sexta-feira, 11 de maio de 2012

AS MÃES, UM DIA E AS REPRESENTAÇÕES


Cravos brancos representam o presente de Anne Jarvis às Mães

     Nesta semana, a voz corrente entre os membros das famílias, e, principalmente, em tom de animação e evidências de sedução aos consumidores nas mídias sociais, é sobre o dia das mães.
     A maioria das pessoas desconhece a gênese deste evento e embarca, mesmo assim, na profusão de “mensagens” dos meios de comunicação, considerando o sentido do afeto representado pelo objeto a comprar para sua mãe (há, contudo, pessoas que criam seus meios de mostrar a afeição).
    Em meu tempo de criança ou jovem esse emblemático dia não era motivação familiar, nem havia festividades na escola pública onde estudei. Muito tempo depois, quando cheguei a Belém lembro essa inclusão em meio a outras datas. Não no colégio que frquentei, haja vista que o mês de maio, em todas às escolas religiosas de Belém, era tido como o “mês mariano”, ou seja, era dedicado à Maria, mãe de Jesus, com manifestações religiosas. Tratava-se de um evento propiciando o desenvolvimento da espiritualidade e conscientização de cada uma das meninas internas, às medidas de seu bom comportamento ou de incentivo à solidariedade aos conviventes diários.
      Mas como jornalista investigativa gosto sempre de saber a origem das coisas. E para o dia das mães achei interessantes motivações para o que hoje o comércio absorveu como “um grande negócio”, uma das datas que para ele é tratada em percentuais: “este ano as vendas estão 30% maiores do que no ano anterior”, e por ai vai o esforço para seduzir até o último instante o seu ou a sua freguês/a de última hora.
   Na gênese das comemorações da “maternagem” está a mais antiga evidência extraída da mitologia grega: Rhea, a mãe dos deuses, era celebrada com a entrada da primavera. Entre os romanos esse tipo de celebração era em homenagem a Cibele, mãe dos deuses romanos (entre os dias 15 e 18 de março), com duração de três dias. Nos primórdios do cristianismo, a festividade se tornou religiosa homenageando a Virgem Maria, mãe de Jesus. (creio que era isso o que faziam nos colégios de freiras, como exposto acima).
     Outro registro é do início do século XVII, na Inglaterra, que dedicava o quarto domingo da Quaresma às mães das operárias. As trabalhadoras tinham folga nesse dia ficando em casa com suas mães. O chamado "Mothering Day", originou o "mothering cake", ou seja, um bolo era preparado para os festejos.
     Dos EUA surgem dois eventos para essa promoção. O primeiro, no século XIX (1872), teria sido sugestão da escritora, abolicionista, ativista social e poeta Júlia Ward Howe, autora de "O Hino de Batalha da República" dedicado à Guerra de Secessão.
    O mais conhecido, entretanto, é a campanha de outra norte-americana, Anna Jarvis, no Estado da Virgínia Ocidental. Em 1905 morre sua mãe, uma lutadora das causas sociais, que ajudava as famílias cujas mães sofriam de tuberculose, era contra a guerra civil norte americana, e, também, organizou um clube de mães para socorrer soldados feridos. A filha Anna entra em depressão e para tirá-la daquele estado emocional, suas amigas idealizaram uma festa para perpetuar a memória da mãe. Esse episódio motivou-a a abraçar uma causa estendida a todas as mães vivas ou mortas, para marcar a lembrança das crianças e levá-las às homenagens devidas, objetivando, também, o fortalecimento dos laços familiares e o respeito aos pais. Uma luta que durou três anos para a criação oficial dessa data, com a primeira edição em 26 de abril de 1910, sendo incorporada ao calendário de comemorações do estado da Virginia Ocidental, pelo governador William E. Glasscock. A adesão dos demais estados foi uma sequencia contínua. E em 1914, Woodrow Wilson (1913-1921) então presidente dos Estados Unidos, estabeleceu o Dia Nacional das Mães a ser comemorado no segundo domingo de maio, uma sugestão da própria Anna Jarvis. A celebração propagou-se em mais de 40 países.
Mas o que era para ser um evento de celebração afetiva com a oferta de cravos brancos simbolizando a maternidade e por isso ofertado às mães, tornou-se um comércio, pois, a dádiva de Jarvis que a cada ano enviava 500 cravos à igreja de Grafton, passou a ser comercializada, desagradando-a. Disse ela então: "Não criei o dia das mães para ter lucro". Então, durante anos ela tentou modificar esse aspecto, liderando, em 1923, uma campanha contra o comércio exacerbado dessa data, mas pouco conseguiu.
     Como se vê, a luta contra a comercialização do dia das mães vem de sua gênese. Se antes os cravos brancos simbolizavam pureza, fidelidade, amor, caridade e beleza e eram doados, hoje, cada filho ou filha na medida de suas posses oferece à mãe um objeto adquirido nas casas comerciais. Às vezes obedece ao reconhecimento do que a mãe está mais precisando em casa e vê essa oportunidade para presenteá-la. O problema é que de repente o presente é uma geladeira, um conjunto de pratos e/ ou coisas de casa. O que é isso? Pergunto: quem se homenageia então nesse dia, é a mãe ou é a casa de um modo geral, a cozinha, a sala, o quarto? Se desvincularmos o modelo secularizado da “mãe dona de casa” sem dúvida demonstraremos de outra forma o nosso afeto a elas. E certamente rompe-se com a cultura patriarcal aliada ao comércio que usa expedientes desconectados do sentido que deu Anna Jarvis à lembrança de sua mãe.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, em 11/05/2012)

Nenhum comentário:

Postar um comentário