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O
Código Penal Brasileiro em seu Artigo 213 (segundo a redação dada pela Lei nº
12.015, de 2009) é claro quando define que estupro é “constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou
permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena para esse crime
resulta em reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
Considerado
um dos crimes mais violentos, o estupro foi reconhecido pelo Poder Legislativo
como crime hediondo, ou seja, aquele que merece reprovação por parte do Estado
brasileiro, previsto expressamente na Lei nº 8.072 de 1990.
Se
há toda uma legislação criminal caracterizando esse crime de hediondo ao ser
definido desde o sentimento de constrangimento a alguém pela ameaça à sua
prática até a sua consumação (projetando-se para os atos derivados e
específicos), a avaliação desse artigo da lei, mesmo pelos não iniciados nos
estudos do Direito tende a demonstrar que ele aponta para dois momentos: a
incitação (planejamento para) e a ação (execução) desse ato planejado.
O
presente texto tem clara a dimensão de protesto e de denúncia considerando que
quem escreve é uma mulher e também uma militante dos direitos humanos que se
viu constrangida pela ofensa grave cometida por um suposto representante do
povo que teve seu mandato renovado em mais um exercício do cargo na Câmara de
Deputados, Jair Bolsonaro (PP/RJ), reconduzido pelos votos do Rio de Janeiro. A
ofensa grave foi dirigida a outra parlamentar, a deputada Maria do Rosário
(PT/RS) eleita pelo Rio Grande do Sul. O cenário da ofensa considerada
incitamento ao crime foi o plenário da Câmara de Deputados, ou seja, o espaço
que deve ser usado para as funções parlamentares destes que se consideram
eleitos para representarem o povo. O fato se deu no dia 9 deste mês derivado de
uma discussão sobre a proposta do deputado de redução da maioridade penal aos
infratores, em que Maria do Rosário é contrária contestando com veemência. No
que Jair Bolsonaro retrucou não ser estuprador, pois do contrário “se fosse,
não estupraria você, porque você não merece”. Essa mesma afirmação foi
reproduzida pelo deputado aos jornais que o entrevistaram.
Esse
fato levantou uma séria questão sobre o incitamento à violência sexual e alguns
órgãos estão se articulando para criar mecanismos de punição ao deputado, a
exemplo, a cassação de seu mandato. Na semana passada, o Conselho Nacional de
Direitos Humanos (CNDH), órgão vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência, solicitou à Procuradoria a abertura de uma ação contra Bolsonaro.
A justificativa da vice procuradora geral da República, Ela Wiecko, que
ofereceu denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) é que o deputado
"abalou a sensação coletiva de segurança e tranquilidade"
considerando o estupro como prática possível. Destaca: “Todas as mulheres devem
ter a segurança de que não serão vítimas de estupro, já que a prática é crime
previsto na legislação penal”. Acrescentou: “Ao dizer que não estupraria a
deputada porque ela "não merece", o denunciado instigou, com suas
palavras, que um homem pode estuprar uma mulher que escolha e que ele entenda
ser merecedora do estupro”.
O
PT, PCdoB, PSOL e PSB também entraram com representação contra Bolsonaro no
Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, solicitando a sua cassação do
atual mandato com os mesmos argumentos de incitação ao crime. A sociedade civil
através dos Movimentos de Mulheres e grupos feministas também se acha na luta
pela punição ao deputado. Há uma petição, na internet, com mais de 270 mil
assinaturas (até as 7h30 da quinta feira, 18) que defende a perda do mandato de
Bolsonaro, reeleito com 464.418 votos. O interesse é chegar às 500 mil
assinaturas.
Até
meados da década de setenta, sendo 1975 o Ano Internacional da Mulher declarado
pela ONU, havia a ideia de que em um caso de estupro, as mulheres eram
responsabilizadas de terem contribuído para que esse ato ocorresse, caso não
tivessem tentado resistir. Dessa forma, a mulher violentada, teria que provar
na polícia aonde ia dar queixa, que havia tentado resistir. Nessa época, a
feminista norte-americana Susan Brownmiller lançou o livro “Against Our Will:
Man, Women and Rape” cuja tese principal declarava que "crime de estupro
decorre de um processo consciente de intimidação da mulher pelo homem, a qual
se mantém, assim, em um permanente estado de medo. Perde, portanto, o caráter
de mero crime sexual violento para ganhar conotação política. O estupro se
torna uma forma de subordinação da mulher frente ao homem”. O resultado é a
formação de uma “ideologia do estupro”, estimulando a perspectiva de que há
benefícios a todos os homens devido a uma condição que evidencia a
superioridade masculina internalizando-se essas práticas e se transformando em
estado de terror. Segundo Susan Brownmiller esse ato de violência tenderia a ser
uma forma consciente de manter o medo e a intimidação entre as mulheres. Assim,
o estupro não seria desejo sexual, mas formas de violência, poder e opressão.
Esse livro, aliás, dá base significativa para entender a tendência de
justificar a violência contra as mulheres arraigada nas representações sociais
haja vista que a autora denuncia historicamente causas do estupro partindo da
história judaica.
Outros
aspectos que revelam os discursos sexistas forjados para justificar esse crime
é considerar a indumentária feminina como responsável pelo incitamento
masculino. Se a roupa feminina for/fosse provocante o agressor vê/via sua pena
atenuada, no caso de a ação chegar à justiça.
O
caso de Bolsonaro é muito grave. Mesmo instigado a revidar a discussão com sua
colega, ele tem um mandato, representa o povo, embora a sua ideologia do
estupro seja/esteja muito mais entranhada do que o dever que jurou praticar
assumindo uma cadeira parlamentar como defensor dos direitos humanos.
(Texto originalmente publicado em O Liberal, no dia 19/12/2014)
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