domingo, 25 de dezembro de 2011

O ENCANTO DO NATAL


No filme “Feliz Natal”(Joyeux Noel) recém-(re)exibido em Belém, os combatentes inimigos na 1ª Guerra Mundial recolhem suas armas, nas trincheiras, por um momento, e se confraternizam assistindo a uma cerimônia de Natal. O fato aconteceu, mas só foi relatado em cartas de soldados posto que as autoridades iriam censurar qualquer menção desse tipo se chegasse à imprensa.
O exemplo identifica o que se tem como “mensagem de Natal”. Se ombreado no que a festa representa para o mundo cristão é o momento da paz, o momento em que se devem esquecer as rixas e se relacionar no bem. Mas até no episódio focalizado em 1917, o congraçamento é episódico. O comum é o que se vê em diversas festas natalinas na área política (não só partidária): todos brindam por um Feliz Natal, mas não podem exprimir à sinceridade a frase de Pascal (1623-1662) “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Simplesmente porque as razões emotivas são efêmeras, não são registradas por uma razão moldada no rancor de tanto antagonismo.

Uma revista de circulação mensal publica uma secção que se assemelha ao poema “If” de Rudyard Kypling , onde os versos finais dizem assim:”Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,/e, entre Reis, não perder a naturalidade./E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,/se a todos podes ser de alguma utilidade./Se és capaz de dar, segundo por segundo,/ao minuto fatal todo valor e brilho./Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo, e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!”. No caso, pergunta-se o que seria a política sem o “se” que mascara antagonismos?

Pensem num Natal em que todos os partidos comunguem de reivindicações em prol dos que elegeram seus filiados/as sem macular os preceitos constitucionais. Se os eleitos privilegiarem projetos que não foram de sua autoria e sim de opositores (desde que esses projetos sejam considerados benéficos para a nação e não para suas ambições particulares). Pensem numa hegemonia que dispense debates agressivos a ponto de incitarem reações nervosas e até mesmo físicas. Pensem numa capacidade de renúncia diante da descoberta de uma falta grave com o reconhecimento de que foram indignos do mandato que ocupam (sem a necessidade de investigações ou CPIs), mas pela consciência de perderem a virtude. Imaginem opositores se elogiando em tribuna desde que esses elogios tenham base real. E se as reivindicações populares, se impossibilitadas de serem logo atendidas, mereçam resposta convincente e substanciosa (em argumentos). E saindo dos poderes constitucionais, se nas diversas áreas do relacionamento humano as pessoas passarem a se tratar na dignidade deste relacionamento, ou seja, de forma humana. E afunilando o pensamento, se qualquer ofensa a um, jogada como inadvertida, seja perdoada por quem se sente ofendido e as duas partes se entenderem com doces palavras.

“Se”, como escrevia Kypling em seu poema escrito em 1895, o mundo celebra um Natal perene, cumprindo a promessa muitas vezes feita de que a confraternização em nome de Cristo permaneça pelo ano inteiro, então, como dizia o poeta inglês, o ser humano seria o “dono do mundo”. Não é uma questão de fazer valer a supremacia da inteligência do que evidencia o “homo sapiens” como a obra-prima da criação. Seria a consciência da mensagem que Jesus veio oferecer “aos de boa vontade”. E a forma de homenagear sinceramente o nascimento do Filho de Deus. Mesmo que as consciências num mundo em que as pesquisas científicas cada vez mais evidenciem dados, saiba-se que esse nascimento não se deu em 25 de dezembro, que a data escolhida para comemorar o fato veio da Festa do Solstício, da comemoração que se fazia na época da colheita pelos camponeses de dois mil anos atrás ( e ainda se faz esse tipo de festa).

O Natal é especialmente um momento de reflexão. Chegando o final de um ano é natural que se avalie o que se fez de certo ou errado em um período da vida, nas razões pascalinas que normalmente não são logo compreendidas. E o balanço dessa memória deve ganhar corpo numa postura que sempre é difícil de ter. Sem se julgar santo, homem/mulher devem tentar viver em paz. Reparem agora no fecho da guerra do Iraque. Depois de muitos soldados mortos eles saem do palco dos acontecimentos felizes pelo ato de paz. Mas guerrearam. E valeu a pena? Quem ganhou e quem perdeu (quantas mães, esposas, filhos de combatentes)? Na História isso será apenas um capitulo. E muitos colegiais não vão memorizar o fato.

O voto de um Feliz Natal deve ser substancioso.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" (PA) em 23/12/2011)

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