Albenize, Grassy, Elomar, Amira, Luzia
Quem disse que
pensávamos em idade, aquela época? Início dos anos cinquenta, as famílias
interioranas em busca de dar maior nível de escolaridade aos seus filhos e
filhas, aportavam em Belém com a esperança de que fossemos recebidas nos
colégios onde o Exame de Admissão ao Ginásio nos desse entrada para essa nova
fase da vida escolar de pré-adolescentes. E assim esse momento da vida garantiu
a um grupo de jovens meninas interioranas a inscrição ao curso ginasial em
vários colégios que as recebiam em nível de internas. O então Instituto Santa
Rosa foi o meu reduto durante sete anos. E de muitas outras com as quais
vivíamos em comunidade.
Nesse ambiente,
aprendíamos “na marra” a enxergar-nos com nossos acertos e defeitos e a
equilibrar nossas emoções para sermos aceitas e, principalmente, para nos
aceitarmos com as convicções que passávamos a acumular. As práticas da
religião, os primeiros desejos de “liberdade”, as primeiras emoções afetivas,
tudo levava a nos cercar de muitas proteções, mas o que hoje podemos ver mais
nitidamente é que foram anos de aprendizado que construíram alicerces vitais
para abrigar-nos de “chuvas e trovoadas”.
Este recorte da memória
de um tempo tem um objetivo - traduzir-se em uma homenagem importante para uma
das colegas que àquela altura dividia conosco suas saudades, seus
conhecimentos, sua experiência de menina, trazida de sua terra natal, Óbidos,
fortalecendo o afeto que nos unia e ainda hoje nos une. Elomar Menezes
Barros, que hoje completa 80 anos. Recortes que vêm à lembrança de uma
rotina que àquela altura não eram tão reconhecidos e hoje nos cercam de
saudades.
Víamos a Elomar
num diferencial de muitas colegas. Com um sorriso permanente, vestida nos
“bibes” listados (depois verde quadriculado), se preparava para ir a aula à
tarde, também interessada na boa aparência, cinturinha fina e a preocupação em
não engordar. Aliás, cada uma de nós daquele grupo que frequentava o 1º ano
ginasial, estávamos sempre ansiosas com a aparência física, pois, nesse horário
as aulas eram ministradas pelos professores de fora.
Do ginásio ao
pedagógico aquela rotina de colegiais trazia para as conversas no pátio
interno, na hora do recreio, tantas e tão intensas sensações que regulavam
desde os estudos ginasiais ao planejamento “do que fazer” nos chamados
“domingos de saída” (o quarto domingo do mês). Na segunda feira, nos balouços,
cada uma relatava suas aventuras ou desventuras.
O recreio das internas
não coincidia com a das externas. No nosso caso, o intervalo entre o almoço e o
estudo formal poderia ser usado de variadas maneiras, sempre usufruído no pátio
interno. Dos bancos corridos aos balouços, do “pé de Sant’Ana” aos “pés de São
José”, posicionavam-se os espaços liberados para as nossas cantorias,
gritarias, conversas, estudos, enfim, o que quiséssemos fazer. Era a hora de
colocar para fora os gritos embutidos em muito tempo de silêncio que vivíamos
ritualisticamente. Tudo sob a supervisão da mestra de vigilância. Que assistia
a tudo sem levar em conta a barulheira. Salvo um certo dia em que a Mestra Emma
ficou de plantão tirando o horário da Mestra Maria do Rosário. Ao ruído da
palma referencial de fim do almoço a Thelma Reis deu o seu grito de guerra
(tradicional) e a Mestra Emma sentada no banco retrucou: “Dona Thelma, pro
castigo!” Não houve justificativa que fizesse a Mestra considerar que o erro
era seu. E lá ficou a Thelma sem o recreio, sentada no banco ao seu lado. Nesse
dia não houve a tradicional brincadeira do “Benjamim”: ela combinava com outra
colega para ficar atenta à sua passagem com alguém de braço dado e perguntasse
“aonde tu vás, Benjamim?”. A Telma respondia: “vou levar este burro pra comer
capim”. Um dia a Marita Saady ficou insultada com a brincadeira.
Conviver com a externas
e os professores, ter contato com o mundo de fora, aquele que era interditado
pelos altos muros do colégio, tornava-se para nós uma conexão com o proibido
também. Essas pessoas eram a mediação entre a informação geral, o conhecimento
formal e um mundo escamoteado para nós. Se o principal objetivo de nossa
vivência no internato justificava-se pela continuidade de nossos estudos
visando incluir-nos num padrão de carreira profissional, a mediação com o saber
era feita pelos professores que garantiam a ministração das matérias
curriculares específicas, mas havia outros estágios de informação que nos eram
repassados pelo convívio com as internas. Tínhamos um mundo fechado nas quatro
paredes do internato que era quebrado pela informação sobre o que se passava lá
fora e ao qual não tínhamos acesso salvo através das colegas externas. O
cinema, as modas, os modos de ser das pessoas, o assunto político e policial,
as fofocas, os costumes femininos e masculinos, o convívio urbano da metrópole
era repassado para nós pelas conversas. E assim transitávamos num espaço
privado em que o “espaço público” vinha até nós através da porta da comunicação
e informação.
Hoje, a Elomar Menezes
Barros, que vivenciou esse tempo de juventude está celebrando 80 anos. Minha
admiração por ela vem desde essa época. Sua atividade no âmbito Escolar, como
orientadora de várias escolas, num trabalho que faz parte do processo
educacional, registra-a enquanto funcionária pública. Diz a amiga em um post
particular:
“Valeu a pena. Nos tornamos profissionais
responsáveis, respeitadas, mulheres/mães, mais fortes, corajosas, determinadas,
ricas em experiências, sabedoria e fortalecidas pela nossa fé, com a presença
de Deus em nosso coração. Agradecemos a cada manhã um dia que vivemos. Mas 80
anos é especial, completamos uma só vez. É um agradecimento a Deus que permitiu
chegar até essa idade com saúde, feliz e com alegria, junto com as minhas
queridas de internato e de bancos escolares. (...) Tempo bom, amizade de raiz.
É isso, Elomar, são
tantos os tempos e tantas as lembranças que deixaram muita saudade. Hoje, sem
seu parceiro querido, Fred Alencar, que já foi para um outro plano, você
celebra a vida, o amor e a amizade. Parabéns!
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