Cravos brancos representam o presente de Anne Jarvis às Mães
Nesta
semana, a voz corrente entre os membros das famílias, e, principalmente, em tom
de animação e evidências de sedução aos consumidores nas mídias sociais, é sobre
o dia das mães.
A
maioria das pessoas desconhece a gênese deste evento e embarca, mesmo assim, na
profusão de “mensagens” dos meios de comunicação, considerando o sentido do
afeto representado pelo objeto a comprar para sua mãe (há, contudo, pessoas que
criam seus meios de mostrar a afeição).
Em meu tempo de criança ou jovem esse
emblemático dia não era motivação familiar, nem havia festividades na escola pública
onde estudei. Muito tempo depois, quando cheguei a Belém lembro essa inclusão
em meio a outras datas. Não no colégio que frquentei, haja vista que o mês de
maio, em todas às escolas religiosas de Belém, era tido como o “mês mariano”,
ou seja, era dedicado à Maria, mãe de Jesus, com manifestações religiosas. Tratava-se
de um evento propiciando o desenvolvimento da espiritualidade e conscientização
de cada uma das meninas internas, às medidas de seu bom comportamento ou de incentivo
à solidariedade aos conviventes diários.
Mas
como jornalista investigativa gosto sempre de saber a origem das coisas. E para
o dia das mães achei interessantes motivações para o que hoje o comércio
absorveu como “um grande negócio”, uma das datas que para ele é tratada em
percentuais: “este ano as vendas estão 30% maiores do que no ano anterior”, e
por ai vai o esforço para seduzir até o último instante o seu ou a sua freguês/a
de última hora.
Na
gênese das comemorações da “maternagem” está a mais antiga evidência extraída
da mitologia grega: Rhea, a mãe dos deuses, era celebrada com a entrada da
primavera. Entre os romanos esse tipo de celebração era em homenagem a Cibele,
mãe dos deuses romanos (entre os dias 15 e 18 de março), com duração de três
dias. Nos primórdios do cristianismo, a festividade se tornou religiosa
homenageando a Virgem Maria, mãe de Jesus. (creio que era isso o que faziam nos
colégios de freiras, como exposto acima).
Outro
registro é do início do século XVII, na Inglaterra, que dedicava o quarto
domingo da Quaresma às mães das operárias. As trabalhadoras tinham folga nesse
dia ficando em casa com suas mães. O chamado "Mothering Day", originou
o "mothering cake", ou seja, um bolo era preparado para os festejos.
Dos EUA surgem dois eventos para
essa promoção. O primeiro, no século XIX (1872), teria sido sugestão da
escritora, abolicionista, ativista social e poeta Júlia Ward Howe, autora de
"O Hino de Batalha da República" dedicado à Guerra de Secessão.
O mais conhecido, entretanto, é a
campanha de outra norte-americana, Anna Jarvis, no Estado da Virgínia Ocidental.
Em 1905 morre sua mãe, uma lutadora das causas sociais, que ajudava as famílias
cujas mães sofriam de tuberculose, era contra a guerra civil norte americana, e,
também, organizou um clube de mães para socorrer soldados feridos. A filha Anna
entra em depressão e para tirá-la daquele estado emocional, suas amigas
idealizaram uma festa para perpetuar a memória da mãe. Esse episódio motivou-a
a abraçar uma causa estendida a todas as mães vivas ou mortas, para marcar a
lembrança das crianças e levá-las às homenagens devidas, objetivando, também, o
fortalecimento dos laços familiares e o respeito aos pais. Uma luta que durou
três anos para a criação oficial dessa data, com a primeira edição em 26 de abril
de 1910, sendo incorporada ao calendário de comemorações do estado da Virginia
Ocidental, pelo governador William E. Glasscock. A adesão dos demais estados
foi uma sequencia contínua. E em 1914, Woodrow Wilson (1913-1921) então
presidente dos Estados Unidos, estabeleceu o Dia Nacional das Mães a ser
comemorado no segundo domingo de maio, uma sugestão da própria Anna Jarvis. A
celebração propagou-se em mais de 40 países.
Mas o que era para ser um evento
de celebração afetiva com a oferta de cravos brancos simbolizando a maternidade
e por isso ofertado às mães, tornou-se um comércio, pois, a dádiva de Jarvis que
a cada ano enviava 500 cravos à igreja de Grafton, passou a ser comercializada,
desagradando-a. Disse ela então: "Não criei o dia das mães para ter
lucro". Então, durante anos ela tentou modificar esse aspecto, liderando,
em 1923, uma campanha contra o comércio exacerbado dessa data, mas pouco
conseguiu.
Como se vê, a luta contra a
comercialização do dia das mães vem de sua gênese. Se antes os cravos brancos
simbolizavam pureza, fidelidade, amor, caridade e beleza e eram doados, hoje,
cada filho ou filha na medida de suas posses oferece à mãe um objeto adquirido
nas casas comerciais. Às vezes obedece ao reconhecimento do que a mãe está mais
precisando em casa e vê essa oportunidade para presenteá-la. O problema é que
de repente o presente é uma geladeira, um conjunto de pratos e/ ou coisas de
casa. O que é isso? Pergunto: quem se homenageia então nesse dia, é a mãe ou é a
casa de um modo geral, a cozinha, a sala, o quarto? Se desvincularmos o modelo
secularizado da “mãe dona de casa” sem dúvida demonstraremos de outra forma o
nosso afeto a elas. E certamente rompe-se com a cultura patriarcal aliada ao
comércio que usa expedientes desconectados do sentido que deu Anna Jarvis à
lembrança de sua mãe.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, em 11/05/2012)
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