Elizabeth
Loftus, psicóloga da Universidade da California escreveu que “todos somos
susceptíveis a lembranças de algum nível “ referindo-se aos casos chamados de
“síndrome de falsas memórias”. É comum você pensar num filme ou num livro que
viu/leu há muitos anos e se decepcionar com a revisão quando encontra
imagens/textos diferentes. Há pouco assisti a um documentário sobre a
necessidade de preservação de filmes, tarefa que o cineasta norte-americano Martin
Scorsese abraçou com o seu amor pelo cinema, exaltando o trabalho de
recuperação aplicado ao filme ingês “Os Sapatinhos Vermelhos”, cujo destino era
a deterioração com as cores esmaecidas. Diz esse pesquisador-cineasta,
endossado pelo seu colega Clint Eastwood, que boa parte dos filmes realizados
antes de 1950 já se perderam. E isso nos EUA. Aqui no Brasil, o drama na área
do cinema é muito maior e alguns filmes populares como “Carnaval no Fogo”(1949)
não puderam ser restaurados por ausência do material gravado.
O
tema “memória” cabe hoje em vários aspectos da política pública. Prédios
históricos de diversas cidades do país tombam até mesmo antes de serem
burocraticamente tombados. Não é só o caso dos edifícios que desabaram no Rio.
Nosso centro histórico sofre na luta contra o tempo e boa parte está perdendo
essa luta. Todos sabem que há necessidade de intervenção do poder público para
a recuperação desses documentos de uma época, mas a lentidão de processos que
providenciem reformas capazes de preservar esses tesouros do passado acaba por
compartilhar com o desgaste natural que o passar dos anos oferece. E com isso
propiciar falsas memórias.
Muitas
pessoas incluindo-se ai gestores das cidades brasileiras acham que “não se deve
perder tempo e dinheiro “com as obras do passado. Mas a História é a base de
nossa cultura, é o que faz a nossa diferença, nos caracteriza e explica nossa
identidade, o que fomos, como devemos fazer. Nas várias redes sociais capta-se insistentemente
a célebre frase lamentando que um país sem História perde suas referências. E a
riqueza do passado é às vezes desconhecida da geração presente.
Arquitetura,
urbanização, artes plásticas, literatura e cinema precisam daquele olhar para
trás que alguns autores, de diversas áreas acharam importante como forma de
estudar o presente. No caso de Belém: a nossa cidade é conhecida como a “Cidade
das Mangueiras”. Muitas dessas árvores, plantadas no inicio do século passado
pelo intendente Antônio Lemos, tombam a cada período de chuvas por falta de uma
política de proteção e preservação desse nosso patrimônio histórico e público. Se
essas árvores têm um tempo de vida útil, se houvesse uma política real de
avaliação desse nosso patrimônio integrado ao meio ambiente da cidade haveria
meios de avaliar esse período,
acompanhar a infiltração de “ervas de passarinho”, a baixa qualidade de vida
que acarretam os entulhos perto de suas raízes, cortes indevidos nem sempre
orientados por técnicos e especialistas, sendo mais aproximados a lenhadores inescrupulosos
pouco afeitos a observar os danos provocados por seus machados. Não é, portanto,
um mau agouro pensar que dentro de mais alguns anos a capital paraense terá de
usar outro adjetivo para fixar-se na lembrança nacional (ou internacional).
Nessa
baixa dimensão da preservação do nosso patrimônio, muitos prédios do passado já
desapareceram. Alguns, felizmente, sofreram reformas e se apresentam às novas
gerações. Mas nem sempre o valor histórico é ressaltado por quem reforma ou
pela mídia. É preciso pontuar a memória, pois a citada síndrome de falsidade
pode ocorrer e um prédio antigo ser catalogado como pertencente a um período
que não foi o de sua construção ou o seu auge.
Nossas
ruas e travessas abertas em períodos onde existiam, por exemplo, bondes ou mesmo
carruagens, entram no cenário urbano moderno apresentando as dificuldades de
encaixe num tempo em que as motos tomaram a vez desses tipos de transporte. O
ideal seria preservar esses espaços livrando-os do tráfego moderno, fazendo
compreender que veículos dotados dos mais novos artifícios de condução
precisariam de outras vertentes para chegar aos seus destinos. Se não podemos ter
um metrô subterrâneo, por que não um de superfície estimulando o transporte
coletivo em áreas cada vez mais estreitas ao correr de automóveis e ônibus? E
os viadutos no centro? Não adianta pensar apenas em moradas distantes se a sede
do trabalho de grande parte da população permanece nas áreas centrais. É
preciso dar condições para o presente passar pelo passado sem afetá-lo e
beneficiar a qualidade de vida dos cidadãos. O antigo e o novo teriam o mesmo
efeito sem afetar o cotidiano da cidade.
As
redes sociais têm circulado a denúncia da Associação dos Agentes de Patrimônio
da Amazônia (ASAPAM) sobre o Palacete Vitor Maria da Silva (Veiga Cabral com
Presidente Pernambuco), também conhecido como Casarão do Ferro de Engomar que
está sendo vítima de “depredação e ação de meliantes que invadem seu espaço
para roubar seus painéis de azulejaria criados por A. Arnoux e Boulanger &
Cie”. Haverá, inclusive, no domingo, às 10 h um ato público em frente a esse
prêdio para suscitar o poder público a investir em garantias a esse patrimônio.
Finalmente,
penso no centenário do cinema Olympia, salvo pela Prefeitura Municipal quando
seu proprietário queria transformá-lo em um espaço morto. Com processo de
tombamento correndo desde 2002, pergunta-se: sobreviverá até a conclusão do processo?
(Texto originalmente publicado em "O Liberal" em 03/02/2012)
Nenhum comentário:
Postar um comentário