domingo, 22 de abril de 2012

NA ONDA DO CENTENÁRIO: OLYMPIA

 A sala de cinema do Olympia em  3 de dezembro de 2012

O centenário do cinema Olympia tem causado “frisson” (para usar um termo que li e ouvi de muitos dos entrevistados/as da década de 1910) na sociedade belenense atual, ao menos entre aqueles/as que buscam informação sobre o evento.
Na verdade, também senti esse interesse anos atrás quando levantava dados para uma pesquisa sobre mulher e política que se tornou o tema da minha dissertação de mestrado (NAEA/UFPA). Havia dois eixos de evocações nas respostas recolhidas de meus depoentes e que pontuaram alguns capítulos do trabalho, tanto pela exposição sobre a política local no auge de duas crises - na Primeira e na Segunda República - referencial recolhido em várias fontes (depoimentos, imprensa e literatura regional) como pela construção das imagens de homens e mulheres que transitavam nos espaços sociais e políticos (classe social média alta). Demonstrava-se, com isso, uma parte da formação social dominante e disseminadora de valores e atitudes da geração que se dispunha a avaliar a composição de sua classe revelando os meios de convivência e as formas de circulação do capital social e político dessa geração.

Deslocar esses quadros construídos de arranjos nas relações sociais para toda a sociedade paraense é um viés que não deve ser usado, haja vista a não uniformidade no modo de vida entre as classes diversas. Mas se tornava importante reconhecer de que forma se construía o olhar dos depoentes da classe alta sobre si e os conviventes e as demais pessoas da sociedade. Eram versões que mostravam os privilégios “da alta” e o reconhecimento das “sobras” que eram lançadas aos de menos posses. Se havia dominação de valores havia também a reação a esses em forma de recusa a aceitar essas sobras como algo natural. E não foi à toa a reação através do levante contra a oligarquia construída por Antonio Lemos e seus adeptos, embora, lideranças partidárias opositoras ao seu mando, estivessem na liderança dos acontecimentos que levaram, em agosto de 1912 à sua queda do poder local. Seria ingenuidade e ausência do teor científico se não houvesse, no meu estudo, indicações fortes sobre o assédio moral e partidário laurista (Lauro Sodré e seus adeptos do Partido Republicado Federal – PRF) agregando trabalhadores desempregados que sofriam na carne a falta de emprego naquele momento, com a queda da goma elástica, nas comercializações paraenses.
E o que tem a ver esse momento de crise política com o tempo de inauguração e a frequência dessa classe social alta aos programas do cinema Olympia?

Um dos depoimentos mais indicativos dessa afluência e as consequências que poderiam advir com a ausência/presença deste ou daquele empresário da borracha e/ou de outro ramo comercial ao Olympia acompanhado de sua esposa & familiares, é do médico ginecologista A.G. (83 anos, em 1987) já falecido, pertencente à família tradicional dos Lobos e Guimarães que recebera do governo franquias de terrenos para comercializar, recolhendo o foro da extensão territorial de sua competência, pelo uso e moradia de outras famílias.
Disse o médico: “O cinema era muito frequentado . Era especial o soirée das sextas feiras, porque era o dia das exibições dos vestidos das grandes “cocotes” de Belém. Elas eram umas quatro ou cinco e disputavam entre si a apresentação do vestido(...) Ainda me lembro do nome de algumas delas : a Panchita, a Raio de Sol, eram espanholas; a Maria José Pequena, a Margot, esta era francesa. Eram as mais famosas. Os “donos” delas mandavam buscar os vestidos em Paris. Elas eram conhecidas assim: “Panchita de fulano”, a “Margo de sicrano”. Elas iam também de chapéu, como iam as senhoras, ostentando as suas joias, riquíssimas, que chamavam a atenção das famílias. (...) A saída do cinema é que era interessante. Elas chegavam sempre no intervalo, no cine-jornal. Quando este terminava, havia um intervalo de uns três a quatro minutos. Elas sabiam. Então elas entravam. Era o desfile delas. Depois, quando terminava a sessão, as famílias iam para o terrace do Grande Hotel para tomar sorvete. Enquanto terminava a repetição do cine-jornal, elas saiam uma a uma, eram o comentário das famílias. Elas andavam sozinhas, nunca se apresentavam com homem ao lado. (...) Geralmente esses grandes “donos” dessas “donas” iam ao cinema. Eram industriais, comerciantes, proprietários... não digo o nome .....têm descendentes, ainda”.

Um ponto valorizado por A.G. era a importância da presença desses senhores levando ao Olympia suas esposas e sendo vistos pelo esplendor de riqueza tanto destas quanto das “donas” que sustentavam no luxo parisiense. Essa presença pública administrava a circulação da riqueza, pois estabelecia alto cacife aos que necessitavam de investir em grandes negócios e precisavam de empréstimos bancários.

O Olympia, portanto, serviu de espaço avaliador do lastro exigido aos grupos econômicos ao circularem espectadores qualificados do tipo banqueiros, investidores, comerciantes em seus programas de cinema. Essa é a outra história que este cinema testemunhou.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA em 20/04/2012)

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