Momento em que o rojão atinge Santiago de Andrade
A
sociedade brasileira ainda está sob o impacto da morte do cinegrafista Santiago
Andrade, da Rede TV Bandeirante. Numa sistemática onda de manifestações
populares recentes acontecendo desde junho/2013, a passeata pelas ruas cariocas
com o grupo contrário ao aumento das passagens de ônibus no Rio de Janeiro,
possivelmente se constituía em mais um protesto como tantos outros, como reação
a ações tendentes a ampliar os custos de vida de quem utiliza esse meio de
transporte, na verdade, a maioria dos/as trabalhadores/as. Manifestação
pacífica não existe, haja vista que o próprio emblema do protesto já define uma
forma reativa de pleitear direitos, por suposto, negados pelo tipo de sistema
econômico assumido pelo país, no caso, o capitalista.
Mas
se de qualquer forma essa passeata carioca se expressava como uma tática de
aglomerar pessoas e criar entraves à circulação do trânsito para chegar ao
lócus e às lideranças políticas onde se dariam os pleitos, possivelmente a
Assembleia Legislativa ou o Palácio do Governo, não foi esse o resultado: com
um artefato tipo rojão acesso e jogado em meio à multidão, este fatalmente
atingiria uma pessoa. E foi isso o que ocorreu sendo a vítima um trabalhador de
TV que captava imagens da manifestação para a sua empresa.
Do
protesto com tática agressiva estabeleceram-se argumentações que refletem a
aversão de uma parte significativa do povo brasileiro contra esse tipo de ação
violenta. Não incluí “todos” os/as brasileiros/as porque essa ideologia do acirramento
da violência para eliminar o Estado e as empresas privadas, símbolos do
capitalismo é circulante e assumida por alguns que se inscrevem entre os que
creem que somente dessa forma esse sistema será extinto, adotando o idealismo
do século XVII. Implica em avaliar que as instituições criadas para a garantia
do funcionamento desse processo tendem a não responder mais, seja na condução
da economia, seja alastrando efeitos danosos às condições de vida da população.
Avaliar
historicamente as manifestações populares ocorridas no Brasil certamente a
maioria delas fica de fora num texto resumido. Dessa memória, há a revolta do
vintém, por exemplo, que ocorreu entre 28/12/1879 e 4/01/1880, no Rio de
Janeiro, tendo como motivo a cobrança de 20 réis nas passagens dos bondes. O
conflito entre a população e as forças armadas terminou com mortos e feridos. A revolta da vacina, entre os dias 10 e 18/11/1904, também no Rio de Janeiro e na qual um
dos ilustres paraenses se encontrava no incitamento do povo, o positivista
Lauro Sodré, era contrária ao formato do sistema sanitário aplicado por Oswaldo
Cruz, diretor da Saúde Pública, por ordem do Presidente Rodrigues Alves, que
para enfrentar a febre amarela aplicava ações arbitrarias (como a vacina
obrigatória) invadindo lares, interditando casas e forçando despejos. Houve
também mortos e feridos, além de deportados.
A
campanha pelas “Diretas Já”, desde 1983, também levou a população às ruas
objetivando a aprovação de uma lei que tirasse o país da ditadura militar
possibilitando a eleição direta para Presidente da República.
O
movimento dos “Caras Pintadas”,
em 1992, com os manifestantes pintando seus rostos com faixas nas cores da
bandeira brasileira pressionava a renúncia de Fernando Collor do cargo de
presidente da república, assumindo o poder Itamar Franco.
Outro
movimento popular, a Marcha dos 100 mil, em26/08/1999, reuniu
cerca de 100 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios protestando contra o
governo de Fernando Henrique Cardoso, para a abertura de Comissões
Parlamentares de Inquérito (CPIs) a fim de investigar a corrupção do governo
federal.
Nessas
três últimas manifestações não houve escaramuças nem violência física. Podem
ser chamadas pacíficas embora fossem protesto que só nas sociedades
democráticas ocorrem. E ganhos foram contabilizados.
Outras
revoltas em tempos pretéritos objetivaram a independência do império
brasileiro, espalhando-se pelo
país, como a cabanagem, a sabinada, a balaiada, a praieira e a guerra dos
farrapos. Mas nem todas apresentavam cunho popular, embora com a insígnia de
levantes em favor da república e/ou pleiteando a melhoria de vida dos
brasileiros, com o ímpeto de manter a unidade do Brasil.
E
chega-se em junho/2013 quando há levantes com manifestações populares marcadas
inicialmente em Porto Alegre contra o aumento das tarifas de ônibus reforçando
o Movimento Passe Livre, de São Paulo, espalhando-se pelas demais capitais
brasileiras ações de bloqueios de vias públicas, aberturas de catracas, denúncia públicas de pessoas acusadas
de violações de direitos, ocupações de prédios públicos etc. Outras ações
questionadoras baseavam-se na presença violenta do contingente policial, nos
esquemas de corrupção de parte da classe política e, consequentemente, numa
reação aos partidos políticos. Nesse entremeio, entre a população nas ruas e
uma ausência de centralidade das demandas sobre as quais estava sendo aplicada
a desobediência civil, emerge (no Brasil desde 2000, mas, também,
internacional) um grupo que se intitulou (ou foi intitulado) de black bloc
mostrando-se em táticas agressivas, não somente no revide à atitude violenta
das tropas milicianas, mas demonstrando servir-se de uma nova estratégia de
manifestação de rua.
O
caso da morte do cinegrafista revelou dados assustadores: financiamento de
pessoas para ações de depredação. Isto deve ser investigado, visto que não são
atitudes que partem de um ideal, mas de beneficiários ainda sem identidade.
Na
verdade, “protesto estético” ou coisa que o valha, minha posição é de
considerar as táticas desse grupo fora da minha concepção de manifestação
política. Sejam integrados ou não a tendências ideológicas, suas atitudes não
se coadunam com uma forma de lutar pela melhoria da democracia que hoje temos
no Brasil.
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