A onda de
estereótipos instalada sobre as mulheres que se candidatam e concorrem em
eleições, seja em âmbito formal ou não, tem sido devastadora.
Nos
estudos que tenho feito sobre este assunto, as autoras que se dedicam a essas
matérias mostram o tom censor dos que não aceitam a presença feminina no
cenário político e apontam reflexões formuladas em torno dessas versões. O
aspecto mais evidente é o de certos vocábulos aplicados para criticar
representantes deste gênero que se apresentam para competir, principalmente em
cargos dificilmente reconhecidos como de competência feminina. E os termos são
lançados para desqualificá-las, são vistos, pela maioria das pessoas, da
população ou do eleitorado, como fazendo parte do jogo político-partidário que
se estabelece nesses pleitos, na escolha formal mais enfaticamente para um
cargo majoritário, ou num posto informal, para o desempenho de uma coordenação
ou presidência de um determinado órgão ou associação.
Há alguns
anos participei da formação de um movimento de mulheres pescadoras em certa
cidade paraense em que havia uma Colônia e regularidade de comando masculino
nas eleições dessa categoria. Já organizadas e filiadas ao seu órgão de classe,
as pescadoras apresentaram o nome de uma de suas associadas para competir ao
cargo de presidente da Colônia, em certa eleição deste órgão. Os obstáculos
foram intensos para que elas não participassem do evento. Primeiramente houve
tentativa de exclusão do nome apresentado considerando que a associação não
tinha os requisitos necessários para a competição. A apresentação dos estatutos
e toda a formalidade exigida para a ocasião venceu a pretensão dos líderes da
colônia e as mulheres inscreveram sua chapa. A argumentação de que não sabiam
administrar selava o veredicto. A chapa encabeçada pela associada não foi
exitosa. Sistematicamente elas têm apresentado candidatas a esse cargo, mas
somente agora, segundo relato de uma das associadas, devem vencer a eleição.
As
candidatas à presidência da república, nesta eleição, não foram poupadas de
constrangimentos pelo tom de críticas ofensivas e emblemas de misoginia que são
revelados no embate público. Antes mesmo, na abertura da Copa do Mundo, em
junho deste ano, uma ala de torcedores levantou a voz numa locução marcada com
palavras de sentido pejorativo para agredir a Presidente da República. Nessa
agressão não estava somente a visibilidade da ofensiva de seus opositores
partidários pelo cargo ocupado, mas infiltrado notam-se acepções que desvirtuam
a dignidade da pessoa que está no poder pelo voto. Neste caso, a crítica a essa
agressão, levou em conta mais a ofensa à autoridade da representante do país,
entretanto, subjacente, se encontrava a aversão ao feminino. À consideração da primeira
mulher a assumir o poder máximo de um país em cuja competição se observam mais
duas ou três outras mulheres, a demanda por esse tipo de cargo será cada vez
mais evitado e o acúmulo de interesse deste gênero, por ele, tenderá a
encolher. Kunovich & Paxton (2005) observam: “Enquanto as
mulheres fizeram progressos notáveis no domínio da educação superior e de
profissões tradicionalmente masculinas, a esfera política continua a ser uma
arena em que elas ainda não obtiveram comparativamente visível status”.
Atitudes preconceituosas são custos eleitorais pensados pelas mulheres bem mais
do que qualquer outro recurso necessário.
Os
epítetos misóginos contra as candidatas têm sido recorrentes neste período de
campanha. A avaliação dessa aversão tem estado presente nas redes sociais, mas
nem sempre os/as que estão submetidos ao calor competitivo partidário se tocam
da aplicação subjacente que fazem sobre a desvalorização feminina. A
naturalização clássica sobre os chamados “papéis” femininos e masculinos subjaz
no imaginário social e nesses momentos repercutem num tom vazado de
“partidário”. Mas a representação desses papéis sempre foi uma demanda pública
pelo comportamento “certo” e “errado” entre os gêneros e em especial, das
mulheres. E àquelas que fogem à regra são culpabilizadas.
Para a
historiadora Joan Scott, “o gênero é, portanto, um meio de decodificar o
sentido das relações de poder” expresso na hierarquia que transita secularmente
entre os sexos fazendo com que emirja a “compreensão sobre as relações complexas
entre diversas formas de interação humana” (Scott, p.23). Essa interação é
contributiva da argumentação da autora ao tratar das representações de poder.
Diz Scott (idem, ibidem): “As mudanças na organização das relações sociais
correspondem sempre à mudança nas representações de poder, mas a direção da
mudança não segue necessariamente um sentido único”.
Por que a
centralidade dessa historiadora no conceito de gênero? Trata-se de considera-lo
em uma dimensão decisiva na organização hierárquica da sociedade que está
baseada na naturalização da incapacidade feminina para a vida pública e
política.
Trazendo
esse conceito para a cena atual da competição política, com as evidências de
que o tom pejorativo às candidatas se serve de versões já instituídas nas
representações sociais considerando que esta ocorrência nada mais é do que
um embate político-partidário não se percebe que são referenciais de cunho
altamente misógino assumidos por homens e mulheres que têm determinada
preferência partidária.
Contudo,
há visões que apontam para a identificação dessa ambiguidade. Posts &
outras referencias circulando em blogs e em redes sociais mostram, de forma
mais coloquial, o que propus nesta avaliação reconhecendo que não estou só.
De
um email de Yone M. Kegler à jornalista Hildegarde Angel (http://www.hildegardangel.com.br/) extrai
somente um parágrafo: (...) : “Debocham de Dilma, como “gorda ridícula”, o
tempo todo, mas dizem ao amigo (a) importante, na mesma situação, que ele (a)
está só um “pouquinho acima do peso”.
Luanna
Tomaz (docente da UFPA) em seu post (FB), diz: “Independente de qualquer
partido ganhar as eleições, sei que a misoginia saiu vitoriosa. A Dilma foi
chamada de gorda, insinuaram que era lésbica porque é divorciada (...), riram
da queda de pressão dela (...). Dilma e Luciana foram chamadas de levianas, o
coque de Marina ganhou mais atenção do que as propostas dela. (...) Tantos
obstáculos que as mulheres precisam superar para chegar ao poder que não
estranha termos baixo percentual de vagas da câmara, por exemplo”.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, em 24/10/2014)
Que belo texto, professora, que nos faz refletir sobre o alto preço que as mulheres precisam pagar por adentrarem espaços tipicamente masculinos, como a política. Mas só de elas já estarem lutando para conquistar este espaço, quebrando regras e paradigmas, já é fantástico! Que continuemos assim. Parabéns!
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