O noticiário político nacional revela a tensão das relações entre o executivo, o legislativo e os partidos em nível federal. A voz corrente é de que há desarticulação na base política da Presidente Dilma Rousseff, cujas lideranças não conseguem acalmar os confrontos dos partidos aliados e até do próprio PT, para as votações de projetos do governo. A evidência de crise tem sido recorrente desde o ano passado quando a presidente demitiu ministros denunciados por participação em esquemas fraudulentos. É, sem dúvida, daí que começam as insatisfações dos partidos da base aliada cujos ministros tiveram que deixar o governo (ao todo, sete). A atitude enérgica em não permitir que as denúncias de corrupção contaminassem a administração pública causou inquietação entre as lideranças partidárias que haviam indicado seus pares aos cargos, contudo, ao que consta, a estatística após esses eventos demonstra satisfação da opinião pública pelas medidas tomadas (chamadas até de “faxina”) e certamente por avaliações de desempenho em outras áreas, com 59% de pessoas considerando o governo ótimo e bom, em janeiro do corrente.
A crise atual veio na quarta-feira (14), com o anúncio, pelos senadores do Partido da República (PR) de que estariam se juntando aos partidos de oposição ao governo Dilma Rousseff. Esse partido fazia parte da base aliada, indicando o ministro dos Transportes Alfredo Nascimento, que no ano passado, após denúncias, foi demitido. Mas até o momento não fora indicado outro membro do partido para o cargo, sendo nomeado por Dilma o secretário-executivo da pasta para assumir interinamente. Este seria, então, o estopim para a decisão, segundo o líder do PR no Senado, Blairo Maggi (MT). Mas não é só este partido que está “no muro das lamentações” pelo que estão apontando como falta de sensibilidade da presidente para nomear membros da base aliada aos cargos ministeriais (ou da administração indireta) vacantes. Cerca de 58 deputados federais do PMDB assinaram um manifesto criticando o governo e o PT. Também os deputados do PTB e PSC já discutem novos caminhos a tomar.
O que representa esse descontentamento? Por se constituírem na base do tão falado “presidencialismo de coalizão” (expressão formulada em 1988, pelo cientista político Sérgio Abranches) exigem a manutenção dessa relação entre o Executivo e o Legislativo que define a estrutura e o mecanismo de funcionamento da governança brasileira. Para o autor, esse sistema combina não só a representação proporcional, como também o multipartidarismo e o “presidencialismo imperial”, e reflete, ainda, a integração do Executivo com amplas coalizões político-partidárias e regionais. Ou seja, sem o apoio político do Congresso Nacional, o governo brasileiro não tem capacidade de viabilizar sua política estatal.
Este modelo de presidencialismo no Brasil apresenta críticas acentuadas de estudiosos que consideram o tipo de arranjo como o núcleo da corrupção no sistema político, devido aos acertos interpartidários que se tornam “moedas de troca” desse apoio dado ao governante. Vantagens parlamentares, distribuição de cargos, distribuição de recursos e benefícios para seus redutos eleitorais, constituem, juntamente a inúmeros outros serviços de patronagem, as principais tendências de fortalecimento do poder dos aliados.
Ocorre que certas ações da presidente Dilma Rousseff têm desarrumado essa chamada política tradicional. Procurando tomar um rumo próprio sem a pressão de partidos para que sejam indicados os nomes de substitutos aos demitidos conforme acertos de aliança e/ou fazendo mudanças ao substituir lideranças no governo, a presidente tem carreado para si uma série de rótulos depreciativos e alusões à falta de conhecimento da prática política. Diz-se que ela “não se notabiliza pela habilidade, carisma e experiência política”, que se considera autossuficiente, mas sem a destreza e aptidão para tomar decisões políticas e administrativas a exemplo de Lula da Silva. Afirma-se, ainda que é “durona” e não aceita ponderações.
Ao demitir os dois líderes do governo no Congresso — Romero Jucá (PMDB-RR) no Senado e Cândido Vaccarezza (PT-SP) na Câmara – transferiu para si a insatisfação de seu partido com as queixas de que o deputado indicado, Arlindo Chinaglia, que também é do PT, integra uma corrente menor da legenda.
Esta maneira de tomar decisões cria comparação com seu antecessor visto com maior disposição para articular ou repactuar com os dissidentes da hora. Outra acusação refere à falta de tato para tratar no jogo real da política, procurando conviver com um conselho restrito. Usam-se informes sobre o período de campanha quando a então candidata se dispunha a preservar um núcleo de comando afastado da influência das cúpulas partidárias formais da aliança, agregando pessoas mais próximas de sua máxima confiança, modelo que traduz, segundo o informe, os vestígios da sua formação política nos movimentos clandestinos onde combateu a ditadura militar.
Certamente, a cultura política de uma vida não se perde pelo assento em um alto cargo. Daí porque a presidente prefere imprimir sua maneira própria de articular seus apoios, embora se arrisque a perdas pontuais, sem ter que conviver com as “raposas felpudas” que rondam seu quintal.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA em 23/03/2012)
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