Maria da Penha Maia Fernandes
Em 7 de agosto
de 2006, o presidente Lula promulgou no Brasil a Lei 11.340/06, mais conhecida
com Lei Maria da Penha, ganhando este nome em referência à Maria da Penha Maia
Fernandes, que durante vinte anos denunciou e lutou para que seu agressor – seu
marido - fosse preso. Mas apesar de 100% das brasileiras conhecerem a Lei,
promulgada há nove anos, uma em cada cinco mulheres já foi espancada pelo marido,
companheiro, namorado ou ex. Segundo dados da pesquisa Data Senado realizada no
período de 24 de junho a 7 de julho, elas ainda se sentem desrespeitadas, sendo
as causas principais, o ciúme e a bebida (18%). Foram ouvidas 1.102 brasileiras
numa série histórica que já se acha em sua sexta sequência, tendo iniciado em
2005 e aplicada a cada dois anos, com mulheres de todos os estados do país.
O enfoque
mundial dado à violência contra a mulher revela-se uma questão das mais
importantes para a luta pelos direitos humanos e a mais crucial tentativa de
desmistificar as formas de relacionamento impositivo do controle masculino,
milenarmente tratado como condição “natural”, justificadas em normas sociais
baseadas nas relações de gênero, com valorização dos papeis masculinos em
detrimento do feminino. O resultante desta valorização é a criação de relações
assimétricas entre os dois gêneros fundantes – homem e mulher – que estabelece
um tipo de violência mais conhecida como violência doméstica.
Quando, em 1994, a Organização dos
Estados Americanos – OEA – realizou a Convenção de Belém do Pará (Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher) a
definição tomada como uma das cláusulas do documento assinado pelos
participantes foi a de que: “A violência contra as mulheres é uma manifestação
de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que
conduziram à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens
impedindo o pleno avanço destas últimas...”
Os estudos
sobre o exercício da violência contra a mulher têm centrado explicações sobre a
cultura da hierarquia de poder que domina a sociedade sendo legitimada pela
ideologia que criou papéis sociais com base nas diferenciações de sexo. “Os
papeis ensinados desde a infância fazem com que meninos e meninas aprendam a
lidar com a emoção de maneira diversa. Os meninos são levados a reprimir as
manifestações de emoção, amor, afeto e amizade, e estimulados a exprimir
outras, como raiva, agressividade e ciúmes. Essas manifestações são tão aceitas
que muitas vezes acabam representando uma licença para atos violentos” (portal
violência contra a mulher). Por outro lado, a organização do lar reproduziu o
confinamento feminino reforçando condições especificas para a esfera do privado,
onde a mulher reduziu-se a instrumento de reprodução da sociedade (por via
biológica), sendo o trabalho caseiro, na ordem da hierarquia social e
econômica, considerado a atividade menos importante. Nessa condição, a mulher
foi desviada de participação na vida pública e política, fornecendo-se apoios
coercitivos para a sua exclusão, na base de concepções ideológicas atreladas a
uma natureza que a configurava como frágil, sensível, pura, emotiva,
contrapondo-se à natureza masculina vista como racional, fria, inteligente e
forte. Dessa incursão ideológica fortalecida pela literatura, pelo saber médico
e pela cultura, criou-se um modelo distinto de homem e outro de mulher. Modelos
que deverão corresponder às funções esperadas desses cidadãos aos quais foram
atribuídos papéis específicos. A fuga desses modelos levará, muitas vezes, a
sessões de punição pelo que não foi seguido. E dessa forma, a penalização
manifesta-se pelos extremos de brutalidade e até de sadismo praticados contra a
mulher.
Além de ser
uma questão cultural, política, jurídica este problema é, também, um caso de
saúde pública. Muitas mulheres adoecem a partir de situações de violência em
casa.
A violência
doméstica ocorre numa relação afetiva, cuja ruptura demanda, via de regra,
intervenção externa; deriva de uma organização social de gênero que privilegia
o masculino; cria uma rotinização, contribuindo para a experiência da
“co-dependência e do estabelecimento da relação fixada. Rigorosamente, a
relação violenta se constitui em verdadeira prisão. Neste sentido, o próprio
gênero acaba por revelar uma camisa de força: o homem deve agredir porque macho
deve dominar a qualquer custo; e a mulher deve suportar agressões de toda
ordem, porque seu “destino” assim determina” (Saffioti (2000).
Mas o que tem
sido revelado pelas brasileiras em pleno ano de 2015?
Segundo a
pesquisa do DataSenado (http://www.senado.leg.br/
) a Lei Maria da Penha tende a possibilitar “a prisão em flagrante do agressor,
ou mesmo a prisão preventiva, quando houver indícios de ameaça à integridade
física da mulher. Além disso, medidas protetivas foram estabelecidas, como:
afastar o agressor do domicílio em situações de risco de vida da vítima, ou
ainda proibir que ele se aproxime da mulher agredida e dos filhos”. Contudo, se
em 2013, 35% das entrevistadas afirmavam que não eram tratadas com respeito no
Brasil, em 2015 43% consideraram que essa percepção ainda se observa,
possibilitando verificar uma piora de oito pontos percentuais. São as mais
idosas (52%) e as menos escolarizadas (53%) que tendem a perceber essa
situação, com as empregadas domésticas as que mais sentem falta de respeito
(59%), enquanto categoria profissional.
Mas se nos
anos anteriores as brasileiras acreditavam menos na proteção da Lei Maria da
Penha (66%) hoje houve um decréscimo desse percentual e somente 56% perceberam
não proteção com a aplicação da Lei.
Um dado bem
evidente é a referência percentual ao agressor – 49% apontaram o próprio marido
ou companheiro responsável pela violência praticada, seguindo-se a menção de
21% ao ex-namorado, ex-marido ou ex-companheiro. O namorado também está nesse
clima, com 3% denunciando-se vítimas deste tipo. Na contagem geral, a revelação
é assustadora: 73% das mulheres vítimas de violência doméstica “tiveram como
opressor pessoa do sexo oposto sem laços
consanguíneos e escolhida por elas para conviver intimamente”. E outro dado é
que desse grupo 26% ainda se acham convivente com seu agressor e 14% permanecem
nos estágios de violência.
Muito triste:
as mulheres serem tratadas dessa forma por cidadãos de um país!
(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 14/08/2015)
Importante expandir essas notas a todos os lares brasileiros.
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