sábado, 14 de abril de 2012

ÉTICA E A EXIGÊNCIA DE DECORO PÚBLICO


Hoje se fala muito em ética, especialmente a propósito do Código de Ética adotado pelo senado para regimentar comportamento de políticos. O termo “ética” tem a ver com o caráter. Já foi definido como ”o estudo das normais morais nas sociedades humanas”. O filosofo Espinoza dedicou uma obra a esse estudo. Difere da moral, pois esta se refere à qualidade de conduta entre o bem e o mal. A ética, é o comportamento diante disso.
Na política, a ética é obviamente necessária como um ponto básico de ação. O eleito não deve apenas demonstrar o seu conceito moral, sabendo o que é bom e o que é nocivo à sociedade que o elegeu. Ele deve mostrar um comportamento capaz de se julgar, ou de ser julgado, afinal um juiz dessa escolha, ou um elemento reconhecidamente digno de escolher o melhor para a sociedade.

A discussão em torno da Lei da Ficha Limpa a que me referi em um artigo anterior, tem a ver com a ética parlamentar. Não se concebe um administrador da causa pública aético. É preciso que ele exiba elementos capazes de mostrá-lo íntegro diante da representação para a qual foi escolhido para a delegação popular. Agora o que está em evidencia é o relacionamento de parlamentares com pessoas ligadas a contravenções. Naturalmente a ligação de qualquer membro da sociedade organizada não deve contrair negócios ou mesmo idéias com quem infringe leis promulgadas por quem representa esta sociedade. O jogo do bicho, considerado contravenção, é um desses focos de pessoas e atos fora da lei. Um membro de uma das casas legislativas que se prove estar em conluio com um “bicheiro” é, obviamente, um criminoso. E se as provas da contravenção surgem de forma explicita, como gravação de telefonemas, documentos comprobatórios de depósitos bancários, o fato atinge uma dimensão que fere os mais elementares princípios éticos.
Quem advoga em favor dos flagrados em conversas com contraventores diz que a invasão da privacidade, como gravações de telefonemas e quebra do sigilo bancário (sem autorização) é em si, um crime. Seria um modo de adentrar na vida das pessoas como evidenciaram alguns autores de ficção como George Orwell no seu emblemático “1984” onde até no quarto de dormir do personagem Winston Smith existia escuta. Não só este, mas outros autores do gênero viram um mundo policiado e agora mesmo os livros da norte-americana Suzanne Collins (“Jogos Vorazes”) repetem a fórmula através de um “reality show” onde se perscruta participantes de um programa de TV onde quer que estejam aventando a hipótese de que as câmeras podem devassar qualquer ambiente. E nem vamos longe: pequenas câmeras instaladas em diversos estabelecimentos flagram visitantes de bons ou maus propósitos. Isto sem falar nas “araras” que denunciam quem avança os sinais do tráfego.

Mas a questão da ética invoca uma defesa social e não um simples ato de bisbilhotar alguém. E se todos os telefones de parlamentares estão passiveis de gravações isto quer dizer que eles possuem responsabilidades que transcendem as suas posturas no âmbito de trabalho. O deputado e ator Stepan Nercessian chegou a dizer, agora, depois de flagrado em negócios com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, que “não tem mais cara de pedir voto a seus eleitores”. Na confissão demonstrou o reconhecimento de um aspecto moral, justamente o que define a diferença entre moral e ética. Arrependendo-se, aceitou a sua culpa, mas não quis dizer com isso que agiu corretamente (ou poderia voltar a agir dessa maneira).
Por outro lado, é difícil no meio político dirigir um conselho de ética sendo do mesmo partido de colega incriminado em um delito como o que se está observando agora com a ligação de contraventores. Por isso, a escolha desse cargo esteve em tensão, haja vista a vaga pertencer ao PMDB. Ninguém queria presidir esse conselho. Pergunta-se: por que tanta desistência? Alguns nomes foram apresentados, mas não aceitos pelos membros dessa comissão. Sabe-se agora que um senador do PSB/SE presidirá esse conselho decidindo pela abertura de processo contra Demóstenes Torres (sem partido/GO). A indicação de Antonio Carlos Valadares seguiu o fato de este ser o mais idoso entre os membros do colegiado, partindo do princípio da ancianidade.

Na verdade, a sociedade brasileira está vivendo um tempo de estímulo crítico à quebra das arbitrariedades públicas, conhecendo as noções sobre as exigências da Lei da Ficha Limpa, norma selecionadora de nomes aos próximos cargos parlamentares e executivos. Nas informações que recebe e faz circular nas redes sociais sobre a necessidade de avaliar a conduta dos concorrentes a esses cargos, a opinião pública está exigindo mais, não só destes senhores, mas também dos demais servidores públicos. E isso é muito bom. Com os escândalos a cada dia flagrados nas casas de representantes do povo, os contraventores interessados em concorrer nas eleições vão pensar duas vezes, haja vista que seu “telhado de vidro” pode ruir a qualquer momento, e com isso, também, pode ser rejeitado pelo eleitorado.
Mas não é possivel dizer que somente agora estão sendo levantados os fatos de corrupção nas casas de representação política. A CPI dos Anões do Orçamento, no final dos anos 80 e inicio dos 90, iniciou uma devassa sobre as fraudes de parlamentares com os recursos do Orçamento da União descobertas, por denúncias do economista José Carlos Alves dos Santos, um dos integrantes da quadrilha, e assessor da Comissão do Orçamento no Congresso.

Hoje, com a dinamização da informação, há mais lucidez do eleitorado e por isso, é de supor, um novo tempo para a moralidade da representação política.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA em 13/04/2012)


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