Na sexta feira, 7 de outubro, o mundo amanheceu com a indicação de três mulheres agraciadas com o Prêmio Nobel da Paz: a presidente liberiana Ellen Johnson Sirleaf que desde 2006 foi eleita a primeira mulher para a presidência da república africana subssariana (e se acha em pleito eleitoral para a reeleição), tendo como desafio a união de seu país após as guerras; a ativista Leymah Gbowee, também liberiana, que juntamente com a presidente atuou na mobilização das mulheres contra as duas guerras civis (1989-1996 e 1999-2003) que devastaram o país sendo ambas responsáveis pela restauração da confiança em suas instituições. A outra agraciada foi a jornalista iemenita Tawakkul Karman pelo ativismo político em defesa dos direitos humanos no Iêmen, organizando manifestações contra o governo desde 2007 e opondo-se ao regime do presidente Ali Abdullah Saleh que desde janeiro deste ano se acha pressionado a deixar o poder no contexto da chamada Primavera Árabe.
Nas justificativas para a concessão do Nobel da Paz 2011, disse o presidente do comitê, Thorbjöern Jagland: “Não podemos alcançar a democracia e a paz duradoura no mundo a menos que as mulheres alcancem as mesmas oportunidades que os homens para influenciar o desenvolvimento em todos os níveis da sociedade”.
Esse reconhecimento não se dá por acaso. Nem é uma declaração que tenha argumentos infundados ou para nutrir jargões. Secularmente as mulheres enfrentam os modelos e representações sociais que as discriminam, intentam mudar os parâmetros da desigualdade a que são submetidas mostrando que suas possibilidades de melhorar o mundo e alcançar a paz caminham na mesma intensidade com que se entregam às atividades do lar e da maternidade em duplas, triplas ou mais jornadas de trabalho. As tarefas do espaço privado são tomadas como o seu “lugar permanente”. Nesse aspecto, a explicação a essa situação é dada pela condição biológica e não pelas relações de gênero culturalmente construidas em hierarquias de poder. Geram-se as máscaras sociais que determinam os papéis sempre explorados como sendo sua destinação histórica e a sociedade reforça-os apontando esse detalhe como causa de sua inferioridade. Ao lutarem para emancipar-se são vistas como perigosas e a velha moral se mantém e define quem é quem na cadeia da moralidade, constituindo rótulos para as supostas “boazinhas” e/ou as “vadias”. Mas o mundo está mudando de tanto as mulheres insistirem em mostrar a sua cara, enfrentando as raízes da desigualdade e conquistando espaços que pareciam fugir para outros, embora já apelassem secularmente pelo fim das guerras que devastam as nações e levam os seus filhos (agora as filhas) para a boca do canhão e as minas explosivas.
Tratando sobre o prêmio Nobel, este foi instituído a partir da herança milionária de Alfred Nobel (1833-1896), engenheiro, filho de família abastada que estudou em S. Petersburgo e, juntamente com o italiano Ascanio Sobrero, descobriu a nitroglicerina, mais tarde transformada em uma pasta pelo próprio Alfred, o que significou a dinamite. Com este explosivo o cientista aumentou sua fortuna, ao mesmo tempo em que se entristeceu ao ver que seu invento contribuía para destruição em massa. Por isso mesmo deixou em testamento que uma instituição criada com seu nome distribuísse anualmente prêmios a pessoas que contribuíssem para o bem da humanidade nas áreas de Química, Física, Medicina, Literatura, Economia e Paz.
Desde que o premio foi instituído, em 1901, a maioria dos agraciados foi masculina. A polonesa Marie Curie ( nascida Skłodowska) foi a primeira mulher a ganhar duas vezes este prêmio em área científica, no caso, referente às áreas da Física e Química (divididos com seu marido Pierre Curie). Nos mais de cem anos de premiações, as mulheres apareceram muito mais no campo de Literatura. Mas o Nobel da Paz, dado a partir de pesquisa do Parlamento Norueguês, já somam 15 contempladas. Foram: Bertha Suttner em 1905, Jane Addams em 1931, Emily Greene Balch em 1946, Betty Williams em 1976, Mairead Corrigan também em 1976, Madre Tereza de Calcutá em 1979, Alva Myrdal em 1982, Aung San Suu Kyi em 1991, Rigoberta Menchú Tum em 1993, Jody Williams em 1997, Shirin Ebadi em 2003,Wangari Willliams em 2007 e agora as duas africanas Leymah Gbowee e a iemenita Tamakkul Karman.
É interessante observar que essas mulheres conseguiram espaço em um cenário preponderantemente masculino. Os homens são maioria entre os votantes e a maioria histórica entre os premiados. Note-se também que é crescente o número de mulheres ganhadoras do Nobel. Não só na área do prêmio consagrado à Paz como em outros que antes diziam respeito apenas a pesquisadores homens, como a área da Medicina, da Economia, por exemplo. Chega a ser emblemático o recorde de Marie Curie, e ainda mais pelo fato de a sua filha mais velha, Iréne, ter ganhado o prêmio de Química em 1935, ano seguinte ao da morte de sua mãe.
A ascendência feminina no terreno que de alguma forma dizia preconceito de gênero é flagrante. E quando se trata da Paz ela atende a uma amplitude do que pensou Alfred Nobel. Se a idéia de premiar quem contribuía para o bem da humanidade vinha para dissipar a imagem de quem criou um explosivo, o reconhecimento da capacidade da mulher ganha foro de uma hegemonia na luta pela sobrevivência da espécie. Ou um mundo realmente melhor.
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