domingo, 28 de agosto de 2011

A LEI MARIA DA PENHA E SUA IMPORTÂNCIA






Nos anos oitenta, em função de uma pesquisa nos jornais paraenses dos anos trinta, me deparei com várias noticias na imprensa da época sobre violência doméstica contra a mulher, resultando em denúncia, pela vítima, aos canais competentes, ou seja, polícia e justica. Isto demonstra que desde esse período, as mulheres reconheciam as imposições do imaginário social de que como casadas deveriam aceitar o tratamento do marido em qualquer circunstância. Esta representação de submissão incondicional levou à criação do dístico: “em briga entre marido emulher não se mete a colher”. Entre os achados da pesquisa, dois deles me surpreenderam ao demonstrarem a ousadia daquelas mulheres que embora devessem corresponder aos modelos estabelecidos socialmente, iam á luta contra o sofrimento que a violência causava. Dona Maria (todos os nomes aqui são ficticios), por exemplo, representou pedido de desquite contra seu marido José Alves Barbosa com quem casara a poucos meses, motivada por não aceitar as condições do casamento, pois José pretendia dela “aquilo que a dignidade de seu sexo causa repulsa e a (...) moral condena". Entretanto, o Juiz de Direito da 1ª Vara de órfãos, julgou improcedente a ação do desquite, fundamentando o seu despacho em que “a autoria alegou ter sido injuriada pelo esposo, mas não explicara qual a espécie da injúria”, deixando de decretar o desquite, e condenando a autora a pagar as custas do processo, que ocorreu “à revelia do réu".

Pelo que se observa, as razões da acusação de D. Maria contra o marido, por não conterem as explicações mais íntimas das exigências sexuais deste, deixaram de ser acatadas pelo juiz, que ainda puniu a autora. Nota-se o sexismo da lei, através do registro que faz o juiz no processo. A punição certamente visava às duas denúncias de D. Maria: ter acusado o marido e ter procurado desquitar-se à revelia deste, além do "efeito-demonstração" que representava às suas companheiras.

Outro caso é o de D. Dulce que foi à polícia queixar-se de ter sido espancada pelo marido, Dr. João José, engenheiro da Pará Thelephone Company. Na ocasião, a vítima apresentava um ferimento no braço esquerdo, produzido com uma acha de lenha, e esquimoses no pescoço. Com 23 anos, casada há seis, tinha quatro filhos. Segundo ela, sua vida era de sofrimentos, sujeitando-se a espacamento por causa das crianças. O marido sempre a colocava fora de casa sob insultos baixos. A queixa foi registrada na Central de Policia. Após receber curativos na Assistência, D. Dulce retornou a sua casa afirmando que defenderia os seus direitos na justiça.

Nessesdois casos verifica-se que a violência doméstica perpassa também entre mulheres das várias classes sociais.

Essa questão no Brasil se tornou um problema social a partir da pesquisa-ação de feministas e acadêmicas no final da década de 1970. Fortaleceu-se quando a ONU adotou parâmetros estratégicos contra os abusos discriminatórios apoiando os reclamos desses movimentos, fazendo vigorar medidas protetivas em favor das mulheres vitimas.

A mini-série da TV-Globo “Quem ama não mata”(1982) reproduziu este slogan, com os movimentos feministas indo às ruas para protestar contra os assassinatos de mulheres pelos seus companheiros, namorados, amantes, sendo a primeira manifestação pública contra a impunidade nesses casos. Uma das evidências nesse instante foi contra o play-boy Doca Street julgado em out/1979 pelo assassinato de sua companheira Ângela Diniz. Os argumentos utilizados pela defesa contra a vítima foi a de ser culpada por “denegrir os bons costumes”, ter vida“desregrada”, ser “mulher de vida fácil”. O acusado, condenado a 15 anos de cadeia, cumpriu um terço da pena em penitenciárias no Rio de Janeiro, ganhou liberdade condicional e desde 1997 nada deve à Justiça.

Deslocando o problema para os dias atuais depois de uma série de leis e outras medidas conquistadas pelos movimentos de mulheres com a criação de políticas públicas para coibir esses delitos, em 7 de agosto de 2006, o enfrentamento à violência domestica no Brasil contabilizou a Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, nome de uma das vítimas de violência doméstica que levou seu processo até a ONU e conseguiu aval para a prisão do marido agressor. E processou o Estado brasileiro por negligência.

Além do impacto nestes primeiros anos de vigência, essa lei representa uma das mais importantes conquistas dos movimentos feministas brasileiros. Contudo, não é possível dizer que haja consenso na sua aplicação, ao reformular medidas legais e procedimentos da área jurídica de forma mais efetiva. O fenômeno hoje é tipificado como crime e as reações são vistas de vários aspectos. Há críticas dos que atendem à promoção dos direitos humanos, dos estudiosos das questões sociais e dos representantes do sistema judiciário.

Com a aplicação da LMP houve mudanças do tratamento legal da situação de violência doméstica devido a uma série de exigências procedimentais na sua instauração com uma re-novação do papel do Judiciário afim de este adequar-se à criação dos Juizados Especializados, de Núcleos de Defensoria Pública, de serviços de atendimento de uma equipe multidisciplinar implantadas nas Varas de Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Foram revistos os procedimentos dos Centros de Referência já existentes, das Casas-Abrigo e das DEAMS.

Apesar dos avanços, alguns operadores da lei demonstram a ainda baixa receptividade de todo o corpo jurídico para manter com presteza os serviços de atendimento às vitimas da violência domestica causando impacto em muitas situações que deveriam ser resolvidas de imediato.

Nos sete anos de aplicação da Lei Maria da Penha, há muitos avanços, mas precisa muito discernimento dos aplicadores da lei ainda subservientes às representações da velha tradição, teimando em não admitir como crime os casos de violència doméstica contra as mulheres.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" em 19/08)

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