Nos estudos que fiz na tese de
doutorado sobre “Mulheres na Competição Eleitoral, Seleção de Candidaturas e o
Padrão de Carreira Política no Brasil” (IUPERJ, 2004), um dos capítulos tratava
dos antecedentes sociais e as trajetórias pessoais de candidatos e candidatas
nas eleições de 1998-2002, no cenário partidário nacional e paraense.
Interessava avaliar o perfil daquele ou daquela que aspirava
a um cargo eletivo. Entre as variáveis adicionais (idade, escolaridade e estado
civil) que constavam das fichas de inscrição dos/as candidatos/as junto ao TSE,
a situação ocupacional se constituiu muito importante por evidenciar a presença
de donas de casa que competiam. Esses perfis possibilitaram esclarecer que tipo
de filiado/a no Brasil concorria a uma cadeira parlamentar (câmara de deputados
e assembléia legislativa), tanto no Brasil quanto no Pará. Em 2002, as donas de
casa estavam inscritas como candidatas em um número reduzido.
Continuando a pesquisar
sobre esses assuntos, fiz o levantamento de dados das eleições 2012 (site do
TSE) e dentre as diversas ocupações inscritas pelos concorrentes aos cargos de
prefeito, vice-prefeito e vereador mantém-se a de donas de casa. No Brasil, o
total é de 20.274 candidatos aptos nessa ocupação, sendo 52 homens e 20.222
mulheres. Deve-se considerar a condição de candidato apto como um dado
importante, pois alguns resultados podem sair equivocados quando o/a
pesquisador/a esquece de extrair a situação do/a candidato/a.
No Pará há 3 donas de casa
pleiteando o cargo de prefeita, nas cidades de Bannach, Juruti ( PMDB) e Mojuí
dos Campos (PSC); 6 de vice-prefeita – em Senador José Porfírio (PSDB),
Parauapebas (PTB), Tracuateua (PSOL), São João da Ponta (PSD), Ananindeua (PT)
e São João de Pirabas (PHS). Para vereador há 1 homem, Alberto Vieira (PMN,
inclusive, com um site para divulgar a candidatura constando a sua ocupação) e
641 mulheres distribuidas em diversos partidos, sendo os que apresentam maior
número de candidatas donas de casa são:
PMDB (69), PSDB (48) e PSB e PSC (41 cada).
Num
primeiro olhar (ainda não tratei os demais dados) observa-se que as atividades antes
definidas como de homens e de mulheres estão perdendo a força.Evidenciam-se,
por exemplo, percentuais de mulheres candidatas empresárias, comerciantes,
áreas vistas anteriormente como fora dos “padrões” estabelecidos para elas.
Trata-se de profissões nas quais as mulheres, com a conquista de uma posição
mais destacada de atividades no mercado de trabalho, têm ingressado de forma
expressiva, inclusive criando suas próprias associações, a exemplo, a
Associações de Mulheres de Negócios agregando as que se acham nestas categorias
ocupacionais. Há as que fazem parte das
Associações Comerciais estaduais, um lugar
que se restringia aos comerciantes e empresários do comércio em geral.
A atribuição da categoria
ocupacional dona de casa por mulheres que tem se candidatado nestas e em
outras eleições (gerais e municipais) merece atenção devido o peso cultural
discriminatório que as atividades relacionadas a esta categoria têm
proporcionado às que se acham nesta situação. Ser “dona de casa” sempre
representou o “não-trabalho produtivo” para a economia e o conservadorismo
feminino contraposto às idéias avançadas das outras mulheres com atividades
fora do lar. Ou seja, ser dona de casa induzia a reconhecer, nas tarefas
domésticas, um trabalho desqualificado da mulher, fornecendo subsídios para
caracterizar a cultura do apoliticismo entre aquelas que se consideravam e/ ou
que se encontravam nesta ocupação. Por duas razões, chama atenção o fato de uma
atribuição dessa natureza constar num quadro de demanda a um cargo eleitoral:
primeiro, pelas idéias do apoliticismo feminino serem ainda hoje emblemáticas,
quando é analisada a baixa oferta de candidaturas de mulheres para o
preenchimento das cotas partidárias; segundo, pela atribuição ocupacional
propriamente dita em um quadro de candidaturas.
Embora
haja explicações para a inserção das donas de casa como aspirantes aos cargos
eletivos tanto como demanda partidária às cotas de sexo e/ ou por se
constituirem “candidatas laranja”, na verdade, é preciso analisar a situação considerando-as
como um novo agente político e social. Elas passaram a fazer parte do cenário
político nacional organizando-se em associações estaduais – entre as mais
antigas acha-se o Movimento de Donas de Casa e Consumidores do RS, que desde
1988 atua em defesa da causa e das informações para as associadas através do site www.donadecasa.org.br. Outras associações
atuantes: a de Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás. Elas já criaram
uma confederação compondo parcerias diversificadas, tanto entre instituições
públicas quanto privadas, com demandas específicas de cidadãs, lutando pelos
direitos de proteção e defesa do consumidor, e pelo reconhecimento da
identidade de trabalhadoras e da garantia previdenciária.
Hoje, a dona-de-casa
pode ter uma aposentadoria e outros benefícios da Previdência Social, por
invalidez, auxílio doença, salário maternidade e licença saúde, recolhendo 5%
para o INSS (cf.os dispositivos na Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, mas desde
julho/1991 ela estava entre os segurados facultativos). É a nova face das mulheres nessa ocupação procurando
reconhecimento público incluindo-se entre as aspirantes a cargos eletivos.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, de 21/09/2012 )
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