A praça da matriz (N.Sa. da Conceição) em Abaetetuba. Uma imagem na memória.( Extraido de http://ademirhelenorocha.blogspot.com.br )
Era
um dia como outro qualquer. De repente a noticia bombou na mídia: uma área da
cidade de Abaetetuba, após uma erosão do solo, causou a
abertura de um buraco na parte final de uma rua importante
– a Siqueira Mendes. O transbordamento do Rio Maratauira teria sido a causa do
problema. Especialistas em
meio ambiente explicam, contudo, que há outros fatores responsáveis pelo fato
como sejam: a construção de casas sobre o rio e o crescimento desordenado do
bairro.
Na geografia da cidade, o rio Tocantins (maior rio
brasileiro depois do São Francisco), afluente do rio Amazonas pela margem
direita, recebe águas do rio Maratauira e, este, as águas do rio Abaeté,
passando a ser um só rio a partir daí. Na beira desse rio, protegido pela ilha
de Sirituba, às proximidades de outro rio, o Campompema, de onde se avista a
ilha da Pacoca, diz-se que Francisco de Azevedo Monteiro – considerado o
fundador da cidade - tomou posse do local como proprietário de uma sesmaria,
fundando um pequeno povoado em 1724.
Os detalhes mais formais da história da cidade
podem ser extraídos de várias fontes, hoje muito perto das pessoas, tendo os
meios de alcance dos mesmos através da internet, dos estudos universitários, do
noticiário jornalístico, este, às vezes, ostentando clara demonstração de desconhecimento
da cidade e de seu povo.
Avaliando com insistência, pela memória, onde havia
sido o deslizamento da área pelo transbordamento do rio, custei a me localizar
como possivelmente alguns dos meus conterrâneos que há muitos anos saíram de lá
e não mais retornaram. Mas, quem viveu a cidade como a minha geração não pode
esquecer esse lugar onde faziamos piqueniques com banhos na maré cheia. Minha
mãe chamava de Costa Maratauira (meu pai escrevia Maratauhyra) e o passeio era
no Igarapé do Cafezal (ao que consta hoje é um trecho da rua Barão do Rio
Branco (onde residiamos). Às proximidades desse igarapé, do lado direito,
ficava a residência do “seu” Leandro e dona Aureliana Miranda, cujos filhos
eram nossos amigos, a Teca (Terezinha de Lizieux Miranda) e o José Latino.
A vida, na cidade interiorana, se apresentava
algumas deficiências não era marcada pelos grandes problemas urbanos, hoje
muito presentes, e Abaeté não fugia a regra. O trânsito da cidade era feito a
pé ou de bicicleta. Até o médico, “seu” Contente, visitava os pacientes com a
sua velha bike. Com a presença do D.E.R. para a construção da estrada abrindo
caminhos rodoviários para Belém, alguns
caminhões e tratores passaram a circular nas atividades da cidade. As canoas
percorriam as distâncias entre os rios. Eram parte importante do municipio. E
nós, crianças que tinhamos parentes nos vários rios da localidade – no
Campompema, meu tio Kemel; em Caripetuba e no rio Vilhena, minha tia Mocinha – circulávamos
entre uma casa e outra vivendo o rio como “a nossa rua”.
As
responsabilidades da escola não limitavam o dia-a-dia da criançada, mesmo que
estas mantivessem dois turnos na sala de aula – no grupo escolar e nas escolas
particulares. Ou mesmo as que frequentassem somente estas últimas – com
evidência para renomadas professoras como d. Celina Contente, d. Olinda
Gonçalves, prof. Maximiano Antonio Rodrigues (Prof. Maxico), profa. Carlaide e
Ilza Ferreira, Profa. Elza Paes. E com a facilidade de brincar na rua, correr
pela cidade de manhãzinha e tomar banho na maré (nos ancoradouros para as
canoas – às vezes perigosos) à tardinha, se tornava uma rotina para as turmas
de amigos que se formavam nessas condições. Jogar bola e brincar de roda também
faziam parte desses finais de dia.
Mas o tempo do lazer da cidade favorecia os locais
onde o banho de igarapé se tornava o motivo mais prazeroso para a reunião da
familia, principalmente no comanda da mãe. As áreas mais procuradas eram: o
igarapé do João Veleiro, o Cafezal, e aquele que cortava o quintal do “seu”
Hugo dos Santos. O que sabiamos deles? De onde provinham? Ou para onde
desaguavam? No primeiro, tinhamos a nossa frente todo o rio Abaeté, onde
barcos, barcaças, navios e pequenos motores passavam diante de nós. No segundo,
certamente a Costa Maratauíra e, no terceiro, infelizmente, desconheço. Sei que
ficava no bairro do Algodoal. Eram tempos de curtição das brincadeiras nas
várzeas onde um miritizeiro (voz corrente, mas, há polêmica se o certo seria
buritizeiro) era cortado pelo caule e se transformava em “objeto de passagem”
para o lado seco do terreno.
Mas, pelo que eu sei, o peso da urbanização
acobertou os igarapés e transformou-os em ruas, não mais para andar de canoas,
mas para circularem carros e demais transportes, deixando de significar o cantar
de Ruy e Paulo André Barata. A especulação urbana passou a esplorar esses sitios
abrigando prédios, casas residenciais, casas comerciais, estabelecimento os
mais variados de uma metrópole. Mas esqueceu de que nessas ruas subjaziam a
moinha das serrarias, o caroço de acai, enfim, os elementos que antes faziam a
festa da criançada. A rua que era “minha e do mururé”, que ao pisar nela,
pisava-se “no peito da lua”,
deitando-nos “no chão da maré” deixou as marcas da tragédia e afastou a poesia.
Mas o Abaeté (ense, uara, uba), topônimo indígena que significa “homem
forte e valente”, com certeza está lá se erguendo para uma nova caminhada de
esperança de que amanhã é um outro dia.
(Publicado originalmente em 10/01/2014 em "O Liberal"/PA)
Esses fatos tem que ser lembrados e por muito tempo.Que sirva de exemplo para os nossos gestores
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