Está instalada no Brasil, desde a última quarta feira, 16/05, a Comissão
da Verdade, com indicação, pela Presidente Dilma Rousseff, de sete pessoas que iniciarão
os trabalhos de investigar violações de direitos humanos cometidos entre 1946 e
1988. Para alguns houve um atraso de mais de 30 anos após a ditadura militar (1964-1985)
na instauração desta comissão que em paises da América Latina, como os vizinhos
Argentina e Chile, começaram esse procedimento logo no início do processo
democrático pós-regime militar. Para outros seria uma “caça as bruxas” de um
tempo que até hoje ficou “mal resolvido” na memória dos familiares dos
desaparecidos no período, mas, e principalmente, são fatos silenciados pela
mídia e retidos nas mentes dos que viveram a época e ainda estão amedrontados
de serem injuriados. Mas este processo de revisão de fatos do passado no tempo
presente vem desde a década de setenta com a primeira instalada pelo governo de
Uganda, em 1974. Até 2010, 39 comisssões dessa natureza formaram-se nos quatro
continentes.
Um olhar para trás vê-se que desde o período de 1979 a 1985 no Brasil
criou-se, clandestinamente, o projeto Brasil Nunca Mais, desenvolvido por Don
Paulo Evaristo Arns, o Rabino Henry Sobel, o Pastor presbiteriano Jaime Wright
e equipe, procurando sistematizar informações sobre os anos de repressão no
país, gerando um documento com mais de mil páginas contidas em 707 processos do
STM, num período de 1961 a 1979. Este documento encontra-se no Arquivo Edgard Leuenrouth
na UNICAMP, sendo um dos mais pesquisados. Contudo, o registro constitui-se num
manifesto da sociedade civil diante de fatos desvelando perseguições,
assassinatos, desaparecimento de pessoas torturadas nas delegacias e unidades
militares mantidas pelo aparelho repressivo do Estado.
O debate mais efetivo no Brasil iniciou-se a partir
de 2007 (em governos anteriores houve alguns ganhos) sob o tema da “Justiça de Transição” (JT), ocupando
a agenda política de vários Ministérios. Trata-se, então de uma postura de
procedência oficial do Estado. Embora historicamente seja um processo
estabelecido no momento que um regime autoritário dá lugar a um novo sistema que
passa a se estabelecer com princípios e valores democráticos, na verdade, o seu
amadurecimento no vértice estatal só se tornou propício nesse momento,
incentivado por normas fundamentais e medidas legais que objetivaram a
contribuição para o esclarecimento da verdade em torno das violações ocorridas
nos períodos políticos conflitivos. Com o Plano Nacional de Direitos Humanos-3,
organizado pelas discussões sistemáticas sobre vários temas, pela Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República, em dezembro de 2009, o eixo “Direito à Memória e à Verdade” tornou-se um
dos principais pontos da política dos Direitos Humanos no país, favorecendo o
lançamento de uma “Comissão Nacional da Verdade” (cf. Cartilha A Comissão da
Verdade no Brasil – NPMP/SP www.nucleomemoria.org.br )
O funcionamento
da “Comissão da Verdade” tem prioridades: o processo testemunhal das vitimas
arbitrariamente tratadas que terão possibilidade de revelar a sua própria
versão dos fatos, e não somente a versão dos perpetradores das violências que
se constituiu na chamada “história oficial”; identificação e reconhecimento dos
participantes dessas ocorrências, tanto dos que sofreram como dos que
promoveram essas violências; produção de um relatório sobre tudo o que será
levantado, permitindo à sociedade brasileira conhecer uma parte de sua história
até hoje não esclarecida cujos detalhes ainda se acham silenciados.
Assim, o
primeiro objetivo dessa Comissão é “descobrir, esclarecer
e reconhecer
abusos do passado, dando
voz às vítimas”. Um
segundo é o combate à impunidade visto que ao desvendar as responsabilidades do
passado cria-se a possibilidade de uma nova política pública mais transparente,
“na relação entre o poder político, militar ou policial e a população em geral”.
“Restaurar a dignidade e facilitar o direito das vítimas à verdade” é um objetivo traduzido
em rupturas sobre lembranças de humilhação e violência sofridas e que ainda
hoje se encerram em estados de terror, humilhação e vergonha aos que sofreram
aviltamento. Assim sendo, quebrando os silêncios com o restabelecimento das
histórias particulares, essas pessoas desenvolvem valores de dignidade e
respeito por si próprias instalando-se o reconhecimento em geral sobre este
período. Um terceiro objetivo é “acentuar a
responsabilidade do Estado e recomendar reformas do aparato institucional”. O que isso recomenda? É
que ao tomar ciência de todos os fatos, pelo relatório elaborado sobre os
arbítrios cometidos, o Estado se encarregará de reformar as instâncias
institucionais da Justiça e da Segurança Pública.
Um penúltimo objetivo é o de contribuir para a justiça e a reparação dos
casos identificados de arbitrio e violação. Os fatos apontam para a prática de muitos
países de usarem o relatório
final das Comissões para instrumentalizar a Justiça na aplicação de ações civis
e/ou penais contra os que violaram os direitos humanos. Isso será uma meta, sem
dúvida. Mas a presidente Dilma Rousseff foi clara no seu discurso contrariando
os equívocos neste paticular, ao referir: “Ao instalar
a Comissão da Verdade não nos move o revanchismo, o ódio ou o desejo de
reescrever a história de uma forma diferente do que aconteceu, mas nos move a
necessidade imperiosa de conhecê-la em sua plenitude, sem ocultamentos, sem
camuflagens, sem vetos e sem proibições”.
Assim, nesse
eixo objetivado, estabelecer a reparação seja individual ou coletiva através de
políticas públicas aos que foram tratados arbitrariamente será a meta final de
uma lei que tende a garantir ao Brasil, o seu momento de avanço democrático.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, em 19/05/2012)
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