Lei brasileira originada de um projeto-lei
de iniciativa popular reunindo cerca de dois milhões de assinaturas, a Ficha
Limpa, foi aprovada por unanimidade em maio de 2010, na Câmara de Deputados e
no Senado Federal, sancionada sem vetos pelo Presidente da República Lula da
Silva, transformando-se na Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010.
Objetivou extirpar, do meio político, com proibição tácita às candidaturas de
cidadãos/ãs ditos “políticos” (ou seja, exercendo cargos de representação
política) que tivessem condenação em decisões colegiadas de segunda instância. Em
sua síntese explicativa, o texto da lei é claro: “Altera a Lei Complementar nº
64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9º do art.14 da
Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina
outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a
proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato”. Os
cerca de 26 artigos e demais parágrafos dessa lei apontam para todos os casos
que serão exigidos a um cidadão ou cidadã interessado/a em incluir-se na polis saindo do demos, demonstrando valores como honestidade e probidade
administrativa no exercício da coisa pública.
Desde
as eleições de 2010, o povo brasileiro tem convivido com as discussões
judiciais nas várias instâncias de tribunais sobre a validade de aplicação
dessa lei, culminando, recentemente (23/02), com a decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) que concluiu pela não aplicabilidade da Ficha Limpa naquelas
eleições, liberando os candidatos ficha-suja que disputaram cargos e foram
eleitos, barrados de assumir seus mandatos. Mas no pleito de 2012 esta lei terá
validade.
Não
pretendo discutir as nuances da constitucionalidade nas alegações dessas casas
da justiça no Brasil (todas elas), mas, levantar uma questão que tem
demonstrado, a partir dessas discussões tão presentes no informativo das mídias
e das redes sociais em geral, o foro cultural do que representa para o povo
brasileiro, não só o eleitorado, a lei da ficha limpa ou, seja, o expurgo de corruptos
do meio político. Neste caso, é conveniente lembrar os argumentos de Raimundo
Faoro, em “Os Donos do Poder” quando admite, em histórica pesquisa desde o
período colonial brasileiro, as origens da corrupção e da burocracia partindo
da colonização portuguesa que trouxe para o nosso país a estrutura
patrimonialista de um estado absolutista. O que isto representa? Que a
organização social se sustenta no patrimônio, ou seja, o conjunto de bens
materiais e não materiais mantidos como valor de uso e de troca pertencente a
uma pessoa, uma empresa que seja pública ou privada. Assim, “ao cargo
patrimonial é desconhecida a divisão entre a “esfera privada” e a “oficial. A
administração política é tratada pelo senhor como assunto puramente pessoal,
bem como o patrimônio adquirido pelo tesouro senhorial em função de emolumentos
e tributos não se diferencia dos bens privados do senhor”. (Silveira, Daniel
Barile, s/d).
Com a ficha limpa, pleiteia-se a probidade
administrativa que é uma prerrogativa desejada não apenas pelos responsáveis
pela lei e ordem em nosso país. Recentemente casos de punições a figuras
ilustres de outros governos têm ganhado espaço na mídia internacional. E os
povos que hoje acessam meios de comunicação antes inexistentes passaram a
exigir honestidade de seus governantes. No caso nacional prolifera uma cultura
de crítica que espelha o interesse mesmo que seja revelado o critério subjetivo
a lembrar Franz Kafka. Estima-se que, afinal, todos sejam isentos de processos.
A
extensão da ”ficha limpa” para quase todos os setores da sociedade é o reflexo
de uma síndrome de honestidade. Que esperamos ocorrer em todas as áreas da
administração pública e privada. A investigação em torno da probidade de cada
um não deixa de ser salutar posto que as pessoas passam a ter mais cuidado com o
patrimônio alheio.
O
que eu vejo como “cultura da ficha limpa” é o que está sendo dimensionado por
vários segmentos sociais no Brasil para reprimir aqueles que fazem uso do
dinheiro publico como se fosse o seu próprio e enriquecem com facilidade. A
Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou, por unanimidade, no dia 29/02, uma
proposta “que aplica os critérios da Lei da Ficha Limpa a todas as futuras
nomeações para cargos de confiança do Estado”. O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante,
oficiou aos 27 dirigentes das Seccionais da entidade considerando a essa Lei às
nomeações para cargos comissionados nos Executivos e Legislativos municipais e
estaduais, além de secretários dessas instâncias e presidentes de entidades da
administração autárquica e de fundações. A Articulação Brasileira contra a
Corrupção e a Impunidade (Abracci), com o apoio do Movimento de Combate à
Corrupção Eleitoral (MCCE), criou o site http://www.fichalimpa.org.br/ que se propõe a ser “um instrumento de
controle social da Lei Ficha Limpa e uma ação de valorização do voto”, como
garantia da vontade popular de fazer seu representante apenas candidatos
probos.
Creio que nós estamos “passando a limpo”
nossa própria idoneidade de pessoas honestas. O servidor público que leva de
sua repartição grampos ou papel para impressão para uso próprio, acha que essa
atitude não representa um ato de corrupção. Chegou o momento de nos
conscientizarmos de que se a coisa pública integra a “minha bolsa” convém admitir
a aplicação da ficha limpa também para nós mesmos.
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