Nosso tropismo pelo carnaval é mais amplo do que é possível pensar observando os desfiles de blocos e escolas de samba em diversas cidades. Há uma “carnavalidade” também na politica. E é um fenômeno historico. Quando da indepêndencia, já eramos carnavalescos a ponto de seduzir o primeiro imperador. Mas a adoção do samba, um ritmo que se formou com os negros escravos, derivado do batuque, deu uma roupagem toda especial à festa. É comum dizer para os problemas não resolvidos que “vão dar samba” (sinonimo do hoje “vai dar em pizza”). E a explicação está nas letras das músicas colocadas desde o século XIX que criticavam governos e posturas.
É muito rico
o repertório carnavalesco de critica politico-social. E o ritmo lançado no
carnaval não é só o samba: é também (e talvez em maior numero) a marcha. Na Primeira
Republica tivemos, por exemplo, uma alusão ao presidente Washinton Luís
cantando: “Dr Barbado foi se embora e deu o fora,/(e o coro:) Não volta mais
(bis)”
Getulio
Vargas teve mais sorte. O Estado Novo ganhou simpatia pelas medidas de proteção
ao trabalhador. E isso levou a cantar, quando o ditador foi obrigado a deixar o
governo: ”bota o retrato do velho outra vez/bota no mesmo lugar/o sorriso do
velhinho faz a gente se animar”.
O periodo de
Juscelino Kubitschek, na Presidência da República confundiu-se, em música de
carnaval, com a inauguração de Brasilia. Cantou-se: “...Palacio da Alvorada
bossa nova/de uma nova Canaã/Brasil que trabalha/Brasil de amanhã/ Brasil que
se levanta/Brasil de JK.....”
A ilusão de
Janio Quadros foi levantada a partir do emblema da campanha desse candidato a
presidencia: “Varre, varre, varre, varre vassourinha/ varre, varre a
bandalheira...”
Jango não
chegou a dar samba e os militares que o sucederam deram menos. O que se cantou
no carnaval foi de encomenda ou de bajulação, apoiando os lemas dos governantes
(“Pra Frente Brasil”, por exemplo). A redemocratização custou a ganhar um
ritmo. “Lu-la-lá” seria a próxima música (ou o “Vermelho, vermelhaço, vermelhão”..na
voz de Fafá de Belém). Mas isto não quer dizer que ritmos diferentes de ação
politica estivessem de fora do “repertório” popular. Mesmo sem entoar sambas ou
marchas, o povo assistiu a “danças de cadeiras”, de posturas, de idéias e
reprimendas. O confisco da poupança do governo Collor e a consequente (por
denúncia de corrupção partida do próprio irmão do presidente) geraram uma das
maiores concentrações populares da historia nacional: o comício pelo
“impeachment”. Replay ampliado do que foi visto anos antes pelas “eleições
diretas já” ou o fecho da ditadura implantada a partir da deposição de João
Goulart, o vice do renunciante Jânio. Muitas CPIs, muitas mudanças em governos,
e hoje o povo aprendeu que se tudo pode dar samba este samba pode estar de
acordo com o que o povo pensa, sente e deseja.
O pitoresco
no “país do carnaval” é que a contravenção patrocinou desfiles de alegorias (o
caso do “Jogo do Bicho”) e um paparazzi chegou a tirar uma foto de um Presidente,
num desses prestigiados desfiles carnavalescos, ao lado de uma “vamp” sem
calcinha. O brasileiro não perdeu o humor com os chamados “anos de chumbo”.
Depois das torturas, da censura que proibia músicas (carnavalescas ou não), livros,
peças de teatro e filmes, ele continuou cantando. E os “sujos”, os mais
espontâneos carnavalescos, ainda continuam vestindo caricaturas de politicos e
satirizando posturas. Isso vem desde “o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta
mais” . Para manter o título de “país do carnaval” é preciso a exibição da
alegria. Felizmente ainda se canta para manter esse patamar. É parte de nossa índole,
de uma feição cômica advinda da miscigenação a partir de coloniozadores que não
resistiam a encantos de outras etnias. Apesar de Lamartine Babo evidenciar a
discriminação naturalizada (“e como a cor não pega mulata/(...)”, também ouvia-se
“linda morena/morena que me faz penar/ a lua cheia/que tanto brilha/não brilha
tanto quanto o teu olhar!”.
O humor
brasileiro ganha gerações e desafia o futuro. Como dizia Moacyr Fenelon na
abertura de seu último filme, “Tudo Azul”(1951), ele “não ri da desgraça
alheia/mas da própria desgraça”.
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