Publicada no jornal "Diário do Pará" em dezembro de 2015, a entrevista considerou minha posição tanto pessoal quanto institucional sobre o feminismo. A publicação neste blog quer celebrar as comemorações do Dia Internacional da Mulher - 8 de março de 2016,
1.O que é feminismo?
R.
É uma ideologia formada por um conjunto de ideias estruturadas no âmbito
teórico-cultural-institucional-pessoal das sociedades, que foi incorporada
pelas mulheres na luta por seus direitos e por se fazerem reconhecidas enquanto
pessoas humanas.
2. O assunto ainda é um
tabu em tempos modernos? Por quê?
R.
A sociedade global criou suas próprias representações sobre um modelo feminino
forjado por um sistema patriarcal que definia e defendia a valorização dos
homens como seres mais dotados cultural e de conhecimentos, em detrimento do
saber das mulheres. Esse modelo de submissão e de aceitação a um tipo de viver
social o qual sempre foi esperado socialmente dos comportamentos femininos –
desde o modo de vestir aos gestos e atitudes – cravou até hoje a imagem das
mulheres que ainda sofrem violência doméstica por não seguirem o suposto
“aparato” criado para elas. Do aspecto objetivo – demandas por certas profissões,
atividades “femininas”, comportamentos – ao subjetivo – “instinto materno”,
posição apolítica sobre o seu corpo, desconhecimento de si mesmas porque as
torna “ingênuas” (sendo esse estado que a sociedade reclama) – todas as
possibilidades de envolver novos conhecimentos e consciência política sobre o
que é ser mulher servem, muitas vezes, de processos de culpabilização contra as
mulheres. As mais ousadas – enfrentando esses tabus culturais – ferem o sistema
proposto e caminham para conquistas profissionais, pessoais, afetivas –
enquanto um número significativo de mulheres ainda acredita que “ser direita” é
não fugir às imagens tradicionais. Por que ainda vigem esses esquemas de
manutenção do poder que as submete a esse esquema hostil? É que a cultura
disseminada pelo sistema patriarcal ainda é muito forte. E as mulheres têm
ainda certo receio em ser mal faladas. Existe isso? Sim. Veja-se que há
familias que ainda seguem esses tabus em nome da tradição. Existem mudanças no
ponto de vista feminino sobre isso? Sim, creio que sim. Caso contrário hoje não
haveria tantas e tantos lutando contra a discriminação contra as mulheres, a
homofobia, a violência doméstica.
3. Você é feminista?
R.
Sim, sou feminista. À medida que fui começando a visualizar as diferenças que
eu percebia entre as mulheres – não havia um só tipo de mulher, mas havia
várias mulheres que agiam diferentemente, algumas, minhas familiares – procurei
saber a história de vida dessas mulheres e dos homens seus companheiros – essas
foram as minhas primeiras impressões sobre essa ideologia sem dela fazer
bandeira. Mas através de leituras e de novos conhecimentos sobre o que era ser
mulher, o que era “mulher no modelo” e o que era conquistar espaços, sobre as
dificuldades desse gênero, que demonstrava sua inteligência e seu saber em
qualquer área fui me inserindo na luta sobre o reconhecimento dos direitos das
mulheres.
4. Quando e por que se
tornou uma?
R.
Vejo hoje que a condição de “ser feminista” foi o meu processo de existência
que me identificava como uma garota diferente dos meus irmãos, mas, por isso
mesmo, eu deveria me submeter a certos padrões femininos da época que aos
poucos eu fui entendendo que eram situações que desvalorizavam as meninas e as
mulheres em relação aos meninos e homens. Conhecer o porquê uma jovem era
“malvista” na minha cidade e cujo comportamento eu não deveria seguir, fazia
parte da cultura familiar. No colégio religioso, no internato em Belém, eu me
incorporava ainda àquela tradição de “meninas bem-comportadas” e achava
estranho que outras colegas fossem vistas como “malcomportadas”. Toda essa
bagagem acumulada sobre “ser mulher” e “ser homem” se incorporava na minha
forma de ser. Já casada, com filhas, procurando seguir os estudos e alcançando
o vestibular na área das Ciências Sociais/UFPA fui abrindo minhas ideias e meu
reconhecimento sobre o eixo tradicional - “meu marido”, minha casa”, meus
filhos” - ampliando-se para o olhar
sobre as múltiplas mulheres minhas colegas e então, com o pronome possessivo
(nosso) – passei a desmontar a figura única feminina para um olhar mais
concessivo às múltiplas mulheres com seus problemas, suas vidas, e uma
infinidade de outros comportamentos. Me conscientizei da cultura sexista
acumulada e passei a lutar contra esses paradigmas clássicos da “imagem
feminina”. Investi em me tornar uma outra mulher.
5. Você é uma feminista ativista? (Se
sim, explique o que faz uma e, se não, explique que feministas não precisam
necessariamente ser ativistas).
R.
Há feministas e vejo que algumas são ativistas. Outras são ativistas, mas não
se consideram feministas. Cada pessoa tem sua opção por ter respeitada sua
forma de ser, a identidade com a qual se investe. Na verdade, a medida que
entendi o processo de socialização das relações de gênero em que as pendências
desvalorizadas tendiam sempre para as mulheres, passei a ser uma feminista
ativista. Como me faço ser? Tenho clareza que há muito os paradigmas que tratam
dos direitos humanos incorporaram a luta das mulheres por direitos e por
respeito com o fio condutor das lutas sociais. Por que essas lutas além de
abraçarem as demandas das mulheres, trazem em seu bojo a luta dos diversos
seres humanos que são discriminados socialmente. Assim, estudo, pesquiso, escrevo,
oriento, faço palestras, divulgo, integro grupos sociais e de mulheres os mais
diversos procurando avaliar o quanto é difícil uma ativista assumir a todos os
problemas do mundo e ainda viver em família, com os problemas internos desse
grupo. Mas de qualquer forma estou na luta pela justiça social e pelos direitos
humanos das mulheres, dos homens, das crianças, dos idosos, dos homossexuais,
dos transexuais, dos negros, dos indígenas e tantas e tantas categorias.
Enquanto eu tiver vida vou estar do lado dos menos favorecidos socialmente. E
vamos ganhando espaços. Ativismo é não calar diante do preconceito e da
discriminação.
6. O que defendem as
feministas?
R.
Se antes a política pelos direitos das mulheres mostrava-as com essa única
bandeira para garantir conquistas, hoje as feministas estão em todas as frentes
em que se faz necessário lutar pelos direitos humanos. Dizer que elas estão
lutando só pelos seus problemas é estar de fora da filosofia feminista atual
que tem um leque de demandas para criar o emblema do reconhecimento da
diversidade. Lutamos pela incompetência da parcialidade dos direitos, lutamos
contra uma cultura segregacionista, lutamos pela amplitude do abraço a todos os
seres humanos que estão sem direitos.
7. O feminismo é forte
hoje ou já foi mais forte em tempos passados?
R.
Não há feminismo, mas feminismos. Sim, a ideia de ampliar a luta das mulheres
para contemplar a discussão dos problemas aos demais seres humanos é de ontem,
mas hoje se torna bastante intenso. Em cada tempo ele se fortaleceu pelas
circunstancias que demonstravam situações de exploração contra as mulheres, mas
ainda hoje se reconhece que ele jamais “cairá de estação” até quebrar algumas
das ainda persistentes desigualdades sociais.
8. Qual a diferença das
feministas de ontem para as feministas de hoje?
R.
Em séculos pretéritos, a luta pelo direito político das mulheres, ou o direito
do voto feminino tornou-se um tema recorrente de discussão. Mas nessa demanda
pela cidadania política onde o voto era o elemento de inclusão política, havia
outros processos de valorização que se incluíam com o direito do voto, como o
direito a educação de qualidade, o direito ao trabalho qualificado e as
relações de trabalho condignas e as profissões de um modo geral. Se essa
política pública foi conquistada, hoje, muitas demandas ainda estão na agenda
das feministas que vão para as ruas em busca de respeito pelo que vestem, pelo
que querem, pela forma de transitar livremente nos mais variados espaços. E tal
qual essas mulheres, hoje, todos aqueles que se julgam excluídos fazem coro e
repercutem as demandas por seus direitos. A luta contra a violência doméstica e
sexual contra as mulheres é uma pauta que mexe com a cultura sexista que ainda
está presente na sociedade.
9. A sociedade as vê de
forma diferente em tempos modernos?
R.
Sim, ainda hoje, em todos os espaços, há discriminação contra as feministas que
são vistas de forma equivocada como querendo o espaço masculino e/ou intentando
igualar-se aos comportamentos desses seus parceiros. Na verdade, a cultura
sexista está impregnada socialmente. Meus alunos do curso de ciências sociais
relatam casos deprimentes de críticas preconceituosas quando começam a
apresentar assuntos sobre a questão da mulher. E olhe que eles estão numa
universidade e num curso que supostamente faz a crítica da sociedade...
10. Temos uma presidente mulher, e
muitas mulheres hoje ocupam cargos importantes. Nós avançamos, mas ainda há
muito que mudar. Cite as principais reivindicações.
R.
A luta das mulheres pelo aumento do número delas na representação política é
histórica e ainda não acabou com a conquista do direito do voto, cotas
partidárias etc. Foi um avanço termos uma mulher na presidência da república,
mas nos bastidores, se há bombardeio de críticas a sua política de governo
busque o subjacente sobre a questão das “mulheres no poder”. A cultura contra
as mulheres nos espaços de decisão política vai “passar para a opinião pública”
como se fosse uma luta partidária, mas não é somente isso. Vejam-se as charges
e as críticas a Dilma não ter marido, ser gorda, vestir-se desta e não daquela
forma e etc, etc. E aos presidentes, fizeram essas mesmas charges?
No
momento, as reinvindicações para a ruptura com a sub-representação política
feminina, no caso brasileiro, se inscrevem, inicialmente, com demandas
específicas na aprovação da mini-reforma da Lei 12.034/2009 a destinar 5% do
Fundo Partidário para a formação política das mulheres, tempo de propaganda
partidária fora dos anos eleitorais com vistas a difundir a participação das
mulheres, alteração no parágrafo terceiro do artigo 10 da Lei 9.504/1997, que
estabelece o número de vagas de candidaturas que cada partido ou coligação
destina para cada sexo - “lei de cotas para mulheres”. Ao invés de “deverá
reservar” 30% das vagas, a reforma estabeleceu o termo “preencherá” o mínimo de
30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas
de cada sexo”, enfatizando o caráter obrigatório do dispositivo. Na reforma
política prevista para as discussões deste ano, outros dispositivos devem
entrar na pauta como a mudança da lista aberta para a lista fechada com a
alternância de nomes de mulheres e homens entre outros pontos.
11. Na festa do Oscar-2015 algumas
atrizes presentes protestaram sobre a perguntas que fazem a elas sobre seus
vestidos no tapete vermelho, mas esperam tratar de sua carreira, planos,
atuação.. Da mesma forma que perguntam aos homens. Qual sua opinião sobre o
assunto?
R.
Nos anos 1960, na chamada Segunda Onda Feminista, a teórica norte-americana
Betty Friedan revolucionou o mundo quando propôs que as mulheres não deveriam
ser vistas somente pelo seu sexo, mas por sua inteligência, seu saber. Houve
uma crítica ferrenha a esse novo discurso – com o movimento de “queima dos
sutiãs” – mas demonstrativo de que também tínhamos ideias inteligentes e
deveríamos ser reconhecidas como tal.
Hoje,
quem está empenhada nas novas questões de ruptura aos estereótipos culturais ao
se sentirem mulheres profissionais da arte, mães, esposas, são as atrizes do cinema
que avaliam a forma discriminadora de serem tratadas nos papéis que representam
ou nas questões que são apresentadas nas entrevistas a que são submetidas
devido ao tipo de perguntas que a mídia lhes faz. Esse não deixa de ser o
confronto com o mundo masculino da arte cinematográfica que sempre situou o
homem com os principais papéis. Elas estão constatando também que mesmo nessa
área não são levadas a serio. É importante a conscientização dessas grandes
mulheres que circulam em múltiplos papéis além de seus próprios enquanto seres
humanos. Elas merecem respeito.
(Nome: Maria Luzia Miranda Álvares, abaetetubense, doutora em Ciência Política, 75 anos, docente e Pesquisadora universitária (UFPA) e jornalista com trabalho de mais de 40 anos sobre cinema e política).
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