Na
minha infância, nas festas colegiais, fazia coro neste que para mim
representava um hino cívico: “Princesa Dona Isabel/mamãe disse que a
senhora/perdeu o seu lindo trono/mas tem um mais lindo agora./No céu está este trono/que
agora a senhora tem/que além de ser mais bonito/ninguém o tira, ninguém”.
Havia
simpatia pelo império. D.Pedro II era estimado e sua filha deificada pela
ousadia de libertar os escravos contra a vontade de forças da produção, em
especial dos fazendeiros. Tanto que ao chegar à república, Aristides Lobo disse:
“O povo assistiu bestializado” (há, inclusive, um livro de José Murilo de
Carvalho com esse título, “Os Bestializado: O Rio de Janeiro e a República que não foi”, 1987).
Por
outro lado dizia-se que o império prejudicava o progresso do país. Falava-se do
papel da igreja na abolição (argumento dos contra o abolicionismo), falava-se
de atraso industrial & comercial, argumentava-se com vista ao “progresso de
outras nações” que passaram a adotar o regime republicano.
A
mídia da época, centralizada nos jornais, ajudava na mudança de governo. D. Pedro
II, por mais querido que fosse de uma faixa da população, era alvo de muitas
caricaturas. E se dizia que o progresso econômico, social, cientifico e político
limitava-se à família real. Isso e mais a antipatia alimentada contra o marido
da princesa Isabel, o Conde D’Eu, sempre conhecido como “o francês”, a irritar
os brios nacionalistas. Mesmo sabendo que o conde lutou pelo país na Guerra do
Paraguai. Sabe-se que os problemas do império eram muito maiores do que esses
comentários ligeiros aqui referidos, mas a opção agora foi essa.
No
final do século XVIII, as comunicações não eram céleres e os acontecimentos
políticos levavam algum tempo para cobrir o vasto território nacional. Mesmo
assim, a Proclamação da Republica instaurada no dia 15 de novembro, no Rio de
Janeiro, alcançou o Grão Pará no dia seguinte. A motivação do movimento foi a
mesma e já se fazia sentir em revoltas populares como a Revolução Farroupilha
(1835-1845). Os que propagavam os benefícios da mudança de regime citavam até
Tiradentes embora este tenha vivido, atuado e submetido à forca muitos anos
antes. O interesse era fomentar o patriotismo com os mais variados argumentos.
Sabe-se
que em 5 de setembro de 1850 a
província do Grão-Pará foi desmembrada em duas unidades, formando as províncias
do Pará e do Amazonas (antiga capitania de São José do Rio Negro). Na
época da Proclamação da República essas províncias eram beneficiadas com a
borracha nativa advinda da goma elástica extraída do látex das seringueiras
(Hevea Brasiliensis). Dizia-se, por exemplo, que o aumento populacional em
cidades como Belém era ocasionado pela “belle époque” criada a partir do
comércio da borracha, por sua vez uma forma de expulsar os pobres e criar uma
elite. A monarquia privilegiava a nova atração econômica. E os adversários
afirmavam que era um privilegio socialmente dirigido. Os ricos ficavam mais
ricos.
Imediatamente
à instituição do novo governo republicano foram sistematicamente mudados os
nomes de ruas incentivando a lembrança de lideres do movimento que derrubou a
monarquia. Nesse tempo de transição não se ouviu cantar a “generosidade” de
Isabel e sim o fato de seu marido ser sempre um estrangeiro. Nem mesmo adiantou
a religiosidade expressa da princesa, uma católica fervorosa, na porfia pela
mudança. Isto não quer dizer que o país tenha desde esse tempo formado um
estado laico. O catolicismo norteava os mandos. Mas os padres não colaboraram
na manutenção de Pedro II ou seus familiares. De repente todos saudavam o
marechal Floriano Peixoto e passavam a se preocupar com quem iria dirigir o
novo estado.
O
que mudou com a república não pareceu imediato aos olhos do cidadão comum. A
repartição de renda não se estabeleceu como se propagava, os “barões da
borracha” ganhariam campo e o Pará seria um exportador de estudantes filhos de
famílias abastadas para estudo no exterior, o comércio passou a adotar a ideia
de ser europeizado para seguir o que parecia moda aos olhos de quem se via com maior
riqueza.
O
sistema republicano trouxe a ideia de que Belém poderia imitar Paris uma vez que
perdera a chance de ser uma Veneza com os seus rios entrecortando ruas como
queriam engenheiros europeus aqui chegados (os portugueses de antes de 1822
aterraram esses espaços líquidos). Seria, como passou a ser denominada uma loja
do comércio local, a “Paris na América”. Não à toa um “terrasse” no principal
hotel (Grande Hotel), um luxuoso teatro para abrigar óperas e grandes
companhias de comédia, os nomes franceses como “matinê”, “soirée” e “chic” nos
programas sociais, deixando com os ingleses (que construíram “pelo amor” à
borracha) o porto (Porto of Pará), a central telefônica (Pará Telephone) e a
central de eletricidade (Pará Eletric), a indumentária própria para o clima
quente, sistema que esses ingleses adotavam nas suas possessões africanas
(afinal, o endereço para as sementes de nossas seringueiras e o fim de um tempo
de fantasia).
Pergunta-se
se houve um saudosismo imperial. O plebiscito de 1993 provou que não. A família
imperial ficaria na história. Interessante é que “o francês”, ou Conde D’Eu, morreu
quando viajava de volta ao Brasil para os festejos do centenário da
independência. A ironia passa pelo esquecimento de alusões datadas e hoje não
há quem troque o regime em que vive apesar de criticá-lo.
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