sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A EDUCAÇÃO BÁSICA E A CIDADANIA



Uma das políticas públicas mais importantes que deve ser tomada a sério pelos governos é a educação. Alguns problemas que tendem a enfraquecer a confiança e a esperança de uma pessoa é a de não saber ler. Então, a educação básica me parece o eixo fundante de toda a auto estima gerada no ser humano contributiva dos valores que constroem o sentimento de felicidade por se reconhecer cidadão/ã.
Lembro de dois momentos que me fizeram pensar em como a condição de analfabeto é algo que causa muita dor. Nos idos de 1950, eu estava no auge do aprendizado da leitura, e essa euforia me fazia ir a todos os lugares com um livro debaixo do braço. Certo domingo, a família (a praxe da época) foi em visita à casa de compadres de meus pais que moravam num local a beira do rio. Da festa da chegada a um episódio que àquela altura não dimensionei porque desconhecia o que representava, a situação me marcou para sempre. É que no exagero de ler um conto muito emocionante do livro didático (seleta de textos de autores nacionais, “contos pátrios”), “O “Perna de Pau”, de Coelho Neto, que era o meu preferido, dei o livro à amiga da minha mãe para que esta lesse um trecho. Houve um silêncio. Eu levantei os olhos e vi-a lagrimando. Minha mãe notou o gesto e disse “Maria, lê porque a comadre não está enxergando direito”. E eu iniciei a leitura, posto que já sabia de cor a primeira frase do conto. Ao chegar em casa minha mãe me explicou que a comadre não sabia ler, fato que para uma criança àquela altura era impossível de entender. Talvez tenha sido essa a origem da minha “vocação” para o ensino.

O outro fato se deu numa pesquisa que participei do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher - CLADEM, anos 1980, em visita a cinco cidades das microrregiões paraenses, entrevistando mulheres da zona rural sobre o entendimento delas dos termos usados na área jurídica sobre violência doméstica, como meio de conhecer a causa da baixa denúncia sobre esse problema. Numa das casas, a mulher vem alegre ao meu encontro, eu tirei os papéis da pasta e quando ia conversar com ela o marido se adiantou e disse, “dona, quem vai responder sou eu porque ela não sabe ler”. O riso triste fez com que a minha depoente abaixasse a cabeça e retornasse para dentro de casa. Contornei a situação, com medo de uma represália, chamando os dois para iniciar a conversa.
A que vêm estes relatos? Considerei oportuna esta abordagem, visto que na terça feira, ouvi o discurso do atual Ministro de Educação de privilegiar o ensino básico dando as condições para erradicar o analfabetismo. Já ouvi muito essa proposição de gestores, mas considero que sempre é possível ter esperanças porque senão perdemos a fé de erradicar também a tristeza de quem almeja ao menos participar melhor da convivência nas relações sociais, como mostram os dois fatos relatados.
Num balanço sobre a situação da taxa de analfabetismo no Brasil o IBGE apurou que entre 2000 e 2010 esta taxa caiu entre pessoas com mais de 15 anos. O ritmo menor dessa estatística está entre indivíduos de 10 a 14 anos. Nesses dados, foi detectada uma discrepância entre analfabetos homens e mulheres: se em 2009, a taxa de analfabetismo entre homens de 15 anos ou mais de idade foi de 9,8%, a das mulheres, para a mesma faixa etária, foi menor, de 9,6%, sendo que 92 6% dos analfabetos em 2009 tinham 25 anos ou mais de idade.  Em termos regionais, o Nordeste destaca-se com uma taxa na ordem de 18,7% em 2009, a maior do País. Nós, da Região Norte, estamos na segunda posição, com taxa de 10,6%, seguida do Centro-Oeste (8%), Sudeste (5,7%) e Sul (5,5%).
É possível visualizar, nos dados gerais desse instituto, que o país apresenta 14,61 milhões de analfabetos com mais de 10 anos, representando 9% da população na faixa etária. Se formos comparar essa situação a partir dos anos 1940 até 2010, verifica-se que a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais no Brasil teve um decréscimo considerável, pois naquele período era de 56% as pessoas que não sabiam ler, enquanto de 2000 a 2010 essa taxa caiu de 13.6% para 9.6%, numa redução de 29%.
Em nível mundial, diz a UNESCO que dos 796 milhões de analfabetos no mundo, dois terços são mulheres, ou seja, cerca de 530 milhões são mulheres. Por esses estudos, “os analfabetos também são os mais atingidos por problemas causados pela fome e por crises econômicas”.
Retornando às evidencias de outros problemas para esse grupo iletrado, os fatos que presenciei confirmam o sofrimento de quem se vê à margem do processo de escolarização. Esse dado, por ser visto tão subjetivamente e sem condições de cálculo estatístico demonstra ser o mais cruel de todos, pois provoca a morte moral de homens e mulheres que se vêem à margem da vida, sem esperança e, principalmente, sem consciência de possuir direitos de cidadania.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal" (PA), de 27/01/2012. A imagem que ilustra o texto é do site  http://www.experimentum.org/).

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