sexta-feira, 7 de setembro de 2012

D. PEDRO I E AS CARTAS DE AMOR


Dona Domitila de Castro, a Marquesa de Santos e D.Pedro I

Aprende-se, quando criança, que no dia 7 de setembro o Brasil se tornou independente de Portugal. Sabe-se depois, ao consultar não só os livros didáticos de História, mas as diversas publicações de pesquisas em torno do assunto, que o tom épico deixado, ou seja, o grito “Independência ou Morte” foi moldado para enfatizar, com o garbo requerido em épocas passadas, o fato marcante. Fato que a tela de Pedro Americo tão bem sintetizou.

A independência brasileira é rara a considerar que foi proclamada pelo colonizador (um português deixado aqui pelo soberano de Portugal) e sem a carnificina que cerca as campanhas por emancipação de diversas nações.

Quando assumi a cadeira nº 1, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, cujo patrono é o escritor pernambucano Alberto Rangel (anteriormente ocupada por Aylton Quintiliano e Antonio Vizeu da Costa Lima) dissertei, na posse, sobre a obra que ele escreveu em torno do caso de amor entre D. Pedro I e Domitila de Castro: “D. Pedro I e a Marquesa de Santos (À vista de cartas íntimas e de outros documentos públicos e particulares)”, 1ª edição de 1916 (Livraria Francisco Alves). A estrutura dos 15 capítulos mantém um estilo de crônica histórica e biográfica, com narrador na 3a pessoa, num tempo linear embora dialogando com os fatos históricos e com as nuances da vida pessoal de D. Pedro I e da Marquesa de Santos. Paralelamente, cria interlocução entre as várias histórias, explora a historiografia existente sobre os fatos narrados e apõe outros documentos para serem analisados e repensados pelo leitor. Explora o momento do encontro entre os dois, a origem familiar da Marquesa, a sua condição de “teúda e manteúda”, as dimensões políticas da presença íntima da amada e sua condição de matrona, sempre chamando, para cada caso, os efeitos nacionais e internacionais dessa história particular. As cartas subjazem na esfera narrativa, sendo o meio de onde é extraído o subsídio do livro. Partes fragmentadas desses documentos servem de testemunhos para a impressão analítica.

No livro há 154 cartas dos amantes que Rangel vê como “uma literatura de pouca culminância e toda de ocasião” porque ela só “vale e representa para os que as escreveram ou receberam”. Mas reconhece a importância histórica que as acompanha. À vista disso, a narrativa do autor analisa, em forma de nótulas, cada carta escrita pelo Imperador à sua amada, desenvolvendo, a partir das referências que este faz a nomes, assuntos, termos específicos e particulares ou a própria assinatura, uma História paralela, seja de uma situação, seja da situação política luso-brasileira passada, ou daquele momento quando a independência transita como o “novo” no processo de poder político, mas que ainda é motivo de dúvida entre os brasileiros e a Corte. Há, também, a partir dessas nótulas, a construção de uma genealogia familiar dos dois personagens centrais e o perfil de um “homem” convivendo num cotidiano da “vida ordinária” onde se expressa enquanto marido, amante e pai carinhoso. Os termos usados por D. Pedro, para acarinhar a amada, também são repassados pelo olho observador de Rangel, que nessa condição assume múltiplos papéis, quer seja enquanto historiador (o peso maior das observações e comentários, enfim, de toda narrativa), enquanto psicólogo (das relações de gênero e da situação política nacional, internacional e pessoal criadas por essas relações) e enquanto um crítico (de uma certa História) que procura esclarecer o tom escabroso do acontecimento, na versão de outros historiadores e de uma literatura que omitira os fatos. Apresenta então outros documentos que rompem com as nebulosidades do “dito” e do “não dito”.

Os laços amorosos que mantiveram Domitila de Castro enredada ao Imperador durante sete anos (1822 a 1829) são o mote histórico de Rangel. As cartas de D. Pedro à sua súdita brasileira são declarações de amor que referendam, a meu ver, três fases desse envolvimento: a inicial romântica, a da rotina cotidiana e a da separação provocada pelas pressões para um novo casamento de Estado, do Imperador, após o falecimento da imperatriz D. Leopoldina.

Outra fonte de análise foi “Cartas de Pedro I à Marquesa de Santos”, edição de 1984 (Nova Fronteira), um conjunto de cartas de D. Pedro I a Domitila de Castro organizada por autor anônimo e publicada pela Tipografia Morais em 1896, com nótulas de Alberto Rangel. Este livro contém: 98 cartas datadas, escritas entre os anos de 1822 e 1829; 33 não datadas; e 23 que foram acrescentadas sem comentários de Alberto Rangel.

As cartas esclarecem o perfil dos amantes:

“Cara Titilia.

Foi inexplicável o prazer que tive com as suas duas cartas. Tive arte de fazer saber a seu pai que estava pejada de mim (mas não lhe fale nisto) e assim persuadi-lo que a fosse buscar e a sua familia que não há de cá morrer de fome, mui especialmente o meu amor, por quem estou pronto a fazer sacrificios. Aceite abraços e beijos e fo... Deste seu amante que suspira pela ver cá o quanto antes.

O Demonão.

(Santa Cruz, 17 de novembro de 1822.)

 
“Titilia.

Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para que hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção. Aceite, meu benzinho, meu amor, meu encanto e meu tudo, o coração constante.

Deste seu fiel amante. O Demonão”. (1824).

 
“Meu bem.

Convindo ao meu decoro que mecê sempre apareça diferente no teatro todos estes tres dias, ai vai o colar de ametistas para hoje levar e amanhã leve o outro que eu lhe dei antes do que levou ontem. (...) Seu amante .

O Fogo Foguinho

(s/d, Cartas, 1974, p. 605)

 

E a última carta dos amantes:

“Marquesa.

Não repare que eu, a bem do meu negócio do casamento, lhe torne a escrever. Minha filha infalivelmente sai até dois de julho, e por isso eu muito desejo que a Marquesa saia pelo menos seis dias antes, o que vem a ser 26, porque muito convém que os que vão possam dizer “a Marquesa ja saiu” e não “está para sair”. Todos acreditarão o que aconteceu e não o que está para ser, que pode não ser, e o negócio é grave e muito grave” (...).de 22 de maio de 1828: (de 22 de maio de 1828. Cartas, 1974, p. 458).

 

Senhor meu senhor,

Eu parto esta madrugada e seja-me permitido ainda esta vez beijar as mãos de V. Majestade por meio desta, já que os meus infortúnios, e a minha má estrela, me roubaram o prazer de fazer pessoalmente. Pedirei constantemente ao céu que prospere e faça venturoso ao meu Imperador enquanto a Marquesa de Santos, Senhor, pede por último a V. M. que, esquecendo como ela tantos desgostos, se lembre só mesmo, a despeito das intrigas, que ela em qualquer parte que esteja saberá conservar dignamente o lugar a que V. M. a elevou assim como ela só se lembrará do muito que deve a V. M. Que Deus vigie e proteja como todos precisamos.”

Marquesa de Santos

Última carta da Marquesa para o Imperador. Na madrugada de 26 de 27 agosto de 1829, ela partiu, definitivamente, para o Rio de Janeiro.

 

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