A cada dia surgem denúncias seja pela imprensa, seja por milícias policiais que organizam operações para deflagrar investigação no setor público e privado, de que uma determinada Secretaria, Ministério ou órgão do executivo ou, mesmo, do legislativo se acham contaminados por pessoal inescrupuloso que usa o setor público como seu próprio patrimônio. Articulados, muitas vezes, pelo tráfico de influência, alguns funcionários de QI alto ou mediano (“quem indica”) se organizam e constroem “fortalezas” de negócios quese tornam verdadeiros edifícios de falcatruas, muitas vezes impossíveis a olho nu de identificação de suas “pernas” e /ou de possuírem uma só “cabeça”.
No regime presidencialista é o chefe do poder executivo quem escolhe os seus ajudantes, quer dizer, os ministros de diversas pastas. Geralmente essa escolha recai sobre membros de partidos que formam a base do governo, ou seja, partidos que ajudaram a eleger o atual presidente. Essas pessoas costumam carregar consigo diversos pedidos de eleitores e/ou de suas bases partidárias. Um jogo de compromissos que é testado na capacidade de cada um em nortear um comportamento ético. Mas o que se vê, e não é de hoje, é que o peso dos compromissos, aliados à ambição e ao orgulho que o cargo devota, muitas vezes extrapola os possíveis bons propósitos. Afinal, a natureza humana de alguns impele a um processo progressivo de “querer”, alimentando a idéia de que não podem perder uma oportunidade de “vencer na vida”.
No exposto, uma série de eventos conceituais elaboram argumentos que apontam para a análise que faz a ciência política em torno da caracterização do padrão de governança brasileiro expresso na relação entre os Poderes Executivo e Legislativo. Esse padrão explora a união do sistema político presidencialista com a existência de coalizões partidárias, ou seja, acordos entre partidos, com vistas a que seus membros sejam indicados para ocuparem os cargos no governo, além de alianças entre forças políticas objetivando o alcance de determinados propósitos para o êxito no desempenho e comando administrativo.
Esse formato do nosso sistema e o modo de seu funcionamento favoreceu a cunhagem, por Sergio Abranches (1988), do conceito de presidencialismo de coalizão que se tornou popular e de uso corrente pelo grande público e pela mídia em geral. Para Abranches: "O Brasilé o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o ‘presidencialismo imperial’, organiza o Executivo com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira chamarei, à falta de melhor nome, ‘presidencialismo de coalizão’.
Em sua tese para as provas do concurso de Professor Titular no DCP/USP, Fernando Limongi (2006), procurando argumentar sobre alguns focos que ele considera ambíguos da exposição de Abranches, mescla a base empírica de dados e revê o conceito demonstrando que não avalia singular o formato brasileiro: “...do ponto de vista da suaestrutura, da forma como efetivamente funciona, há pouco que permita distinguir o sistema político brasileiro de outras democracias ditas avançadas ou consolidadas. A forma como o processo decisório é organizado, mais especificamente, o poder de agenda conferido ao Executivo, garante que o governo brasileiro opere em bases similares às de grande parte das democracias existentes”(p.20). Mas Limongi aponta, com outros recortes pontuais do texto do colega (que escreve seu ensaio antes da constituição de 1988) e justifica esses argumentos com o que era estimado evidenciar num Brasil que estava saindo de um período de exceção e re-fazendo sua governabilidade.
O que me levou a este tema, hoje, foi ajustar certa conceituação da minha área (sem tanto aprofundamento) ao considerar o noticiário sobre a queda de ministros e seus auxiliares da base de governo, com a imprensa tratando como “faxina” o que a Presidente Dilma Rousseff está realizando em seu governo em apenas oito meses de mandato quando quatro ministros e dezenas de funcionários dessas pastas foram exonerados muitos por improbidade, outros por tráfico de influência, outros por evidência de pactuação com políticas de patronagem. Essa atitude da primeira mandatária do país está levando a uma série de críticas sobre “crises de governabilidade”, “ruptura das coalizões partidárias”, desgastes entre o executivo e os partidos, possibilidade de desequilíbrio no apoio da base governista, corrosão na popularidade da presidente, e por ai vão os “ensaios” de quem supõe que o tão falado “presidencialismo de coalizão” está desmoronando ou perdendo a forma.
Para a cientista política Argelina Figueiredo, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da UniversidadeEstadual do Rio de Janeiro, falando ao DIAP, disse: "O PR só reagirá se com isso tiver mais a ganhar, mas ele não tem a ganhar. O governo tem popularidade, tem boa imagem e credibilidade. Quem vai querer ir contra, quem vai votar contra?" Isto foi dito no final de julho, mas houve outras intercorrências e agora esse partido ameaça deixar a base governista.
Para o coordenador do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, José Álvaro Moisés, DilmaRousseff não intenciona submeter-se às exigências de uma coalizão que a credencia a demonstrar uma simples troca de favores entre os dois poderes,"a despeito de provocar insegurança no apoio dos partidos".
O certo é que está em curso um verdadeiro enfrentamento aos planos individuais de servidores que se desviaram das metas éticas de garantir a res-publica (coisa do povo). E a população brasileira, que vê esses novos arranjos políticos se tornarem recorrentes nas atitudes da presidente para sanear a nação da corrupção, simplesmente agradece. Ela frisou em recente pronunciamento aos jornalistas que não está “fazendo faxina”, pois essa não é uma das metas do governo, mas garantindo a governança do país.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 26/08/2011)
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