domingo, 11 de setembro de 2011

CONTORNOS DA DEMOCRACIA BRASILEIRA






O século XX foi considerado o “século da democracia”. Cientistas políticos e órgãos internacionais apontaram a proliferação de governos eleitos democraticamente, ao redor do mundo, neste período. Os resultados indicaram um alargamento da polis a partir dos níveis de soberania de cada país, numa perspectiva temporal comparada, em 62.5%de um total de 192 países classificados como democráticos. Segundo a FreedonHouse (http://www.freedomhouse.org), o Brasil, de uma prática democrática restritiva (1900 - RDP), deslocou-se para um regime autoritário (1950-AR), ascendendo para a democracia (2000 – DEM).

O modelo democrático fundamento dessa tipologia refere-se à equidade na distribuição do poder cujo princípio se acha caracterizado pela representação política. A democracia representativa se legitima pelo consenso que se verifica através de eleições livres e do sufrágio universal, sendo os atores principais nesse sistema os partidos políticos e os cidadãos que participam, quer com direito a eleger-se, quer com direito a eleger outrem para um determinado cargo político, em um período específico.

A experiência brasileira de democracia representativa está classificada entre os países democráticos da “terceira onda”, ou que se acham “em desenvolvimento”, pela forma da evolução do seu sistema político centrado no sistema partidário e no eleitoral, em decorrência do processo institucional progressivamente estabelecido ao longo da história. Tem tido peso também o lugar em que se acha no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em relação às demais nações.

Eleições fizeram a história do Brasil diferenciar-se de muitas outras experiências democráticas, desde o período colonial. A “trajetória do voto” no Brasil construiu a história do processo de participação política (ativa e passiva) do individuo, que antes emergia de um estado imperial e criava o arcabouço da legitimidade aos governantes. Naquele momento, eram os conselheiros que administravam as cidades e hoje, no Estado republicano, se acham nas representações dos cargos principais do poder executivo, legislativo e judiciário.

O inicio da organização política e administrativa do Brasil se dá com base no Código Filipino, cujos livros registravam tanto os cargos ocupados na Colônia quanto as demais ações administrativas do reino sobre os territórios conquistados. Ele trouxe modificações à organização das câmaras municipais acentuando o caráter administrativo destas e reduzindo as funções judiciárias.

Numa fase em que há eleições locais, não há referências às mulheres, como parte dessa estrutura de poder. As Ordenações Filipinas, no Livro 5, reduzem a menção a esse gênero aos costumes e proibições de comportamento e punições às transgressoras. Embora o imaginário social reforçasse a submissão aos costumes e normas emitidas por essas Ordenações, as mulheres eram parte ativa, tanto no trabalho de chefia das propriedades, mesmo sem serem viúvas, quanto entre os grupos políticos insurretos ao regime que marca o período. Algumas, por suposto, sabiam ler; outras eram analfabetas, como muitos proprietários de terras e comerciantes que eram eleitores.

As versões sobre o processo de institucionalização dos organismos de poder na democracia representativa brasileira ambientaram-se em dois espectros: o comparativo e o ideológico. No primeiro, o esforço de comparação expõe modelos democráticos europeus e anglo-americanos em duas vias, tanto para demonstrar como o processo democrático se elabora em diferentes contextos, e se dá bem, quanto para evidenciar esse diferencial, com riscos de se dar mal. O aspecto ideológico também pode ser observado através de três eixos: o de classe, o de gênero e o teórico.

O fato disseminado da entrada do “povo-massa” nos “negócios políticos da nação” esclarece a presença discriminatória de “pessoas sem qualidade”, ou melhor, “sem educação política” para conviver com os princípios de liberdade e igualdade de extração do sistema. Sem negar os conflitos sociais que alimentaram as classes proprietárias a usarem os recursos políticos através do“cacete”, para manterem seus interesses de poder no governo ao elegerem seus“compadres”, na versão de Oliveira Vianna, este aspecto engloba todas as instituições brasileiras e força uma interpretação de fragilidade do sistema que tem convivido até hoje e que se dilata para o eixo teórico explicativo da não institucionalização do sistema político brasileiro.
A ausência de cláusulas que contemplem as mulheres na vertebração da legislação que faz avançar o regime democrático desse período configura o tratamento desigual dado a este gênero, fortalecendo as estruturas patriarcais do comportamento político do demos.O não-voto para as mulheres justificava-se por estas regras que determinavam uma “condição feminina” diferenciada da masculina, na educação, nos costumes, onde sobressaía um estereótipo comum à família patriarcal brasileira: o mando dos homens em relação à sujeição das mulheres. Sendo “cabeça do casal” pelos dispositivos das Ordenações Filipinas, o homem é quem detinha a responsabilidade legal e as mulheres eram consideradas “perpetuamente menores (...)”. Estas achavam-se presas “naturalmente” ao domínio do privado e às atividades de reprodução da espécie e, por isso, ou seja, pela condição cultural, estavam ausentes da cidadania. Embora poucos homens votassem, no Brasil, nenhuma mulher exercia esse direito, apesar da ausência de dispositivos constitucionais que as excluíssem.

Nas versões antivoto feminino, na imprensa tradicional, é evidente o temor de as mulheres abraçarem uma carreira política, apesar de sua presença episódica em eventos de protesto ou em associações sociais e políticas.

No Pará, no período da Cabanagem (1833-1835), havia duas faccões políticas: o Partido Filantrópico e o Caramuru. No contraponto, estavam as mulheres paraenses organizadas na Sociedade das Novas Amazonas ou Iluminadas, uma sociedade secreta, exclusivamente formada por mulheres, somando-se às variadas estratégias do partido Filantrópico como meio de sobrevivência e resistência políticas ao partido Caramuru. A agremiação feminina cabana era regida por estatutos, sendo um dos itens principais a exigência de que as sócias tivessem"virtudes políticas e provas de decidido amor à pátria e adesão à liberdade". Outro movimento histórico paraense, a campanha abolicionista, registra a presença das mulheres da elite, organizando clubes, quermesses, em conjunto com as articulações políticas dos seus maridos, irmãos, filhos.

São os efeitos do voto feminino que ameaçam a sociedade, pois o comportamento esperado das “mulheres eleitoras” comprometia os papéis que elas desempenhavam no casamento e na maternidade.

Nessas representações ao feminino, constrói-se o imaginário social sobre a condição de as mulheres participarem da política.

Neste texto, a intenção é, justamente, uma avaliação da situação originária (ou genética) da sub-representação política feminina que ainda carece de certas aprovações sociais para alçar vôos maiores no campo da política eleitoral.

(Texto originalmente publicado no jornal "O Liberal" de 08/09/2011)

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