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Comenta-se tanto sobre democracia que
esse conceito “viralizou” socialmente. Muitas leituras de teóricos da ciência
política se acercam do modelo clássico e reinventam os paradigmas para a
democracia moderna em que a construção incorpora os rearranjos do sistema em
vários períodos. Numa fase pessoal de entendimento sobre este conceito,
circulei entre muitos autores. Neste texto prefiro iniciar da teoria do
elitismo democrático e democracia como método, tendentes a comprovar a presença de uma minoria assumindo
a direção política da coisa pública.
O eixo argumentativo de Gaetano Mosca sobre a
impossibilidade de a teoria democrática demandar a condução política da coisa pública,
constituindo-se na teoria justificadora do governo da maioria, considera as
observações comparativas entre os tipos históricos de organização social, para
demonstrar que não procede o fato acusatório sobre a debilidade da classe
dirigente ser responsabilizada pelas catástrofes nacionais. Há causas
intrínsecas (defeitos ou carências da doutrina) e extrínsecas. Neste caso, a
democracia representativa elimina o governo da maioria porque, em parte, está
modelada nos princípios de Montesquieu (separação dos três poderes) e em parte
está definida pela invenção rousseauniana (a vontade geral como eixo do poder
legítimo e o direito ao sufrágio uma condição inata e do qual ninguém pode ser
excluído). Critica o estatuto do sufrágio universal por considerá-lo
responsável pelo descenso do nível cultural e intelectual médio dos que
disputam os cargos, devendo ser atribuído aos que tiverem capacidade para
exercê-lo.
Quanto à renovação da classe
dirigente, a tendência democrática é utilizar-se de membros da classe dirigida,
favorecendo uma renovação rápida e violenta, em períodos de revolução e,
algumas vezes, lenta e inclusiva de estratos superiores da sociedade, em tempos
normais.
Alguns apontam a obra de Mosca sobre a teoria das elites
como a primeira teoria científica no campo da política. Houve uma forte
polêmica em torno da tendência antidemocrática e antissocialista da teoria. O
argumento de uma classe política dirigente, concebendo de forma negativa e
estática a natureza humana criando a antítese Elite-Massa foi, entretanto,
perdendo a sua matriz ideológica e transformando-se em valor heurístico.
Respeitada por seu valor científico por filósofos conceituados, Mosca refez
algumas ideias da juventude sobre os regimes democráticos e realimentou seus
escritos de 1896 reconsiderando, em 1923, a argumentação sobre a formação da
classe política, distinguindo diversamente a sua organização.
Nos EUA a teoria conquistou formuladores da ciência política
contemporânea como H. Lasswell e C. Wright Mills, enquanto outros se agruparam
entre os críticos democráticos (liberais e radicais) e os marxistas. Os
primeiros questionavam o bloco monolítico da classe governante; para os
segundos, a defesa da elite no poder se agregaria entre os que detêm o poder
econômico. Os liberais arguiram a renovação de uma teoria que estabelecesse os
acertos entre a teoria das elites e a democracia. Os críticos com tendência à
compatibilidade argumentavam a impropriedade da teoria da democracia clássica e
a sujeição aos ideais abstratos de liberdade, igualdade e vontade geral,
procurando redefinir este conceito com a finalidade de acomodar o elitismo,
utilizando-se de uma nova propositura: o regime democrático é um método.
Os críticos do elitismo monolítico decantaram sua
argumentação no “elitismo democrático” considerando que a multiplicidade de
elites compatibiliza com a democracia, os “pluralistas” circulando entre
filósofos políticos como William Kornhauser ou entre pesquisadores como Polsby e Robert A.
Dahl. O primeiro criou a figura de “grupos intermediários”, que protegem as
elites contra a pressão do povo. Quanto a Dahl, sua questão baseou-se na
suposição da existência desses grupos intermédios considerando a necessária
verificação para efeito explicativo do papel e da função (poder e influência)
que estes realizam nas comunidades em estudo. Houve os defensores da “democracia
radical” (Kariel, Bachrach e Bottomore), pressupondo a reforma da estrutura da
sociedade para a participação efetiva do cidadão considerando viáveis os ideais
políticos clássicos (igualdade, liberdade e participação) lutando por “maior igualdade de oportunidade para as
pessoas dividirem a tomada de decisões que afeta suas vidas”.
A teoria da elite opondo-se à teoria das massas, embora
fosse usada de maneira conservadora num intento “declaradamente
antidemocrático”, instigou, contudo, uma crítica realista do “poder nas mãos do
povo”, ao argumentar que o poder político está sempre nas mãos de uma minoria.
A diferença se dá através da competição que estes grupos realizam entre si,
entre um regime e outro.
Joseph Schumpeter encontra uma
possibilidade de conciliação entre a teoria das elites e a teoria democrática. Ele
define democracia como um método, afastando-se da “camisa de força” da
doutrina clássica da democracia que elabora uma versão sobre “bem comum” e
“vontade do povo”, indispostos um contra o outro, devido a que se existe o
primeiro nos moldes da expressão clássica, dissipa-se o conceito de vontade
geral. O bem comum significa diferentes coisas para diferentes pessoas e,
portanto, intransitivas no movimento que faz do individual para o coletivo. Schumpeter
desenha um conceito positivo de democracia: “A
democracia é um método político, ou seja, certo tipo de arranjo institucional
para se alcançarem decisões políticas – legislativas e administrativas –, e,
portanto não pode ser um fim em si mesma, não importando as decisões que
produza sob condições históricas dadas. E esse deve ser o ponto de partida para
qualquer tentativa de defini-la” (...). O método democrático é aquele acordo institucional para se chegar a
decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão através de
uma luta competitiva pelos votos da população”.
A ênfase de Schumpeter à conciliação
com a teoria das elites é a recusa aos principais mitos da democracia liberal.
Para ele não há governo do povo, mas governo da maioria visto que o primeiro passa
a ser “governo pelo povo”, substituído pela “Vontade Manufaturada”. A
competição pela liderança torna-se a livre competição no mercado do voto. Subsiste
a relação democracia vs liberdade individual, numa esfera de autogestão
individual que concorre para evidenciar a questão de grau do processo. E embora
o eleitorado possa produzir como função básica um governo, esse mesmo
eleitorado poderá desapossa-lo.
Texto originalmente publicado em O Liberal, de 18/09/2015
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