sexta-feira, 18 de maio de 2012

A HORA DA VERDADE


 
Está instalada no Brasil, desde a última quarta feira, 16/05, a Comissão da Verdade, com indicação, pela Presidente Dilma Rousseff, de sete pessoas que iniciarão os trabalhos de investigar violações de direitos humanos cometidos entre 1946 e 1988. Para alguns houve um atraso de mais de 30 anos após a ditadura militar (1964-1985) na instauração desta comissão que em paises da América Latina, como os vizinhos Argentina e Chile, começaram esse procedimento logo no início do processo democrático pós-regime militar. Para outros seria uma “caça as bruxas” de um tempo que até hoje ficou “mal resolvido” na memória dos familiares dos desaparecidos no período, mas, e principalmente, são fatos silenciados pela mídia e retidos nas mentes dos que viveram a época e ainda estão amedrontados de serem injuriados. Mas este processo de revisão de fatos do passado no tempo presente vem desde a década de setenta com a primeira instalada pelo governo de Uganda, em 1974. Até 2010, 39 comisssões dessa natureza formaram-se nos quatro continentes.
           Um olhar para trás vê-se que desde o período de 1979 a 1985 no Brasil criou-se, clandestinamente, o projeto Brasil Nunca Mais, desenvolvido por Don Paulo Evaristo Arns, o Rabino Henry Sobel, o Pastor presbiteriano Jaime Wright e equipe, procurando sistematizar informações sobre os anos de repressão no país, gerando um documento com mais de mil páginas contidas em 707 processos do STM, num período de 1961 a 1979. Este documento encontra-se no  Arquivo Edgard Leuenrouth na UNICAMP, sendo um dos mais pesquisados. Contudo, o registro constitui-se num manifesto da sociedade civil diante de fatos desvelando perseguições, assassinatos, desaparecimento de pessoas torturadas nas delegacias e unidades militares mantidas pelo aparelho repressivo do Estado.

O debate mais efetivo no Brasil iniciou-se a partir de 2007 (em governos anteriores houve alguns ganhos) sob o tema da “Justiça de Transição” (JT), ocupando a agenda política de vários Ministérios. Trata-se, então de uma postura de procedência oficial do Estado. Embora historicamente seja um processo estabelecido no momento que um regime autoritário dá lugar a um novo sistema que passa a se estabelecer com princípios e valores democráticos, na verdade, o seu amadurecimento no vértice estatal só se tornou propício nesse momento, incentivado por normas fundamentais e medidas legais que objetivaram a contribuição para o esclarecimento da verdade em torno das violações ocorridas nos períodos políticos conflitivos. Com o Plano Nacional de Direitos Humanos-3, organizado pelas discussões sistemáticas sobre vários temas, pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em dezembro de 2009, o eixo  “Direito à Memória e à Verdade” tornou-se um dos principais pontos da política dos Direitos Humanos no país, favorecendo o lançamento de uma “Comissão Nacional da Verdade” (cf. Cartilha A Comissão da Verdade no Brasil – NPMP/SP www.nucleomemoria.org.br )

O funcionamento da “Comissão da Verdade” tem prioridades: o processo testemunhal das vitimas arbitrariamente tratadas que terão possibilidade de revelar a sua própria versão dos fatos, e não somente a versão dos perpetradores das violências que se constituiu na chamada “história oficial”; identificação e reconhecimento dos participantes dessas ocorrências, tanto dos que sofreram como dos que promoveram essas violências; produção de um relatório sobre tudo o que será levantado, permitindo à sociedade brasileira conhecer uma parte de sua história até hoje não esclarecida cujos detalhes ainda se acham silenciados.  

Assim, o primeiro objetivo dessa Comissão é  descobrir, esclarecer e reconhecer abusos do passado, dando voz às vítimas”. Um segundo é o combate à impunidade visto que ao desvendar as responsabilidades do passado cria-se a possibilidade de uma nova política pública mais transparente, “na relação entre o poder político, militar ou policial e a população em geral”. “Restaurar a dignidade e facilitar o direito das vítimas à verdade” é um objetivo traduzido em rupturas sobre lembranças de humilhação e violência sofridas e que ainda hoje se encerram em estados de terror, humilhação e vergonha aos que sofreram aviltamento. Assim sendo, quebrando os silêncios com o restabelecimento das histórias particulares, essas pessoas desenvolvem valores de dignidade e respeito por si próprias instalando-se o reconhecimento em geral sobre este período. Um terceiro objetivo é  acentuar a responsabilidade do Estado e recomendar reformas do aparato institucional”. O que isso recomenda? É que ao tomar ciência de todos os fatos, pelo relatório elaborado sobre os arbítrios cometidos, o Estado se encarregará de reformar as instâncias institucionais da Justiça e da Segurança Pública.

Um penúltimo objetivo é o de contribuir para a justiça e a reparação dos casos identificados de arbitrio e violação.  Os fatos apontam para a prática de muitos países de usarem o relatório final das Comissões para instrumentalizar a Justiça na aplicação de ações civis e/ou penais contra os que violaram os direitos humanos. Isso será uma meta, sem dúvida. Mas a presidente Dilma Rousseff foi clara no seu discurso contrariando os equívocos neste paticular, ao referir: “Ao instalar a Comissão da Verdade não nos move o revanchismo, o ódio ou o desejo de reescrever a história de uma forma diferente do que aconteceu, mas nos move a necessidade imperiosa de conhecê-la em sua plenitude, sem ocultamentos, sem camuflagens, sem vetos e sem proibições”.

Assim, nesse eixo objetivado, estabelecer a reparação seja individual ou coletiva através de políticas públicas aos que foram tratados arbitrariamente será a meta final de uma lei que tende a garantir ao Brasil, o seu momento de avanço democrático.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, em 19/05/2012)





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