Uma das políticas
públicas mais importantes que deve ser tomada a sério pelos governos é a
educação. Alguns problemas que tendem a enfraquecer a confiança e a esperança
de uma pessoa é a de não saber ler. Então, a educação básica me parece o eixo
fundante de toda a auto estima gerada no ser humano contributiva dos valores
que constroem o sentimento de felicidade por se reconhecer cidadão/ã.
Lembro
de dois momentos que me fizeram pensar em como a condição de analfabeto é algo
que causa muita dor. Nos idos de 1950, eu estava no auge do aprendizado da
leitura, e essa euforia me fazia ir a todos os lugares com um livro debaixo do
braço. Certo domingo, a família (a praxe da época) foi em visita à casa de
compadres de meus pais que moravam num local a beira do rio. Da festa da chegada
a um episódio que àquela altura não dimensionei porque desconhecia o que
representava, a situação me marcou para sempre. É que no exagero de ler um
conto muito emocionante do livro didático (seleta de textos de autores
nacionais, “contos pátrios”), “O “Perna de Pau”, de Coelho Neto, que era o meu
preferido, dei o livro à amiga da minha mãe para que esta lesse um trecho.
Houve um silêncio. Eu levantei os olhos e vi-a lagrimando. Minha mãe notou o
gesto e disse “Maria, lê porque a comadre não está enxergando direito”. E eu
iniciei a leitura, posto que já sabia de cor a primeira frase do conto. Ao
chegar em casa minha mãe me explicou que a comadre não sabia ler, fato que para
uma criança àquela altura era impossível de entender. Talvez tenha sido essa a
origem da minha “vocação” para o ensino.
O
outro fato se deu numa pesquisa que participei do
Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher - CLADEM,
anos 1980, em visita a cinco cidades das microrregiões paraenses, entrevistando
mulheres da zona rural sobre o entendimento delas dos termos usados na área
jurídica sobre violência doméstica, como meio de conhecer a causa da baixa
denúncia sobre esse problema. Numa das casas, a mulher vem alegre ao meu
encontro, eu tirei os papéis da pasta e quando ia conversar com ela o marido se
adiantou e disse, “dona, quem vai responder sou eu porque ela não sabe ler”. O
riso triste fez com que a minha depoente abaixasse a cabeça e retornasse para
dentro de casa. Contornei a situação, com medo de uma represália, chamando os
dois para iniciar a conversa.
A
que vêm estes relatos? Considerei oportuna esta abordagem, visto que na terça
feira, ouvi o discurso do atual Ministro de Educação de privilegiar o ensino
básico dando as condições para erradicar o analfabetismo. Já ouvi muito essa
proposição de gestores, mas considero que sempre é possível ter esperanças
porque senão perdemos a fé de erradicar também a tristeza de quem almeja ao
menos participar melhor da convivência nas relações sociais, como mostram os
dois fatos relatados.
Num
balanço sobre a situação da taxa
de analfabetismo no Brasil o IBGE apurou que entre 2000 e 2010 esta taxa
caiu entre pessoas com mais de 15 anos. O ritmo menor dessa estatística está
entre indivíduos de 10 a 14 anos. Nesses dados, foi detectada uma
discrepância entre analfabetos homens e mulheres: se em 2009, a taxa de
analfabetismo entre homens de 15 anos ou mais de idade foi de 9,8%, a das
mulheres, para a mesma faixa etária, foi menor, de 9,6%, sendo que 92 6% dos
analfabetos em 2009 tinham 25 anos ou mais de idade. Em termos regionais, o Nordeste destaca-se com
uma taxa na ordem de 18,7% em 2009, a maior do País. Nós, da Região Norte,
estamos na segunda posição, com taxa de 10,6%, seguida do Centro-Oeste (8%),
Sudeste (5,7%) e Sul (5,5%).
É
possível visualizar, nos dados gerais desse instituto, que o país apresenta
14,61 milhões de analfabetos com mais de 10 anos, representando 9% da população
na faixa etária. Se formos comparar essa situação a partir dos anos 1940 até
2010, verifica-se que a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais no
Brasil teve um decréscimo considerável, pois naquele período era de 56% as
pessoas que não sabiam ler, enquanto de 2000 a 2010 essa taxa caiu de 13.6%
para 9.6%, numa
redução de 29%.
Em nível mundial, diz a UNESCO que dos 796 milhões
de analfabetos no mundo, dois terços são mulheres, ou seja, cerca de 530
milhões são mulheres. Por esses estudos, “os analfabetos também são os mais
atingidos por problemas causados pela fome e por crises econômicas”.
Retornando às evidencias de outros problemas para
esse grupo iletrado, os fatos que presenciei confirmam o sofrimento de quem se
vê à margem do processo de escolarização. Esse dado, por ser visto tão
subjetivamente e sem condições de cálculo estatístico demonstra ser o mais
cruel de todos, pois provoca a morte moral de homens e mulheres que se vêem à
margem da vida, sem esperança e, principalmente, sem consciência de possuir direitos
de cidadania.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal" (PA), de 27/01/2012. A imagem que ilustra o texto é do site http://www.experimentum.org/).
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