O Dia Nacional da Consciência Negra celebrada hoje,
20 de novembro, foi criado pelo Projeto-Lei número 10.639, no dia 9 de janeiro
de 2003 (Art. 79-B), estabelecendo “as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir, no currículo oficial da Rede de Ensino, a obrigatoriedade da
temática "História e Cultura Afro-Brasileira" (...)”. Nesse dia, no
ano de 1695, morrera Zumbi dos Palmares, o líder e chefe do mais famoso
quilombo da história da escravidão no Brasil. A sua morte, resistindo contra o
opressor branco, marcou a luta pela emancipação de uma etnia imposta como
escrava no Brasil desde os primórdios da colônia portuguesa na América.
A escravatura existiu desde a origem da
civilização. , Tratava-se de povos conquistados, prisioneiros de guerra,
escravizado por dívida, por pirataria ou por mau comportamento cívico, com
evidências ainda àqueles com características físicas e de língua diferente dos
conquistadores.
Em termos de Brasil, a escravidão iniciou-se na
primeira metade do século XVI, com a produção de açúcar. Os colonizadores
portugueses capturando os negros nas suas colônias na África utilizava-os no
trabalho nos engenhos de açúcar no Nordeste. Comerciantes de escravos,
mercadoria humana, escolhas entre os sadios, condições desumanas, mortes e
submissão aos grilhões de ferro nos porões fétidos dos navios negreiros e/ ou
quando nas senzalas eram acorrentados para evitar as fugas e submetidos a
torturas físicas são evidências de um passado infausto desse povo cuja vida
marcou a sua presença desde o Brasil Colônia. A história desse período é um dos
mais cruéis momentos da humanidade e deste país. Da compra da liberdade por alguns,
no Século do Ouro (XVIII) e da resistência política de outros, esse povo
conseguiu manter sua cultura, exercitar seus rituais e falar sua própria língua
ao organizar comunidades de quilombos.
Isto quer dizer que a abolição da escravatura tão
festejada não foi algo dado para eles. Eles lutaram para chegar até ela.
Historicamente se desenvolveu com a transição da Corte Portuguesa para o país e
do Tratado de Aliança e Amizade de 1810, época em que o príncipe regente se
comprometeu com a Inglaterra a abolir o tráfico negreiro. Esse tráfico só foi
extinto quarenta anos depois, com a aprovação da Lei Eusébio de Queiroz e teve
como reflexo a redução gradual da escravidão. Nessa época, o mundo conhecia as
primeiras teorias cientificas de base racista. Surgiu, por exemplo, o
“darwinismo social” e, no Brasil, começou a “preocupação com o branqueamento da
população”. Essa ideia que se desdobrava entre a radicalização da diferença
étnica, afinal um dos fatores da teoria nazista, e o estimulo à miscigenação
como um meio de “diluir a cor negra”, caminhou com seu flagrante confronto na
aceitação dos filhos de proprietários de terra com suas escravas. Segundo a
professora Mary Del Priore em um artigo denominado “Entre a Casa e a Rua”
(Revista “Aventura na História”/Ed. Abril), o conde Suzanet ,em 1825, afirmava
que “as mulheres brasileiras (...) casavam-se cedo, logo se transformando,
pelos primeiros partos, perdendo os poucos atrativos (...) e os maridos
apressavam-se em substituí-las por escravas”. Mas sabe-se que não era só assim.
Estas escravas eram estupradas, algumas mortas e a convivência com as
“matronas” brancas submetia-as a uma outra forma de opressão e castigo por
parte destas que se vingavam ao se sentirem em segundo plano na base de sedução
do marido.
O livro “A Cabana do Pai Tomás”(escrito em forma de
série, de 1850 a 1852) da escritora, filantropa e antiescravagista Harriet
Beecher-Stowe teve ampla repercussão no processo de abolição da escravatura na
América do Norte. Há versões de que esse livro ajudou na declaração da Guerra
da Secessão rebelando, naquele país, o sul escravocrata. A autora foi vista
como emblema do Partido Republicano que abraçou a causa do abolicionismo e o
livro, por ser impulsionador da liberdade étnica, foi muito lido pelos donos de
escravos, inclusive no Brasil. As mulheres desses comerciantes &
industriais, especialmente na zona rural, tinham “A Cabana...” como leitura
predileta. Isso valeu uma citação no romance “Sinhá Moça” (1950), de Maria
Dezone Pacheco Fernandes, uma visão romântica do abolicionismo.
Mas, sabe-se que não foi fácil extinguir o estigma
da escravidão a partir de um juízo de graus de etnia. O movimento abolicionista
surgiu com o Iluminismo no século XVIII. O legado brasileiro da emancipação do
negro contou com a colaboração de nomes famosos nas artes e letras. O poeta
baiano Castro Alves chegou a bradar: “Não pode ser escravo/ quem nasceu no solo
bravo/da brasileira região”. O pernambucano Joaquim Nabuco impulsionado pela
experiência na infância, com escravos, lançou a obra “O Abolicionismo”, em
1883. José do Patrocínio, filho de um padre com uma negra, fez campanha contra
a escravidão ao lado de Ruy Barbosa, Teodoro Sampaio, Aristides Lobo, André
Rebouças e outros. Mesmo assim, com tantos nomes de vulto, inclusive políticos,
dedicados ao abolicionismo, o Brasil foi o país que mais demorou em libertar
oficialmente escravos. Havia forte pressão, especialmente dos proprietários
sediados no campo. D. Pedro II temia um quadro bélico semelhante ao que
aconteceu na América do Norte do governo Lincoln. Mas a Câmara era a favor da
lei que afinal foi assinada pela filha de D. Pedro, a princesa Isabel, na sua
fase de governante provisória em 1888.
Evidenciar o processo escravo e eliminá-lo das
injunções econômicas através de leis e decretos foi um aspecto da luta pela
libertação dos negros. O outro foi e tem sido introduzir a questão como
elemento de conscientização antirracista, haja vista que desde muito, em
especial do século XVII a XIX na Europa e no Brasil houve forte presença das
teorias raciais com base cientifica demonstrativas da essencialidade do
fenótipo africano onde a negrura era uma evidencia da degeneração da raça
humana.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco) patrocinou um conjunto de pesquisas sobre as
relações raciais no Brasil, no início da década de 1950. Esse projeto
associava-se à agenda antirracista dessa instituição internacional que desde o
final dos anos quarenta, estava impactada pela Segunda Guerra Mundial, quando o
nazismo estimulou a grave exacerbação da degenerescência da mestiçagem humana
pelo cientificismo sobre a raça ariana. Como àquela altura o Brasil apresentava
imagem positiva em termos de relações inter-raciais se comparado aos EUA e o
apartheid da África do Sul, este país se tornava um “laboratório” para
"determinar os fatores econômicos, sociais, políticos, culturais e
psicológicos favoráveis ou desfavoráveis à existência de relações harmoniosas
entre raças e grupos étnicos".
Mas essa questão também era política e existencial
para intelectuais negros organizados no período. Experiências mobilizadoras
traduziram o outro lado da situação vindo dos movimentos negros que se formavam
no país alguns encabeçados por esses personagens.
A promulgação da Constituição de 1988 marcando o
período de redemocratização do Brasil apontou para as demandas de discussões e
de avanços nas decisões políticas reivindicadas pelos vários segmentos da
sociedade, os movimentos sociais e o Movimento Negro. Assim, “A lei de preconceito
de raça ou cor (nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989) e leis como a de cotas
raciais, no âmbito da educação superior, e, especificamente, na área da
educação básica, a lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que instituiu a
obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira, são exemplos
de legislações que preveem certa reparação aos danos sofridos pela população
negra na história do Brasil” (http://www.brasilescola.com/ ).
Hoje a luta pelas rupturas do preconceito racial
tem várias vertentes. E ainda há luta pela extinção do preconceito racial. Se
Affonso Arinos lançou a lei que considera crime o racismo, muitos outros
processos se institucionalizaram para a subversão das crime o racismo e muitos
espaços como as universidades abrem vagas para negros e negras, a inserção no
mercado de trabalho e valorização da cultura, a luta pela consciência do povo
negro por sua identidade tem sido uma forma de militância dos grupos
constituídos por agendas de demandas pelos direitos humanos.
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