(Recebi
novo texto para publicação no blog).
De: Joana Dulce
Estou na meia idade. Situação social e econômica estável, frutos de
trabalho de anos a fio...
Trago a “ferida” de um cataclismo. Já quase cicatrizada devo dizer: o
casamento de trinta e seis anos que terminou há três. Mas, no sofrimento que
seguiu, me deixei rever de mim, da espiritualidade rasa à autoestima sempre
baixa... Tive amigos que não me facilitaram a trégua da auto piedade, me
falaram duro pra buscar um lado construtivo “das voltas que a vida dá”.
Hoje me acho bonita. Pra mim, uma revolução! Claro que procuro não
esquecer que beleza, saúde, disposição... tudo é graça... não mérito. De todo
modo, nessa descoberta de que tenho um estoque de encantos, a dança tem lugar
de honra. Recomendo a todo mundo! E não é que por essa via da dança, a vida me
ofereceu há alguns dias, um encontro de amor, ardor e sexo em belíssima
expressão? Em outro texto, pretendi registrar o incomensurável dessa chegada.
Se posso representa-la com imagens, foi como cachoeira caindo em riacho, maré
de lua subindo a foz, autoestrada cruzando vicinal. Mas, de preço alto! É
encontro passageiro, não dá pra segurar. E agora, vivo as “veredas do adeus” de
que falam Almir Sater e Renato Teixeira na música “O amor tem muitas
maneiras”.
Hoje, portanto, é hora da descontinuidade. Mais um aprender preciso: o
saber viver a intensidade dos momentos, sem prender o que “anda a esmo”, como
diz o poeta Emanuel Matos em “Outras saudades”. Para mim, solteira, vivendo
socialmente o que a classificação da faixa etária implica, desapegar é lição
urgente, curso intensivo sem direito à segunda chamada, ou reprovação. Tenho
amigas bem mais a frente nesse curso!
Nesse aprender, quero registrar memórias do meu amante passageiro, quem
sabe rever em outros tempos. Também me move o desejo de dividir o tesouro que
desfrutei. Mostrar a caixa de joias que só eu tive. Então, antes de esquecer,
preciso escrever esse amor paixão...
Primeiro, foi o seu jeito de olhar. Ele mira recônditos, percorre
sinuosidades do corpo, vê charmes em gestos sobre os quais eu sequer
perguntaria: o que tem aí? Ele é dono, então, do que eu imagino ser uma
habilidade milenar dos bons amantes, que é saber revelar para o amado graças e
surpresas, a ponto de revirar o olhar do outro sobre si mesmo. Porque ele se
permite essa liberdade de ver essas coisas. E, assim, dono de uma segurança no
olhar erótico - no sentido pleno desta palavra - ele também junta conselhos.
Não há na voz indício de elogio fácil, romantismo barato... Ao invés, é
admiração genuína, surpresa quase infantil pois espontânea... Assim, da
sugestão da cor que me cai bem, ao riso por notar um meandro na perna ou o
molejo da cintura... O cheiro, o gosto, traços não escapam à sua mirada... ele
é como um escultor da amada...
Esse amante é uma alma leve. Anota fascínios. Com quantos outros o faz?
Pergunta sem juízo! Não cabe fazer. Com ele, enfim, compreendo tantas músicas
que falaram do perfume que os amantes se deixam. Senti sua presença como uma
forma de arte, maestria do encontro, sensualidade que arrebata.
Contudo, como é amor passageiro, encontra seres carentes, que querem
ceder à tentação do apego e da posse. Assim, sua chegada não é para muito
frágeis. É de risco. Requer abertura de espírito e, na medida do possível,
aprendizado rápido. Esta, sem dúvida, a melhor solução.
Eis que agora pareço querer sofrer porque a estrela se foi, já virou a
maré. Uma dor se insinua. Mas, se a sabedoria das belezas me ensinar, se os
versos de muitos amantes me inspirarem, saio dessa viagem maior do que
embarquei... Porque, como aprendi com ele, demos e recebemos um do outro.
Ressoam de novo em mim palavras de “Quase nada”, de Zeca Baleiro, que
elegi a música de nosso affair:
De você
sei quase nada, pra onde vai, ou por que veio. Nem mesmo sei qual é a parte da
tua estrada, no meu caminho. Será um atalho, ou um desvio, um rio raso, um
passo em falso, um prato fundo, pra toda fome que há no mundo. Noite alta que
revele, o passeio pela pele...
Com meu jovem amante vivi um atalho, um desvio, um prato fundo e um
passeio pela pele! Nunca um passo em falso, muito menos um rio raso. Nossa
história foi breve. Claro que eu queria mais. Mas isso também não me diz
respeito. Só viver e prosseguir.
Gratidão
sempre!
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