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Em
16 de outubro de 2013, foi apresentado ao Plenário da 55ª Legislatura da Câmara
de Deputados, pelo deputado Anderson Ferreira, do PR/PE, o Projeto de Lei n. 6583/2013, dispondo sobre o “Estatuto da Família e
outras providências”. Nesse mesmo dia, o mesmo deputado apresentou o Projeto
de Lei n.º 6.584/2013, que instituía a "Semana Nacional de Valorização da
Família", com vistas a integrar o Calendário Oficial do País. Em 25/10/2013 esta nova PL foi apensada a
primeira passando a circular em todas as instâncias previstas e para a
avaliação da Comissão Especial destinada a proferir parecer pela
inconstitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa. Esse PL está em vias
de ser aprovado este mês o que vem a demonstrar o intenso conservadorismo dos
membros da casa legislativa intentando de forma regressiva contra os direitos
constituídos por diversos grupos familiares já formados na sociedade
brasileira.
O conceito de família, nesse Estatuto corrói e
exclui o formato atual e plural das famílias brasileiras ao propor, no Art. 2º: “Para os fins desta Lei, define-se entidade familiar como o
núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por
meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes.”
Como se vê, a representação do conceito de família
gerou uma versão que tende a ser considerada imutável, mesmo que ao longo do
tempo houvesse mudanças na estrutura sociocultural e econômica da sociedade
transformando a vida dos indivíduos e reorganizando as normas do Direito para
alcançar essas mudanças, cujo reconhecimento entre essas doutrinas jurídicas
avançaram na interpretação da lei. Sem dúvida para conter esses avanços é que
esse parlamentar se apoiou para converter a sua lógica ético-conservadora em
protótipo impositivo de um estatuto que segundo ele, é “obrigação do Estado, da sociedade e do Poder Público em
todos os níveis assegurar à entidade familiar a efetivação do direito à saúde,
à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à
cidadania e à convivência comunitária.” (Art. 3º).
Considerando as perdas e exclusões que este
Estatuto tende a promover, o mundo acadêmico e grupos de pesquisas estão se
movimentando em uma campanha que interroga "Qual Estatuto da Família? Em defesa dos direitos e da
pluralidade" procurando sensibilizar sobre as práticas lesivas aos
direitos humanos que o parlamento brasileiro atual agregado a setores
religiosos e fundamentalistas tem criado contra os grupos que se organizam de
forma diferenciada da representação socialmente aceita, como a que foi deflagrada
em favor da “cura gay”, da comunidade LGBT, da inclusão de gênero e orientação
sexual nos planos de educação estaduais e municipais.
Pertinente a atenção aos comentários da
assessora técnica Fernanda Saboia, do Centro
Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA ), no ano passado (03/06/2014) sobre
o Estatuto da Família: “tal definição exclui a pluralidade
das famílias brasileiras, já reconhecida por doutrinas de Direito, que avançam
na interpretação da lei. Existem pelo menos 11 tipos de família, que são:
matrimonial, informal, homoafetiva, paralela ou simultânea, poliafetiva,
monoparental, anaparental, pluriparental, extensa ou ampliada, substituta,
eudemonista. Os tipos de famílias já apreciadas pelo ordenamento jurídico
brasileiro são a matrimonial (CF art. 226 § 1 ), a família informal (união
estável, CF art. 226 § 3), e família monoparental (CF art. 226 § 4), e conforme
decisão do Supremo Tribunal Federal, tem se reconhecido legalmente e
juridicamente a existência das famílias homoafetivas.”
Com isso se torna preocupante gerando insegurança
jurídica, diz Saboia, a todas as famílias não enquadradas nesses limites
definidos pelo PL. A assessora acentua a inconstitucionalidade diante da Carta de
1988, no Art. 5º (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) “conforme o princípio
da igualdade de todos perante a lei sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade.”
Outras diretrizes que o PL impõe referem-se à
criação de políticas públicas para o tipo de família restrito, a criação de
Conselhos da família (Art. 14), “orgãos permanentes e autônomos encarregados de
tratar das políticas públicas voltadas à família”. E nesse aspecto enfoca a
obrigatoriedade da “Educação para a família” nas escolas tendo currículo
obrigatório no ensino fundamental e médio. Opera com a outra PL apensa a esta
que cria o Dia Nacional de Valorização da Família nas escolas como meio de
favorecer as novas metas de ruptura ao que esse grupo conservador chama de
“ideologia de gênero” que é acusada de favorecer a diversidade e as mudanças
culturais conectadas ao movimento LGBT e ao feminismo.
Um
aspecto lembrado por Saboia contido no Estatuto da Família (Art. 6º) refere-se
às atribuições e deveres do Estado com o privilegiamento aos “membros da entidade familiar” no
Sistema de Único de Saúde (SUS) e
no Programa de Saúde da Família, garantindo-lhes o acesso em conjunto
articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção,
proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial ao atendimento
psicossocial da unidade familiar.” O SUS foi criado pela
Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis n.º 8080/90 e nº
8.142/90, Leis Orgânicas da Saúde, “com a finalidade de alterar a situação de
desigualdade na assistência à Saúde da população, tornando obrigatório o
atendimento público a qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de dinheiro
sob qualquer pretexto.” Sendo assim, esse serviço tende à “universalidade, a integralidade e a igualdade no
acesso às ações e aos serviços de saúde sem quaisquer tipos de preconceitos” e
com essa “nova ordem” como ficam os grupos familiares já formados? Como e onde
serão atendidos?
Vejo
a família como um grupo de convivência onde o afeto, a diversidade de cada um/a
com suas individualidades transformam a organização social institucionalizada,
estruturando uma pluralidade que dignifica, inclui, protege e fortalece os
direitos humanos.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA em 25/09/2015)
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