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Nesta onda trágica de atentados, assassinatos em
nome da moral religiosa, sexual, de gênero, política e mais o que houver, me
dei conta de que a comunidade global em todas as categorias só tem o olhar
amplo das ocorrências e não visualiza as pequenas/grandes ações encimadas por
comportamentos, normas particulares (às vezes pessoais e/ou familiares) que
marcam as atitudes de desrespeito às diferenças. Exemplificando-as registro
algumas atitudes que se aparentemente não levaram a pensar nesse desrespeito sendo
vistas como “naturais” vejo hoje que não deixavam de ser ações de intolerância.
A chegada dos chamados protestantes (aquela altura
só tínhamos a visão das igrejas
oriundas da Reforma religiosa no século XVI) à cidade de
Abaetetuba (não tenho pesquisa sobre isso, trata-se de um relato pessoal) em
meados da década de quarenta, levou um grupo de famílias, mais precisamente,
mulheres católicas, a organizarem escolas de catecismo acompanhando os locais
aonde eram realizados os cultos dos protestantes e em frente a esses locais exercitarem
o canto dos hinos religiosos no mais alto som ao mesmo tempo em que os pastores
protestantes iniciavam suas liturgias. Esses primeiros momentos foram de tensão
para as líderes católicas até verem que seus “antagonistas” fechavam suas casas
para se isolarem. Ou então mudavam de local. E aonde estas sabiam que seria
criada uma nova frente lá iam elas com seus filhos e parentes para a
emblemática batalha.
Aos poucos esse comportamento foi sendo erradicado
e a delicadeza dos supostos “inimigos de Deus” (havia um livro que circulava
entre os líderes homens: “O Diabo, Lutero e o Protestantismo”, de 1937, escrito
pelo Pe. Júlio Maria S.D.N.) foi abrandando os corações e as mentes de seus
opositores. Entretanto, se for avaliado o tamanho dos estragos na mentalidade
das crianças dessas famílias católicas é possível observar a formação do nível
da intolerância a outras religiões.
Na história da Igreja há fatos de
intolerância, não só religiosa como política como a prisão, julgamento e morte
na fogueira de Joana Darc, no Século XV (1431) acusada no período da
Inquisição, de heresia e assassinato, subsequentemente, de feiticeira e bruxa A
jovem adolescente de 16 anos comandou um exército de 4000 homens, conseguindo a
Libertação de Orleans intentada antes pelos franceses. Jovem e mulher arrebatar
o caminho da guerra e, ainda, conseguir derrotar os invasores, uma atividade para
onde iam somente os homens, que ousadia!
É fato a intolerância, no período
da Reforma Protestante, contra os adeptos da nova doutrina utilizando-se a
Inquisição, as guerras religiosas e massacres, a exemplo, o conhecido episódio de
da matança dos huguenotes, na França, na tristemente famosa noite de São Bartolomeu (1572).
Não só entre as doutrinas religiosas se espalha a
discriminação desse nível de cultura estabelecida como única, visto que a especificidade da diferença instiga a um permanente
combate. Assim, todos os “diferentes” vão sendo sistematicamente categorizados dentro
do modelo de representação social dominante e em maior ou menor medida vão
sendo projetadas as ordens naturalizadas do chamado “viver social” que os
repele.
O que me dizem dos crimes hediondos que são
praticados contra as mulheres e durante um bom tempo, no julgamento dos
assassinos tem prevalecido a justificativa de “crime em defesa da honra”. Diz Navi Pillay,
Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos: “Mas as
"agressões em defesa da honra" são crimes violentos que violam o
direito à vida, à liberdade, à integridade física, a proibição da tortura e de
tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, a proibição da escravatura, o
direito a não ser alvo de discriminação de género nem de abusos ou exploração
sexuais, o direito à privacidade, e a obrigação de renunciar a leis
discriminatórias e a práticas prejudiciais para as mulheres” (cf. Crimes de honra e
violência doméstica”. Navi
Pillay informa ainda que um tribunal do Arizona (EUA) julga neste
momento o caso de um homem acusado de atropelar e matar a filha que ele considerava
demasiado "ocidentalizada". “A ONU calcula que todos os anos,
aproximadamente 5000 mulheres sejam assassinadas por membros da sua família
"em defesa da honra", no mundo inteiro”.
Dois episódios reais hoje
transformados em filmes tratam da situação da intolerância. A segregação racial
norte americana aponta o episódio que levou a discussão em torno da Emenda 14 da Constituição dos EUA que previa “igual tratamento
a todos perante a lei” embora isso não ocorresse, uma vez que vigorava a “lei
dos separados com igualdade”. A partir das dificuldades enfrentadas pelos
alunos negros no Condado de Claredon (Carolina do Sul) no início dos anos 50,
os negros começaram a questionar o tratamento recebido, haja vista que os
estudantes brancos eram contemplados com todos os recursos de transporte e boa
qualidade do ensino, sem que isso fosse repassado às escolas dos negros. Numa
luta insana pelos juristas negros, no dia 28 de maio de 1951, a Suprema Corte
dos Estados Unidos decidiu pelo fim da segregação (gradual) nas escolas
primárias, numa decisão que ficou conhecida como Brown vs. Board of Education. Neste
caso, a intolerância baseia-se no preconceito racial que tende à discriminação,
muito presente nas ondas de violência cometidas pela Ku Klux
Klan, a organização racista e reconhecida como terrorista, fundada em 1865, no
Tennessee (filme, “Separados, mas Iguais”, 1991).
Outro
caso real de intolerância remete à Inglaterra, em 1984, no governo de Margaret Thatcher, quando os
mineiros estão em greve. E Interessados em ajudar as famílias desses
trabalhadores, um grupo de ativistas homossexuais e lésbicas decide arrecadar
dinheiro para ajuda-los. Decidem também, entregar pessoalmente no País de Gales
o recurso que recolheram, mas são discriminados pela própria União Nacional dos
Mineiros que se sente constrangida em receber essa ajuda. Os níveis de
preconceito entre as famílias operam cenas de agressão em todos os níveis, mas
o enfrentamento desconcerta a maioria dos mineiros e os dois grupos se auxiliam
(filme “Pride”, 2014).
Neste texto, meu propósito foi
demonstrar que embora se reconheça a intolerância do outro, deixa-se de fora a
nossa própria maneira de ver os diferentes.
(Texto originalmente publicado em O Liberal, de 23/01/2015)
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