sexta-feira, 18 de novembro de 2016

OPINIÃO - O AMANTE PASSAGEIRO SE VAI



  

(Recebi novo texto para publicação no blog).
 De: Joana Dulce


Estou na meia idade. Situação social e econômica estável, frutos de trabalho de anos a fio... 

Trago a “ferida” de um cataclismo. Já quase cicatrizada devo dizer: o casamento de trinta e seis anos que terminou há três. Mas, no sofrimento que seguiu, me deixei rever de mim, da espiritualidade rasa à autoestima sempre baixa... Tive amigos que não me facilitaram a trégua da auto piedade, me falaram duro pra buscar um lado construtivo “das voltas que a vida dá”. 

Hoje me acho bonita. Pra mim, uma revolução! Claro que procuro não esquecer que beleza, saúde, disposição... tudo é graça... não mérito. De todo modo, nessa descoberta de que tenho um estoque de encantos, a dança tem lugar de honra. Recomendo a todo mundo! E não é que por essa via da dança, a vida me ofereceu há alguns dias, um encontro de amor, ardor e sexo em belíssima expressão? Em outro texto, pretendi registrar o incomensurável dessa chegada. Se posso representa-la com imagens, foi como cachoeira caindo em riacho, maré de lua subindo a foz, autoestrada cruzando vicinal. Mas, de preço alto! É encontro passageiro, não dá pra segurar. E agora, vivo as “veredas do adeus” de que falam Almir Sater e Renato Teixeira na música “O amor tem muitas maneiras”. 

Hoje, portanto, é hora da descontinuidade. Mais um aprender preciso: o saber viver a intensidade dos momentos, sem prender o que “anda a esmo”, como diz o poeta Emanuel Matos em “Outras saudades”. Para mim, solteira, vivendo socialmente o que a classificação da faixa etária implica, desapegar é lição urgente, curso intensivo sem direito à segunda chamada, ou reprovação. Tenho amigas bem mais a frente nesse curso! 

Nesse aprender, quero registrar memórias do meu amante passageiro, quem sabe rever em outros tempos. Também me move o desejo de dividir o tesouro que desfrutei. Mostrar a caixa de joias que só eu tive. Então, antes de esquecer, preciso escrever esse amor paixão... 

Primeiro, foi o seu jeito de olhar. Ele mira recônditos, percorre sinuosidades do corpo, vê charmes em gestos sobre os quais eu sequer perguntaria: o que tem aí? Ele é dono, então, do que eu imagino ser uma habilidade milenar dos bons amantes, que é saber revelar para o amado graças e surpresas, a ponto de revirar o olhar do outro sobre si mesmo. Porque ele se permite essa liberdade de ver essas coisas. E, assim, dono de uma segurança no olhar erótico - no sentido pleno desta palavra - ele também junta conselhos. Não há na voz indício de elogio fácil, romantismo barato... Ao invés, é admiração genuína, surpresa quase infantil pois espontânea... Assim, da sugestão da cor que me cai bem, ao riso por notar um meandro na perna ou o molejo da cintura... O cheiro, o gosto, traços não escapam à sua mirada... ele é como um escultor da amada... 

Esse amante é uma alma leve. Anota fascínios. Com quantos outros o faz? Pergunta sem juízo! Não cabe fazer. Com ele, enfim, compreendo tantas músicas que falaram do perfume que os amantes se deixam. Senti sua presença como uma forma de arte, maestria do encontro, sensualidade que arrebata.

Contudo, como é amor passageiro, encontra seres carentes, que querem ceder à tentação do apego e da posse. Assim, sua chegada não é para muito frágeis. É de risco. Requer abertura de espírito e, na medida do possível, aprendizado rápido. Esta, sem dúvida, a melhor solução. 

Eis que agora pareço querer sofrer porque a estrela se foi, já virou a maré. Uma dor se insinua. Mas, se a sabedoria das belezas me ensinar, se os versos de muitos amantes me inspirarem, saio dessa viagem maior do que embarquei... Porque, como aprendi com ele, demos e recebemos um do outro.

Ressoam de novo em mim palavras de “Quase nada”, de Zeca Baleiro, que elegi a música de nosso affair

De você sei quase nada, pra onde vai, ou por que veio. Nem mesmo sei qual é a parte da tua estrada, no meu caminho. Será um atalho, ou um desvio, um rio raso, um passo em falso, um prato fundo, pra toda fome que há no mundo. Noite alta que revele, o passeio pela pele...

Com meu jovem amante vivi um atalho, um desvio, um prato fundo e um passeio pela pele! Nunca um passo em falso, muito menos um rio raso. Nossa história foi breve. Claro que eu queria mais. Mas isso também não me diz respeito. Só viver e prosseguir.

Gratidão sempre!


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