Imagem captada de http://projetofisionomiabelem.blogspot.com.br
Santa Maria de Belém do Grão Pará entra na fase pré-quatrocentenária.
Muito já se escreveu sobre o seu passado desde que os portugueses comandados por
Francisco Caldeira Castelo Branco aportaram por aqui. Mas a Historia sempre
continua, sempre procura se renovar. E o que se diz da Belém de hoje, neste
inicio de século, passa pelos noticiários dos jornais e agora também pelos
meios de comunicação virtuais, deslocando-se do privado ao público numa acepção
que seria impensada mesmo alguns séculos adiante do XVII onde, a rigor,
começava a ser arrancada dos indígenas a narração dos fatos.
A Belém contemporânea é contemplada por muitos atrativos, mas também por
muita tensão. A situação urbana evidencia-se pelos muitos prédios que se
multiplicam como casas de moribundos nos mais diversos bairros. Lembro o tempo
em que o maior edifício da cidade era o Manoel Pinto da Silva, no início da
Praça da República (ainda chamado de Largo da Pólvora). Antes dele, o ponto
mais alto em termos de edificação era o Edificio Bern, na hoje Av. Presidente
Vargas (na época, 15 de Agosto). Edificado em quatro andares e considerado “muito
alto”.
A explosão imobiliária não procede apenas na profusão de empresas
construtoras seguindo a máxima capitalista. Também retrata a insegurança que
tomou conta dos habitantes das casas. Muitas residências foram assaltadas e os
moradores passaram a comprar ou alugar apartamentos. O enredo é o mesmo de
qualquer grande cidade do mundo moderno. Mas quem viveu em Belém desde a
infância sabe que o crescimento urbano foi muito rápido. Isso caracteriza o
chamado centro. Na periferia o que era bosque no meio do século passado hoje exibe
muitos bairros, ruas, casas e até mesmo parques residenciais que abrigam a
classe mais abastada. Os velhos moradores lembram-se da distância da vila de
Icoaraci (antiga Pinheiro) e mesmo o “jovem” município de Ananindeua – e um
pouco adiante Marituba (antigo distrito daquela).
Cresceram os núcleos habitacionais, mas, por outro lado aconteceram
fenômenos difíceis de explicar. Por exemplo: a estrada de ferro que ligava
Belém a cidade de Bragança (inaugurada em 1883). Não só foi desativada em 1957,
mas, em termos comerciais custou-lhe a venda dos trilhos e dormentes, sem um
aceno para a modernidade desse tipo de transporte que hoje se vê em muitas
partes do mundo.
A tríade que desafia qualquer administração: educação, saúde e segurança
– é ressaltada no presente muito mais do que no passado. A educação dilatou seu
campo em termos de alunado e nem sempre em termos de professorado (e, mesmo,
espaços para tantos novos aprendizes). Explodem as notícias sobre o baixo
salário dos professores e não faltam protestos traduzidos por obliteração do
trafego, atingindo toda a população, uma forma usual de protesto procurando
sensibilizar sobre as crises. A ideia de incluir a todos nas lutas interessa
para que se tome alguma providencia. No caso chega-se ao outro quesito da
tríade: quem precisa ir a um hospital pode piorar de situação no engavetamento
dos veículos nas ruas fechadas. E os postos de saúde vivem lotados e sujeitos
também a protestos de médicos e enfermeiros por salários que acham
incompatíveis. Daí se passa para o problema que a cada dia parece mais
ameaçador: a onda de crimes diversos, a insegurança nas ruas e residências, a
proliferação da marginalidade alicerçada pelo crescimento populacional e,
principalmente, a deficiência no aspecto social em que a carência de empregos facilita
uma série de outras mazelas como o uso das drogas favorecendo o tráfico, uma
“empresa” supostamente lucrativa posto que lida com o vício de muitos.
Belém ainda é a “cidade das mangueiras” que Antonio Lemos criou para uma
elite vinda do fausto da comercialização da borracha nativa e consequente
importação de moda europeia, especialmente da França. Mas na época do
intendente que pensou numa forma de tornar atrativa a cidade amazônica que
relegara o plano de ser uma Veneza na preservação de seus igarapés já era sentido
o crescimento populacional a partir dos migrantes que chegavam para ser
“soldados da borracha” ou trabalhadores na extração do látex das seringueiras.
O destino de metrópole seria
fatal para a capital paraense. E o futuro? Cada vez mais as cidades se
descaracterizam adotando o cenário apto a suportar o aumento demográfico. Por
certo que em tempos a chegar o cenário vai ser outro. Mas tudo depende de uma
conjuntura global. A urbe moderna ganha cada vez mais a mesma cara. No plano
local vai aumentar o número de conjuntos habitacionais, mas sem o
acompanhamento de uma estrutura que faça com que seus moradores vivam ali todos
os benefícios da vida moderna. Que adianta, por exemplo, morar num desses
codomínios se o trabalho é no centro, as escolas dos filhos no centro, muitos
espaços indispensáveis numa estrutura de vida não estão a alcance dos pés. Por
outro lado, as ruas pedem auxilio. Se hoje o aumento do número de veículos é
crescente, as avenidas, ruas e travessas são as mesmas do inicio do século XX.
Recurso como o BRT suaviza e pede que se tome ônibus já que a estrutura da
cidade impede um metrô subterrâneo (no caso imita-se um de superfície). Mas no
final deste século será o suficiente? Os residentes nos bairros distantes e
condomínios vão se satisfazer com um meio de transporte que certamente não
consegue abranger o aumento de frequentadores?
Ainda não se escreveu uma ficção cientifica que deslumbre a Belém de
meio milênio. Seria interessante imaginar a partir do que se viu e se vê, ou
seja, no passado e presente que tentei expor aqui, como será o futuro. Creio
que a cada avanço no tempo menos se observa peculiaridade ambiente. Modernidade
é orgulho, a paz de espírito uma saudade. Aliás, quase todas as histórias
“futuristas” são dramáticas. Mas para quem as lê devidamente instalado em um
espaço que acha ser o seu são divertidas. Viver essa ficção é como a dor que
chega depois do ferimento.
(Texto originariamente publicado em "O Liberal" em 16/01/2015)
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