Às vezes, me deparo
com algumas cobranças pessoais ao supor que não tenho feito o “dever de casa”
da antiga função de opinar sobre os filmes e/ou temáticas sociais. E sinto que
as horas do dia são as mesmas, os programas de assistir aos filmes são ainda
mais intensos, as ideias sobre o formato narrativo das produções são
cumulativos de contribuições e novos arranjos nos assuntos, e as comparações
com os tempos idos em que tudo “dava tempo” se tornam momentos de angústia
pessoal. Paro para pensar. Por que me cobro tanta coisa? Já não produzi tanto?
Já não apresentei as lições de acordo com o estabelecido?
Mas é o tempo das
amarras que impõem a culpa. Quando a idade chega e define quais prioridades
devem ser assumidas vemos que algumas funções que acumulávamos podem ser menos
tensas e, ao ariscarmos as mudanças, estas não sintonizam de imediato com a
disposição que queremos dar-lhes. E nesse confronto, um olhar mais distanciado
nos remete aos nossos ganhos e perdas, sendo um momento que devemos manter os
lucros porque já enfrentamos muitas travessias para avançar e garantir o êxito.
Se naquele momento não reconhecemos valores como a coragem, a ousadia, hoje
olhamos pra trás e pensamos: “como foi possível enfrentar essas dificuldades?
Fui eu, mesmo?”
Por que forçar o
espírito das coisas quando a realidade nos oferece tantos bens que podem
reacender as motivações da vida? São tempos diferentes vividos, assumindo as
práticas da idade. Ontem a infância nos lançou em várias frentes: na família,
na sociedade, na escola, na religião, e tudo o que circulasse fora dessas
instituições era motivo de controle. Que na adolescência tomava percurso
diferente porque as ideias do “eu sou o quê?” chamuscavam certezas recebidas
dos orientadores e nos faziam criar estratégias para fugir à submissão que nem
sempre era saudável. E na juventude e idade adulta as decisões se incluíam num
jogo de coragem firmando a capacidade de resolver sem hesitação os processos de
nossas próprias escolhas. Na ancianidade, a soma de todas as vivências atinge o
seu clímax e nos oferece a oportunidade de olhar ao redor e sentir que o
empoderamento foi construído nos vários percursos que foram dados, muitos deles
por caminhos desconhecidos. Muitas dúvidas, ainda. Mas na crença que podemos
avançar sempre procurando desatrelar os nós construídos em certos (des)valores
herdados de determinados estatutos sociais antiquados.
Se na época da nossa
formação de infância e juventude se desconhecia o preconceito social, sexual,
étnico, de gênero e tantos mais impingidos como “naturais” pelas instituições
que haviam tomado a frente da pedagogia humana submetida ao sistema patriarcal
dominante, a experiência que vem com a velhice deve transgredir essas regras e
criar meios de fugir de certa cultura tradicional que oferece a estabilidade do
status quo e violenta os direitos humanos. Há tantas posições hoje aquecidas
com o ranço do ódio dizendo-se religiosas ou procurando extrair de livros
bíblicos a definição de comportamento humano que não é possível enxerga-las
como benéficas. E o aprendizado prossegue intentando subverter o que é possível
para não cair nas amarras que só fazem mal.
No blog do Geledés (http://www.geledes.org.br/ ) um texto
interessantíssimo (“Por uma pedagogia antirracista desde a creche:
descolonizando as armadilhas da educação básica”) remete ao “que fazer”
quebrando vínculos com os preconceitos. Recorto um trecho para finalizar este
texto:
“(...) É necessário
que descolonizemos os “nossos ouvidos” do adultocentrismo permitindo olhar os
meninos pequenininhos e as meninas pequenininhas como sujeitos que criam e
recriam as relações sociais, bem como resistem a inúmeros enquadramentos normativos
estabelecidos para a manutenção das desigualdades sociais.” (...)
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