língua
exprime apenas o que, em princípio, já está formulado não verbalmente”. Então
esses códigos gestuais tinham que ser decifrados no reconhecimento de sua
representação naquele momento.
Ainda daquele período é significativa a
entrada triunfal das “cocotes” (as prostitutas de luxo) naqueles dias de
cinema, ao acender das luzes pós-exibição do jornal, no corredor central do
Olympia com seus chapéus e vestes francesas, mostrando todo o seu charme para
as “donas” dos seus “donos” (na fala de Adriano Guimarães). A imponência delas
e a ousadia do enfrentamento à classe social dominante eram gestos que deixavam
rumores sobre as virtudes e os vícios dessas lindas mulheres assistindo
prazerosamente os filmes em exibição ao lado das suas parceiras na cama.
É importante entender que o gesto é uma forma
de comunicação transformada em linguagem do corpo. É possível entrar nessa
“onda” de entender a tradução dessas manifestações humanas expressos em uma
diversidade de gestos, da ansiedade à raiva, da impaciência à tristeza, da
infelicidade à euforia em qualquer evento social, reuniões, festas e até mesmo
no espaço privado da casa, numa repartição pública ou no lugar do trabalho.
Meu interesse em tratar deste assunto e
considerá-lo como gestualidade política resulta de duas questões observadas no
cotidiano da vida. Um primeiro reflete gestos de tensão de uma pessoa que há
muito era considerada amiga de outra e, de um tempo a esta parte tem
apresentado gestos de desconforto em relação a essa amiga. A gestualidade tem sido acompanhada de atitudes verbais
nos emails, nos telefonemas, nos silêncios. Em confidência a amiga pergunta: “o
que eu fiz para receber este tratamento?” “O que devo fazer para reparar as
atitudes hostis que há mais de ano se estabeleceram entre nós?” Na verdade, não
se têm palavras de aconselhamento para interpretar esses gestos do “outro”. E
fica-se na dúvida se a colega não está interpretando mal a linguagem verbal e
não verbal desse relacionamento. Se o eixo reparador tende a ser o afastamento
entre as duas pessoas assim será, pois, já houve uma tentativa de enfrentar os
códigos dissonantes sem resultado.
O outro aspecto do gesto vem de outra postura,
agora marcando atitudes inter colegas e gestores no trabalho de um funcionário
público prestes a entrar na idade de aposentadoria compulsória. Embora este
ainda tenha alguns meses para entrar nesse processo, seus colegas tendem a
apresentar gestos hostis e linguagem dissimulada para arguir o momento em que o
colega irá deixar a função que ocupa na empresa/instituição. Também para este
funcionário que
procura “aconselhamento” sobre o que fazer, pois se sente inseguro, desconfiado
de todos, sem vontade de trabalhar, não há uma explicação que o ajude. Nesse caso repercute no que Maria Lúcia Álvares (2015) diz
sobre a aposentadoria compulsória por idade (cf. http://www.direitopublicoemrede.com/2015/01/ ): “E esse processo
não se dá por meio de pedido do servidor ou mediante ofício formalizado pela
Administração. Ele acontece sorrateiramente, por meio de palavras, ações e
omissões de outros tantos agentes que, a despeito de estarem sujeitos ao mesmo
destino, se erguem como vozes a rechaçar o que ditam ser ultrapassado - palavra que
vem agregada à presunção de defasagem de conhecimento e à perda de habilidade,
enquanto requisitos que emergem como condicionantes do processo de avaliação de
desempenho com foco em competências, atualmente voga do processo avaliativo no
serviço público”.
Nesta reflexão a ambiência dos
códigos repercute no sentido da emoção que o gesto revela como elemento de
interação humana.
(Texto originalmente publicado em O Liberal/Pa de o6/02/2015)
Nenhum comentário:
Postar um comentário