sexta-feira, 20 de maio de 2011

HOMOFOBIA








A decisão do STF em reconhecer, por unanimidade, a união estável de pessoas do mesmo sexo gerou, como se esperava, intensa polêmica. A questão envolve história, religião, psicologia, Direito, além de ramos da ciência médica. Mas, acima dessas áreas há o fator cultural que subjaz na permanência das normas sociais dominantes da heterossexualidade.

No campo religioso há certas interpretações dadas a textos bíblicos. Os que defendem a isenção de uma condenação veemente ao homossexualismo buscam bases em traduções incorretas do Velho Testamento. Partem do fato de o mais antigo texto em grego arcaico, não apresentar vogais. Muitas frases teriam sido complementadas pelos tradutores sem observar uma exploração ipsis-litteris. Chegam aos versículos do Novo Testamento onde procuram impor os valores advindos da única forma tolerada do sexo, ou seja, a do modo de procriação.

Na concepção espírita cabe a explicação no processo de reencarnação, com almas arraigadas a um sexo que encarnam em outro e por isso constroem uma tendência de comportamento gonadal. Mas não deixam de situar que “(...) são criaturas em expurgo de faltas passadas, merecedoras de compreensão e, sobretudo esclarecimento”.

Nos bastidores da ciência médica cabem estudos recentes do comportamento dos hormônios no ser humano, especialmente da testosterona, conforme a neurologista Anne Moir da Universidade de Oxford publicado na revista “Época”:
“O sexo do cérebro é determinado pela quantidade de testosterona [hormônio masculino] a que o feto fica exposto no útero. Em geral, homens recebem doses maiores do que as mulheres. Mas isso varia e nós ainda não sabemos exatamente por quê”.

Moir continua: “durante o desenvolvimento dos seres humanos, como o homem era o caçador, desenvolveu um cérebro com habilidades manuais, visuais e coordenação para construir ferramentas. Por isso, um cérebro masculino tem mais habilidades funcionais. Já as mulheres preparavam os alimentos e cuidavam dos mais novos. Elas tinham que entender os bebês, ler sua linguagem corporal e ajudá-los a sobreviver. Elas também tinham que se relacionar com as outras mulheres do grupo e dependiam disso para sobreviver na comunidade e, por isso, desenvolveram um cérebro mais social”.

Quem defende a genética como causa do homossexualismo aponta desvios na formação do embrião, e aqui lembro a alegoria colocada no filme “Minha Vida em Cor de Rosa”(Ma Vie em Rose/França,1997) de Alain Berliner. Numa seqüência, os cromossomas do menino que adora se vestir de mulher voam em direção ao útero materno com o “y” caindo para fora sendo substituído por outro “x” (o sexo, legado pelo pai tem dois “x” para o masculino e um “x” e um “y” para o feminino). É a forma de explicar o comportamento do garoto Ludovic, no caso, uma criança em busca de uma identidade sexual porque estava em dúvida do pertencimento à imposta.

Sob o ponto de vista legal, “Desde setembro de 1997, no Brasil, com a resolução do Conselho Federal de Medicina CFM 1482/97, as cirurgias de redesignação de sexo foram autorizadas a título experimental e quando realizadas em hospitais universitários ou públicos com a infra-estrutura própria à pesquisa, passando a ser tal procedimento considerado como ético diante da ética médica” (Silvério da Costa Oliveira, psicólogo, mestre em psicologia UFRJ).

O mesmo autor prossegue: ““Em anos recentes o homossexualismo deixou de ser considerado pela medicina e pela psicologia como uma patologia e passou a ser entendido como um comportamento sexual natural e um estilo de conduta”. E em seguida: “A Associação Médica Americana e outras entidades prestigiosas não mais consideram a homossexualidade como manifestação de qualquer doença. Desde o DSM III - Manual de Diagnóstico e Estatística - a homossexualidade masculina ou feminina deixou de ser considerada como perversão e passou a ser vista como estilo de comportamento. Além disto, cabe destacar que desde as publicações de Kinsey, em 1948 e 1953, sobre o comportamento sexual do humano macho e fêmea, não é adequado por parte dos profissionais de saúde que trabalham especificamente com a sexualidade, empregar os termos heterossexual e homossexual para designar pessoas, tais termos devem ficar restritos a comportamentos, entendendo que um mesmo indivíduo pode apresentar comportamentos heterossexuais e homossexuais no decorrer de sua história de vida”.

A homofobia parte não só da não aceitação do casamento (não apenas o institucional, mas da vida em comum) de pessoas do mesmo sexo como da alimentação de uma forma de preconceito. Seria a exacerbação de uma natureza que resiste em acatar pessoas de etnias diversas e/ou de comportamento social diferente.
Coretta Scott King definiu esse modo de ser: "A homofobia é como o racismo, o anti-semitismo e outras formas de intolerância, na medida em que procura desumanizar um grande grupo de pessoas, negar a sua humanidade, dignidade e personalidade”.

Hoje, o Brasil testa a aceitação da união homoafetiva. Os contestadores aparecem, mas este novo modo de avaliar o processo de orientação sexual nas relações humanas tomou um novo nível, quebrou normas sociais inquisitoriais, embora a decisão do STF não tenha força de lei. Sendo uma decisão do poder judiciário deverá seguir, obrigatoriamente, as instâncias decisórias sobre a questão. Contudo, a brecha está aberta a partir desta decisão, visto que deverá ser aplicada nos processos com trâmite nessa instância de poder.

Das brechas surgem as evidências de marcadores sociais preconceituosos que formaram a nossa democracia e, esta, se alimenta da discriminação étnica e/ou quem mais seja diverso de um determinado parâmetro, o que leva a acreditar na perenidade de comportamentos bestiais que deixaram na história capítulos lamentáveis como o nazismo.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal" em 20/05/2011. A figura foi extraída de http://www.culturamix.com/)


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