Homenagem às sufragistas paraenses que lutaram pelo direito do voto desde 1925.
As primeiras incursões que fiz
nos estudos e pesquisas sobre mulher e política tinham um objetivo: argumentar
sobre o “paradeiro” das paraenses no período em que estava em evidência a luta
pelo direito do voto feminino no mundo e no Brasil, embora outro assunto dominasse
a imprensa local, com as tensões da política estadual entre Antonio Lemos e
Lauro Sodré. Na década de 1980, já docente da UFPA, no Departamento de Ciência
Política, a realização da pós-graduação inflamava os bastidores e as pessoas
que não tinham como deixar a cidade para frequentar os cursos no sul e sudeste
se inscreviam no PLADES/NAEA, um núcleo onde o mestrado era multididciplinar.
Foi nesse tempo de pesquisas que encontrei, nos dados levantados na imprensa (da
década de 1920) algumas paraenses que escreviam textos nos jornais e tratavam
do direito do voto da mulher. Orminda Bastos, amazonense radicada no Pará, organizava
palestras para as operárias funcionando como veiculadora das idéias sufragistas,
a exemplo, nas conferências para a Liga Cooperativa das Operárias de Fábricas,
enfatizando a necessidade de instrução como ponto fundamental para a ascensão
da mulher na luta pelos seus direitos políticos.
Há pouco ou nenhum conhecimento entre
as pesquisas no tema sobre Orminda Ribeiro Bastos, professora de grego do “Paes
de Carvalho” e jornalista, sem dúvida a liderança pioneira do sufragismo
paraense desde a década de 1920. Mantém um nível equilibrado no debate
jornalístico, apresentando suas próprias dúvidas sobre a concessão irrestrita
do voto à mulher e à filiação do movimento brasileiro ao movimento
norte-americano (uma das facetas do nosso movimento). Sua preocupação refere a
essência histórica brasileira, em dissonância com a norte-americana. Seu
compromisso é claro com um maior instigamento ao interesse cultural que deveria
pautar a preocupação das mulheres às suas condições de desigualdade com o sexo
oposto. A "anarquia social" vivenciada pelo sistema político
brasileiro e o "mau caminho" que tomaria o voto feminino, nessas
condições, preocupam Orminda (cf. Alvares, 1990). Orminda
tornou-se assessora de Bertha Lutz, ao seguir para o RJ em 1925. Criou, em
1929, a União Universitária Feminina, grupo que representava uma forma de "lobby" aos interesses das sufragistas.
A imprensa paraense acompanhava os passos dela registrando-lhe a ascensão
profissional e de militante feminista.
Desse ponto, foi só um passo para
chegar às ousadas paraenses Maria Aurora Pegado Beltrão e Corina Martins Pegado
que em 1929 solicitam ao Juiz Federal o alistamento eleitoral, sendo que o
arrazoado jurídico foi contrário à solicitação, arvorando-se na ruptura com a
imagem exigida da mulher do lar. As duas paraenses seguiam as instruções de
Bertha Lutz então presidente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino
instigando a todas as brasileiras a solicitarem inclusão na lista de eleitoras
forçando uma situação para além das regras eleitorais àquela altura. Somente em
meados de 1931 é organizado um núcleo sufragista no Pará. Com o título "O
Movimento Feminista no Pará" e foto de Orminda Bastos, diz a "Folha
do Norte" de 12 de junho de 1931:
"Obediente à orientação da
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, a delegação paraense tem
desenvolvido, nesta capital, operosas atividades. Na última reunião havida,
convocada para deliberar sobre o convite para a representação do Pará no 2º
Congresso Feminista do Brasil que se realizará no Rio este ano, foi aclamada
para o honroso mister da representação deste Estado a nossa culta conterrânea
Drª Orminda Bastos figura de relevante atração nos destinos do movimento
brasileiro e antiga colaboradora na FOLHA. À ilustre presidente da Federação,
senhorita Bertha Lutz, como à representante paraense, a delegação desta capital
enviará hoje, por avião, as respectivas adesões e credenciais. Constituem
atualmente a delegação paraense, havendo assinado as respectivas peças
oficiais, as Sras. DD. Corina Pegado, Cloris Silva, Elmira Lima, Feliz Benoliel
de Cavaco, Helena Souza, Joanita Machado e Marieta Campos”.
Essas mulheres criam o Núcleo
Paraense pelo Progresso Feminino, instalado oficialmente em 21 de junho de
1931, constituindo-se uma diretoria provisória, sendo indicada Presidente de
Honra a esposa do Senador Justo Chermont, Izabel Justo Chermont. Na composição
da diretoria do Núcleo paraense, outros nomes de mulheres estão relacionados ao
grupo que iniciou a mobilização. Algumas delas podem ser reconhecidas como
poetas (Adalcina Camarão, Juanita Machado, Ermelinda Almeida, Ester Nunes
Bibas); pianistas (Olímpia Martins); professoras (Antonina Prado, Dolores
Nunes); cantora lírica (Maria da Costa Paraense); profissionais liberais (Olga
Paes de Andrade) e uma artista plástica (Carmem Souza). Como se vê, há, no
Pará, uma mobilização das jovens de classe média a fim de incrementarem
nacionalmente as fileiras das sufragistas brasileiras.
Essa parte da história registrada
neste texto quer fazer jus ao valor das mulheres paraenses que ajudaram, com
sua luta, a conquistar o direito do voto feminino no Brasil, que no último dia
24 de fevereiro comemorou 82 anos. E homenageá-las.
Hoje, a situação das brasileiras na esfera da
política mudou o cenário majoritário masculino. Veja-se o fato histórico e
inédito da eleição, em 2010, da primeira mulher à Presidencia da República. Destarte,
o Brasil entrou para um grupo seleto de países cujo sistema de democracia
representativa conseguiu avançar da conquista do direito do voto ao exercicio
da cidadania que era um pleito histórico das mulheres em se tornarem eleitoras,
mas também elegíveis avançando para os cargos mais destacados de decisão
política.
Texto originalmente publicado em "O Liberal", de 18/02/2013
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