No passado, uma política local
(trato aqui desde a escolha de candidaturas, das campanhas, do agrupamento
familiar na idologia partidária apaixonada, e sequências fatuais) ao meu olhar
de criança (lembro do filme “A culpa é do Fidel”), na época, revelava-se
bastante simples, sem o aparato que hoje encerra. Definido o partido ao qual se
integravam os chefes da familia e amigos próximos, a turma toda saia para fazer
campanha, geralmente na operação face-to-face, ou seja, no corpo-a-corpo nas
ruas, canoas percorrendo rios e igarapés, comícios, reunião de grupos de
mulheres (setor municipal da Legião Feminina Magalhães Barata etc que se
instruiam para o que elas chamavam de “fazer eleitores”). Lembro de uma eleição
clássica, a de prefeito em Abaetetuba, em 1950, concorrendo pela reeleição Pedro
Pinheiro Paes (PSD) e o aspirante novato, Joaquim Mendes Contente (Coligação
Democrática Paraense-CDP. A foto é uma homenagem ao mestre do saber médico para uma população carente). Como a tensão política entre os Miranda e o chefe
político Magalhães Barata (devido a uma violência cometida pelos próceres do
PSD local contra minha avó, a matriarca da família Miranda Reis, expulsando-a
de sua casa por desapropriação injusta) havia minado as bases, seus parentes se
deslocaram para a CDP. Assim, até as criancinhas de colo acompanhavam as
mulheres em montarias singrando os rios para falar com as pessoas sobre as
tendências de governo de “seu” Contente, caso fosse eleito. O fato é que o
nosso candidato era conhecido na cidade inteira - zona urbana e rural - haja
vista ser o farmacêutico/médico de toda a população. Íntegro, formando uma
família exemplar, ganhava mais votos e credibilidade por sua solidariedade com
os mais pobres, fora da época eleitoral, devido ser, também, um membro da Ordem
Vicentina (São Vicente de Paula) e incorporar o programa da entidade, ou seja,
espírito de caridade que esse santo emanava. Quem não tinha recursos levava o
remédio de sua farmácia e/ou pagava com o que pudesse contribuir no processo de
troca (farinha, galinhas, frutas etc). E por essa maneira de ser do nosso
candidato ele foi eleito com uma margem significativa de votos.
Se a “maneira simples” do olhar da
criança potencializou a lembrança desse “tempo-foi” (no escrever de Lindanor
Celina) hoje, com as teorias da política e uma argumentação mais aguçada de avaliar
o processo tende-se a enxergar em outro viés esse fato. Por suposto, a
conveniência da candidatura de Mendes Contente teria sido avaliada (sem as
pesquisas contumazes de hoje, mas dentro da racionalidade local e o volume de
capital social que o mesmo angariara até então) pelas lideranças, na convicção
de lançá-lo candidato para enfrentar um partido forte em todo o Estado do Pará,
o PSD. Contudo, a percepção pragmática evidenciava os nervos dessa candidatura
se caso um só partido o apresentasse. Assim, a criação da frente ampla
intitulada Coligação Democrática Paraense integrava os líderes e filiados das
demais agremiações oficializadas entre seis partidos menores (UDN, PSP, PTB, PST, PL e PRP)
para o fortelecimento da escolha. Obviamente que essas articulações não eram aleatórias,
mas regidas pelas normas do código Eleitoral de 1950, Lei nº 1.164, de
24/07/1950, aprovado
e editado já sob vigor da Constituição de
1946. Houve especulação para a escolha do nome do candidato. João Reis (PST)
candidato a vereador, argumentava da indicação do nome de João Miranda(meu pai)
para esse cargo. Foi vencido pelo tom sentimental de minha mãe e, obviamente,
pela avaliação do capital político de maior peso de Mendes Contente. Que jamais
foi um lider político nos moldes dos que lançaram seu nome. Foi vitorioso nessa
eleição.
Nos dias atuais, a política de recrutamento
de candidaturas aos cargos majoritários, nos vários partidos, no ano de
eleições municipais, apresenta-se muito mais sofisticada e com uma engrenagem
que facilita explorar o capital político e social de filiados/as que mantém
certa liderança em sua base partidária e regional. As interrelações entre
possibilidades de escolhas de candidatos/as da área urbana e rural necessitam de
uma análise mais segura (se isso é possível) com projeção para as eleições
gerais de 2014. Pesos, contrapesos e emblemáticas observações sobre o que
causará acréscimos nas eleições majoritárias (presidencial e governos
estaduais) se tornam variáveis importantes para especulações. Algumas conjecturas
jogam no vazio certas assertivas e os que as conjugam deveriam ficar atentos ao
que dizem, haja vista ser suposições e não projeção confirmada com base em
multiplas variáveis, às vezes até momentâneas ou não conjugadas no presente.
O Pará certamente saiu do
plebiscito recente sobre a divisão do Estado com um outro mapa de recrutamento
de candidaturas. As alianças partidárias de 2010, se por um lado desapontaram
certos candidatos derrotados, por outro devem agregar novas legendas se a
infidelidade regionalista despontou na hora da urna eletrônica para o
desequilibrio da balança entre partidos. Alguns que majoritariamente se
posicionaram pelo Sim, sentem-se hoje descompromissados com a aliança feita nas
eleições passadas com um de seus aliados, embora possam contornar a situação
pelo bem de seu próprio nome se avaliarem êxito irreversivel de um de seus
líderes no distrito onde mantém suas bases. Por outro lado, o eleitorado que se
apresentou com mais de um milhão de votos não aceitando a divisão está
consciente de quem se constituiu em trânsfuga na hora do posicionamento
plebiscitário.
Outros reflexos nas escolhas
convergem para a negociação entre os gestores no poder e os que pretendem
indicar para o cargo, avaliando sua base de sustentação na administração
realizada. Certas análises apontam ainda para a decadência de alguns líderes supondo
que o partido destes esteja decaído, portanto, sem estratégias de negociação. Não
creio nisso. Como diz o meu mestre Jairo Nicolau, a ciência política não
vaticina, obriga a examinar variáveis.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 05/01/2012)
Luzia, belíssima análise da política no Pará! Esta província precisa de sábias e sábios como você, com a memória fresca na carne da alma, filtrada pelos clássicos da análise da pólis!
ResponderExcluirQue falem os que fazem da inteligência uma virtude, pois de descerebrados a web está cheia.
Como o mundo, assistindo e, 'ocupando', cada metro da ignorância capitalística, v. Luzia, ilumina o futuro com os reflexos luminosos do passado sobre o presente sombrio... Ah se Bergmann pudesse ainda te ler e ouvir!
um abraço grande e a toda gratidão pela tua existência,
Ana Cleide