sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

ELOMAR, 80 ANOS...ANOS DE AFETOS ....ANOS DOURADOS




Albenize, Grassy, Elomar, Amira, Luzia 

Quem disse que pensávamos em idade, aquela época? Início dos anos cinquenta, as famílias interioranas em busca de dar maior nível de escolaridade aos seus filhos e filhas, aportavam em Belém com a esperança de que fossemos recebidas nos colégios onde o Exame de Admissão ao Ginásio nos desse entrada para essa nova fase da vida escolar de pré-adolescentes. E assim esse momento da vida garantiu a um grupo de jovens meninas interioranas a inscrição ao curso ginasial em vários colégios que as recebiam em nível de internas. O então Instituto Santa Rosa foi o meu reduto durante sete anos. E de muitas outras com as quais vivíamos em comunidade.
Nesse ambiente, aprendíamos “na marra” a enxergar-nos com nossos acertos e defeitos e a equilibrar nossas emoções para sermos aceitas e, principalmente, para nos aceitarmos com as convicções que passávamos a acumular. As práticas da religião, os primeiros desejos de “liberdade”, as primeiras emoções afetivas, tudo levava a nos cercar de muitas proteções, mas o que hoje podemos ver mais nitidamente é que foram anos de aprendizado que construíram alicerces vitais para abrigar-nos de “chuvas e trovoadas”.
Este recorte da memória de um tempo tem um objetivo - traduzir-se em uma homenagem importante para uma das colegas que àquela altura dividia conosco suas saudades, seus conhecimentos, sua experiência de menina, trazida de sua terra natal, Óbidos, fortalecendo o afeto que nos unia e ainda hoje nos une. Elomar Menezes Barros, que hoje completa 80 anos. Recortes que vêm à lembrança de uma rotina que àquela altura não eram tão reconhecidos e hoje nos cercam de saudades.
Víamos a Elomar num diferencial de muitas colegas. Com um sorriso permanente, vestida nos “bibes” listados (depois verde quadriculado), se preparava para ir a aula à tarde, também interessada na boa aparência, cinturinha fina e a preocupação em não engordar. Aliás, cada uma de nós daquele grupo que frequentava o 1º ano ginasial, estávamos sempre ansiosas com a aparência física, pois, nesse horário as aulas eram ministradas pelos professores de fora. 
Do ginásio ao pedagógico aquela rotina de colegiais trazia para as conversas no pátio interno, na hora do recreio, tantas e tão intensas sensações que regulavam desde os estudos ginasiais ao planejamento “do que fazer” nos chamados “domingos de saída” (o quarto domingo do mês). Na segunda feira, nos balouços, cada uma relatava suas aventuras ou desventuras.
O recreio das internas não coincidia com a das externas. No nosso caso, o intervalo entre o almoço e o estudo formal poderia ser usado de variadas maneiras, sempre usufruído no pátio interno. Dos bancos corridos aos balouços, do “pé de Sant’Ana” aos “pés de São José”, posicionavam-se os espaços liberados para as nossas cantorias, gritarias, conversas, estudos, enfim, o que quiséssemos fazer. Era a hora de colocar para fora os gritos embutidos em muito tempo de silêncio que vivíamos ritualisticamente. Tudo sob a supervisão da mestra de vigilância. Que assistia a tudo sem levar em conta a barulheira. Salvo um certo dia em que a Mestra Emma ficou de plantão tirando o horário da Mestra Maria do Rosário. Ao ruído da palma referencial de fim do almoço a Thelma Reis deu o seu grito de guerra (tradicional) e a Mestra Emma sentada no banco retrucou: “Dona Thelma, pro castigo!” Não houve justificativa que fizesse a Mestra considerar que o erro era seu. E lá ficou a Thelma sem o recreio, sentada no banco ao seu lado. Nesse dia não houve a tradicional brincadeira do “Benjamim”: ela combinava com outra colega para ficar atenta à sua passagem com alguém de braço dado e perguntasse “aonde tu vás, Benjamim?”. A Telma respondia: “vou levar este burro pra comer capim”. Um dia a Marita Saady ficou insultada com a brincadeira.
Conviver com a externas e os professores, ter contato com o mundo de fora, aquele que era interditado pelos altos muros do colégio, tornava-se para nós uma conexão com o proibido também. Essas pessoas eram a mediação entre a informação geral, o conhecimento formal e um mundo escamoteado para nós. Se o principal objetivo de nossa vivência no internato justificava-se pela continuidade de nossos estudos visando incluir-nos num padrão de carreira profissional, a mediação com o saber era feita pelos professores que garantiam a ministração das matérias curriculares específicas, mas havia outros estágios de informação que nos eram repassados pelo convívio com as internas. Tínhamos um mundo fechado nas quatro paredes do internato que era quebrado pela informação sobre o que se passava lá fora e ao qual não tínhamos acesso salvo através das colegas externas. O cinema, as modas, os modos de ser das pessoas, o assunto político e policial, as fofocas, os costumes femininos e masculinos, o convívio urbano da metrópole era repassado para nós pelas conversas. E assim transitávamos num espaço privado em que o “espaço público” vinha até nós através da porta da comunicação e informação.
Hoje, a Elomar Menezes Barros, que vivenciou esse tempo de juventude está celebrando 80 anos. Minha admiração por ela vem desde essa época. Sua atividade no âmbito Escolar, como orientadora de várias escolas, num trabalho que faz parte do processo educacional, registra-a enquanto funcionária pública. Diz a amiga em um post particular:
“Valeu a pena. Nos tornamos profissionais responsáveis, respeitadas, mulheres/mães, mais fortes, corajosas, determinadas, ricas em experiências, sabedoria e fortalecidas pela nossa fé, com a presença de Deus em nosso coração. Agradecemos a cada manhã um dia que vivemos. Mas 80 anos é especial, completamos uma só vez. É um agradecimento a Deus que permitiu chegar até essa idade com saúde, feliz e com alegria, junto com as minhas queridas de internato e de bancos escolares. (...) Tempo bom, amizade de raiz.

É isso, Elomar, são tantos os tempos e tantas as lembranças que deixaram muita saudade. Hoje, sem seu parceiro querido, Fred Alencar, que já foi para um outro plano, você celebra a vida, o amor e a amizade. Parabéns!


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