segunda-feira, 14 de novembro de 2011

MEDICINA SOCIAL

A mídia e as redes sociais instigaram o debate sobre agendas e controle social do SUS - Sistema Único de Saúde tomando, como a ”bola da vez”, o câncer de laringe que acometeu o ex-presidente Lula da Silva, registrando que o mesmo “devia se tratar pelo SUS”. Foi percebido, dessa enxurrada de micro-referências, que alguns sintonizavam com certo recalque, como disse o também ex-presidente FHC, tanto contra o político Lula, como pelas freqüentes denúncias sobre as falhas do sistema em muitos casos ao ser acionado pelos usuários.

Com todas as deficiências que a mídia propaga e às queixas pela sua ineficácia, o Sistema Único de Saúde existente no Brasil é um dos raros meios de qualquer pessoa conseguir tratamento médico entre muitos países do mundo onde é implantado. Recentemente foi evidenciada a luta que o Presidente Barack Obama iniciou, nos EUA, em torno de um programa de medicina social para que o povo norte-americano tivesse acesso a tratamento de saúde em rede publica. Lá existem os Planos de Saúde, como aqui, mas esses planos custam dinheiro. O governo não entra com a receita do gênero como não entra na educação em sua terceira etapa (as universidades são todas pagas). Foi execrado.

A historia do SUS começa a ser contada quando nasceram as chamadas CAPS (Caixas de Aposentadorias e Pensões), uma criação da Lei Eloi Chaves em 1923. O sistema era de capitalização e quem quisesse uma aposentadoria melhor depositava para isso. Em 1930, o governo Vargas suspendeu a CAPS por seis meses para reestruturação. Criou os IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões), autarquias nacionais subordinadas ao governo federal. Geralmente, os que se graduavam em Medicina passavam a assumir um posto num desses institutos, não havia concurso, mas indicação para a função. O mais modesto era o IAPETEC (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas). Esses institutos pagavam por atendimento em consultório particular, com um número-teto de clientes, podendo atender até 20/dia, e os profissionais recebiam apenas uma taxa que não poderia ser ultrapassada.Eles ofereciam remunerações diferentes atendendo às classes sociais a quem beneficiavam. Assim, por exemplo, o IAPB (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários) dava regalias que chegavam a pagar ao medico o preço de uma consulta particular desse médico.

A modalidade de assistência à saúde corria no plano federal em paralelo com os planos estadual e municipal. Estes atendiam em postos espalhados pelos bairros e os contratados (médicos, enfermeiros e assistentes sociais) eram assalariados dos respectivos governos. Este paralelismo prosseguiu até quando o governo militar uniu os institutos em um só, chamado INAMPS (Instituto Nacional de Previdência Social).

Para ter acesso a benefícios do INAMPS o usuário precisava mostrar a sua carteira de trabalho, ou seja, o benefício de assistência médica era restrito aos empregados que contribuíssem com a previdencia social. Os demais eram atendidos ou pelos postos estaduais ou municipais e por entidades filantrópicas.

Não vou detalhar aqui o histórico da criação de políticas de desenvolvimento das áreas da saúde pública, em nivel de governos possibilitados pelo controle social das conferências de saúde e dos sanitaristas desenvolvimentistas que mostravam a necessidade de redefinir a identidade do então criado Ministério da Saúde. O certo é que a Constituição Federal de 1988 determinou como dever do Estado a garantia da saúde a toda a população, criando o Sistema Único de Saúde. A Lei Orgânica com os detalhes do funcionamento do Sistema foi aprovada em 1990, pelo Congresso Nacional.

No Sistema Único de Saúde ficaram os centros e postos de saúde federais, os hospitais - incluindo os universitários, laboratórios, hemocentros (bancos de sangue), os serviços de Vigilância Sanitaria, Epidemiológica, Vigilância Ambiental, além de fundações e institutos de pesquisa, como a FIOCRUZ (Fundação Oaswaldo Cruz) e Instituto Vital Brasil.

Exemplificando situações pessoais, lembro que meu pai disgnosticado de cancer de pulmão foi tratado pelo SUS e meu irmão, anos depois, com cancer de laringe, também teve o SUS como apoio do tratamento. Não tínhamos planos de saúde. Eles sobreviveram a média de tempo que se dava aos pacientes desses males em épocas passadas (anos 80 e 90). Os dois só não se restabeleceram por problemas correlatos como um marca-passo, no primeiro, e uma localização ingrata do tumor do segundo, próximo à carótida e considerado dificil de ser removido cirururgicamente.

Não estou só nesse reverência ao SUS. Tenho uma filha concursada que trabalha na assistência médica estadual. Tem argumentos contra muitas queixas que chegam à imprensa. Não defende um cargo, mas o bom senso. Por isso não vejo campo irretocável nas criticas que leio e ouço. Evidente que num sistema capitalista um programa nitidamente socialista gera no minimo controversias. Mas tem falhas, sim. O jornalista Michael Moore no seu documentário “SOS Saúde”(2007) elogiou o sistema de atendimento médico em Cuba, mas não é possivel negar que se trata de um país socialista. No filme “Contágio”(2011) que está sendo exibido no Brasil, critica-se o atendimento público a partir do que se vê em ambulatórios e hospitais norte-americanos. E se o nosso programa chega até mesmo a oferecer medicamentos, o filme explora a luta pela compra de remédios com reflexo da ambição de certa indústria farmaceutica que chega a produzir placebos como drogas anti-virais. Também é criticada a politica que rege a entrega de vacinas, e não se vê, como aqui, campanhas de vacinação em massa, mostrando o povo em luta nas filas por doses do que lhe possa imunizar de uma doença grave.

Pelo histórico referido não é motivo de anedota ou de conceito malsão o endereço do SUS a doentes que podem se consultar em áreas particulares. O nosso sistema existe, há falhas, mas a verdade é que pior seria sem ele.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" -Pa, em 11/11/2011)

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