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Dois fatos são registrados no período que vai do final de
março ao primeiro dia de abril. Há o chamado “Dia da Mentira” no começo do mês,
advindo de uma série de manifestações culturais ao redor do mundo, como a teimosia
dos franceses do século XVI que não aceitaram o calendário proposto pelo papa
Gregório (e o rei Carlos IX), mantendo a comemoração da entrada de ano em 1° de
abril ao invés de 1° de janeiro. Foram chamados de mentirosos e o dia escolhido
o que faziam por merecer. Mas no Brasil o 1° de abril
passou a ser comemorado em Minas Gerais no seculo XIX através do jornal “A
Mentira”, lançado em 1º de abril de 1828, com a notícia do falecimento de D.
Pedro, desmentida no dia seguinte.
Muitas brincadeiras surgiram com o
passar dos anos com base no dia da mentira. Mas quando se pensava que uma delas
estava no ar, surgia a verdade de que o presidente João Goulart tinha deixado o
governo e o país estava nas mãos dos militares.
O chamado Golpe de 64 entrou em cena no
Brasil como uma cruel verdade. Lembro que nessa data, morando numa casa na hoje
av. Governador José Malcher (antes S. Jeronimo) assisti, da sacada do prédio, o
movimento que se fazia na sede da UAP (União Acadêmica Paraense) com a invasão
de soldados prendendo jovens que lá estavam reunidos para tomar posição frente
ao movimento que depunha o presidente eleito com a justificativa de que ele
estava liderando grupos chamados de “inimigos internos” para transformar o país
subvertendo a ordem existente, em uma ditadura socialista, a exemplo de Cuba.
Nesse tempo, as
familias de classe média seguiam a versão dos golpistas, incentivados por
agentes norte-americanos (Lyndon Johnson , presidente dos EUA, afirmara que
tudo ia fazer para livrar o Brasil de ser uma nova republica comunista na
America Latina). Houve um desfile nas ruas chamado de “Marcha da Familia com
Deus Pela Liberdade”. Quem não estava andando em festejo ao movimento acenava
das janelas das casas num sentido de aprovação ao que via.
Estudos atuais
mostram que o golpe não deve ser considerado exclusivamente militar, visto que
houve apoio significativo de segmentos sociais importantes como os grandes
proprietários rurais, a burguesia industrial paulista, grande parte das classes
médias urbanas, além do setor conservador e anticomunista da Igreja Católica (a
principal reponsavel por promover a “Marcha da Familia ....” realizada em 19 de
março desse ano).
O passar do tempo mudou o cenário. Com
os atos instituicionais, especialmente o 5° que ratificou a ditadura, sequenciaram-se
atos de censura, a prisão e morte de quem não estivesse de acordo com o regime
instalado, a invasão das escolas e universidades, as torturas, a espionagem
invadindo espaços diversos .
Entre os nossos amigos muitos foram vítimas
da violencia que se instalou no país a partir de abril de 1964. E como na época
eu já participava do movimento cineclubistico, tive conhecimento dos cortes e
outros tipos de mutilação que eram aplicados aos filmes (alguns dignos de um
anedotário como as bolinhas pretas sobre os orgãos sexuais dos atores, como em
“Laranja Mecanica”, de Stanley Kubrick). Considere-se também o volume de filmes
que foram proibidos e se deixou de ver devido ao crivo censorial que exigia ainda
uma postura cultural brasileira extremamente tradicional.
As informações eram cerceadas e pouco
se sabia dos protestos existentes em várias frentes. Tive notícias sobre a
guerrilha no Araguaia através de um exibidor cinematografico que referiu em
conversa ter viajado com uma jovem considerada subversiva, de Marabá para
Belém. Também porejavam acontecimentos trágicos atraves de amigos estudantes e
professores alguns presos, outros sofrendo o cerceamento ao seu direito de ser
admitido na universidade por concurso público devido a tal “folha corrida”.
Os intelectuais viviam acuados pela
força bruta que os censurava com ameaças de prisão. Lembro que já redigindo a
coluna de cinema no O LIBERAL fui intimada pela Polícia Federal para prestar
depoimento sobre uma entrevista que fiz onde o estrevistado (o presidente do
Sindicato dos Jornalistas a época) criticava a censura e tratava de filmes
políticos que não chegavam aos cinemas de Belém. Na ocasião, o interrogador dizia
sempre que “não era sádico”, queria saber apenas a verdade. Rômulo Maiorana designou
um jornalista que era advogado para me acompanhar nessa “sessão”.
O medo era o grande patrocinador do
regime imposto. Todo mundo tinha medo de falar, de agir, pensando que as menores
coisas pudessem ferir a susceptibilidade dos mandatários e resultasse em prisão.
Este quadro de terror persistiu por
muitos anos. E se hoje eu recordo é porque fiquei indignada com as faixas exibidas
numa recente passeata de protesto contra o governo federal onde se pedia “a
volta dos militares”. Como se vê, hoje é possivel escrever contra qualquer
coisa exibindo propostas absurdas desde que pareçam incisivas aos olhos de quem
as elabora. Que não conhece a história do Brasil e ou pretende continuar se
locupletando. Pedem a volta de um regime de opressão, mas naquela época não se
podia nem pensar em protestos, em desacordos com os mandos do governo (e eram
mandos pois não havia oposição legal). Há de se considerar que estamos numa
democracia e que em tempo algum se deteve tantos agravantes contra a ordem
estabelecida, revelando-se atos de corrupçao e detendo-se quem as praticou.
Tambem não se podia fazer como hoje se faz através da midia agravos contra
governantes. E hoje há varios tipos de midia, como a eletrônica invadindo os
lares muitas vezes tentando modular a opinião publica a favor de interesses
particulares.
Só quem não viveu o que se seguiu em
1964 ao dia da mentira faz fé numa proposta que dá o tom perverso mesmo sendo
tratada como mentirosa.
(Texto originalmente publicado em O Liberal, de 27/03/2015)
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