Hoje se fala muito em ética,
especialmente a propósito do Código de Ética adotado pelo senado para
regimentar comportamento de políticos. O termo “ética” tem a ver com o caráter.
Já foi definido como ”o estudo das normais morais nas sociedades humanas”. O
filosofo Espinoza dedicou uma obra a esse estudo. Difere da moral, pois esta se
refere à qualidade de conduta entre o bem e o mal. A ética, é o comportamento
diante disso.
Na política, a ética é obviamente
necessária como um ponto básico de ação. O eleito não deve apenas demonstrar o
seu conceito moral, sabendo o que é bom e o que é nocivo à sociedade que o
elegeu. Ele deve mostrar um comportamento capaz de se julgar, ou de ser
julgado, afinal um juiz dessa escolha, ou um elemento reconhecidamente digno de
escolher o melhor para a sociedade.
A discussão em torno da Lei da Ficha
Limpa a que me referi em um artigo anterior, tem a ver com a ética parlamentar.
Não se concebe um administrador da causa pública aético. É preciso que ele
exiba elementos capazes de mostrá-lo íntegro diante da representação para a
qual foi escolhido para a delegação popular. Agora o que está em evidencia é o
relacionamento de parlamentares com pessoas ligadas a contravenções. Naturalmente
a ligação de qualquer membro da sociedade organizada não deve contrair negócios
ou mesmo idéias com quem infringe leis promulgadas por quem representa esta
sociedade. O jogo do bicho, considerado contravenção, é um desses focos de
pessoas e atos fora da lei. Um membro de uma das casas legislativas que se
prove estar em conluio com um “bicheiro” é, obviamente, um criminoso. E se as
provas da contravenção surgem de forma explicita, como gravação de telefonemas,
documentos comprobatórios de depósitos bancários, o fato atinge uma dimensão
que fere os mais elementares princípios éticos.
Quem advoga em favor dos
flagrados em conversas com contraventores diz que a invasão da privacidade,
como gravações de telefonemas e quebra do sigilo bancário (sem autorização) é
em si, um crime. Seria um modo de adentrar na vida das pessoas como evidenciaram
alguns autores de ficção como George Orwell no seu emblemático “1984” onde até
no quarto de dormir do personagem Winston Smith existia escuta. Não só este,
mas outros autores do gênero viram um mundo policiado e agora mesmo os livros
da norte-americana Suzanne Collins (“Jogos Vorazes”) repetem a fórmula através
de um “reality show” onde se perscruta participantes de um programa de TV onde
quer que estejam aventando a hipótese de que as câmeras podem devassar qualquer
ambiente. E nem vamos longe: pequenas câmeras instaladas em diversos
estabelecimentos flagram visitantes de bons ou maus propósitos. Isto sem falar
nas “araras” que denunciam quem avança os sinais do tráfego.
Mas a questão da ética invoca uma
defesa social e não um simples ato de bisbilhotar alguém. E se todos os
telefones de parlamentares estão passiveis de gravações isto quer dizer que
eles possuem responsabilidades que transcendem as suas posturas no âmbito de
trabalho. O deputado e ator Stepan Nercessian chegou a dizer, agora, depois de
flagrado em negócios com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, que “não tem mais cara
de pedir voto a seus eleitores”. Na confissão demonstrou o reconhecimento de um
aspecto moral, justamente o que define a diferença entre moral e ética.
Arrependendo-se, aceitou a sua culpa, mas não quis dizer com isso que agiu
corretamente (ou poderia voltar a agir dessa maneira).
Por outro lado, é difícil no meio
político dirigir um conselho de ética sendo do mesmo partido de colega
incriminado em um delito como o que se está observando agora com a ligação de
contraventores. Por isso, a escolha desse cargo esteve em tensão, haja vista a
vaga pertencer ao PMDB. Ninguém queria presidir esse conselho. Pergunta-se: por
que tanta desistência? Alguns nomes foram apresentados, mas não aceitos pelos
membros dessa comissão. Sabe-se agora que um senador do PSB/SE presidirá esse
conselho decidindo pela abertura de processo contra Demóstenes Torres (sem partido/GO).
A indicação de Antonio Carlos Valadares seguiu o fato de este ser o mais idoso entre
os membros do colegiado, partindo do princípio da ancianidade.
Na verdade, a sociedade
brasileira está vivendo um tempo de estímulo crítico à quebra das arbitrariedades
públicas, conhecendo as noções sobre as exigências da Lei da Ficha Limpa, norma
selecionadora de nomes aos próximos cargos parlamentares e executivos. Nas
informações que recebe e faz circular nas redes sociais sobre a necessidade de
avaliar a conduta dos concorrentes a esses cargos, a opinião pública está
exigindo mais, não só destes senhores, mas também dos demais servidores
públicos. E isso é muito bom. Com os escândalos a cada dia flagrados nas casas
de representantes do povo, os contraventores interessados em concorrer nas
eleições vão pensar duas vezes, haja vista que seu “telhado de vidro” pode ruir
a qualquer momento, e com isso, também, pode ser rejeitado pelo eleitorado.
Mas não é possivel dizer que
somente agora estão sendo levantados os fatos de corrupção nas casas de
representação política. A CPI dos Anões do Orçamento, no final dos anos 80 e
inicio dos 90, iniciou uma devassa sobre as fraudes de parlamentares com os
recursos do Orçamento da União descobertas, por denúncias do economista José
Carlos Alves dos Santos, um dos integrantes da quadrilha, e assessor da
Comissão do Orçamento no Congresso.
Hoje, com a
dinamização da informação, há mais lucidez do eleitorado e por isso, é de supor,
um novo tempo para a moralidade da representação política.
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