sábado, 18 de maio de 2013

TRABALHO & RELAÇÕES DE TRABALHO


Chaplin, numa cena de "Tempos Modernos".


Uma das primeiras lições que aprendemos ao estudar a análise da economia política em Marx (constante nos volumes de “O Capital”) consiste na diferença entre trabalho e relações de trabalho que parecem não diferenciadas ao conhecimento do senso comum. Diz o filósofo alemão que o trabalho dos humanos surpreendeu a natureza cujas forças tendem a submeter os animais a se comportarem de determinada maneira sendo que o homem foi o primeiro Ser a conseguir movimentos de liberdade em relação a esse dominio. Diz: "Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana."
Dessa forma, forja-se o diferencial entre o trabalho humano e a condição dos animais visto que o homem tende a modificar as forças da natureza conforme suas necessidades e, dessa evidência criadora, apresenta-se, historicamente, a evolução gradual do trabalho. Criar seus meios de subsistência enfrentando as condições adversas torna livre este trabalhador e independente para ser provedor. Mas quando estas formas criadoras de trabalho chegam ao mercado, a própria força dos homens se torna mercadoria e os bens materiais que produz deixam de ser somente para o seu sustento e então o trabalho que estimula o progresso se torna uma prisão ao assumir esse caráter mercantil. O produtor destes bens necessários passa a se submeter às exigencias de produtividade em escalas inimagináveis de um mercado que supõe pagar a força de trabalho humana contratada, mas, na verdade, está alienando este trabalhador de seu produto manufaturado. É aqui que é possivel entender que trabalho e relações de trabalho são conceitos diferentes. É nessa relação de alienação do produtor direto dos bens que será extraida a mais valia que será acumulada como lucro e as coisas vão girar nesse tom.
         Mas só comentei esse diferencial porque me interessa tratar dessas duas conceituações no mês em que o trabalho é a “bola da vez” e algumas situações se revelam merecedoras de discussão.
         Observa-se que o mundo moderno tende a modificar cada vez mais o processo de trabalho com a participação crescente da tecnologia. George Orwell, Ray Bradbury, Isaac Asimov e outros escritores de ficção científica mostraram a tendencia da “robotização” do serviço levando a máquina a substituir a mão de obra humana e com isso especificar cada vez mais o qualificativo do trabalhador. Simplificando: empregam-se técnicos e desemprega-se quem não possui a necessaria escolaridade para entender a tecnica. Uma ilustração tragicômica disso é descrita por Asimov quando cita uma doméstica robô tratando dos afazeres de uma casa de classe média e de babá de uma criança.
Atualmente ainda não se chegou e esse futuro que permanece fantasioso e é aplicado pelos escritores do gênero. Mas o aumento populacional, as poucas vagas no mercado e a escolaridade deficiente levam a questões que são levantadas pelos economistas, pelos tecnicos em geral, pelos industriais, comerciantes e pelos politicos.
No Brasil atual um tipo de trabalho está sendo focalizado com ambiguidades: o doméstico. Essa atividade ganhou leis de proteção ao trabalhador/a, haja vista a discriminação desse tipo de trabalho em relação aos outros. Com isso, o empregador doméstico passou a gerir responsabilidades de outros empregadores. E está neste momento achando que as relações de trabalho que passará a ser obrigado a obedecer tendem a ser diferentes de outros trabalhos que permeiam a sociedade. Devido a isso, muitas familias estão despedindo seus empregados domésticos e procurando se adaptar a outras formas de serviço. Dai que novas empresas de serviços estão sendo criadas para garantir o que antes era tratado com menosprezo.
O que isso representa? O que antes era um bem tratado como valor de uso vai se incorporar ao mercado como valor de troca e esse tipo de serviço que antes tinha uma forma de relação de trabalho passa a ter uma outra maneira de ser encarado pelo mercado. As empregadas domésticas, certamente, assumirão esse novo mercado , onde, possivelmente terão uma outra maneira de ser valorizadas. E levando-se em conta que a maioria deles/as possui baixa escolaridade e inexperiencia em outras ares de atuação, haverá rearranjos para adequar esse novo ator social às atividades. Além de chamar a atenção da então funcionária (porque as relações de trabalho nas empresas será nesse tom) para uma reavaliação de si próprias, estimula-as a rever sua baixa escolaridade, seu aporte na condição de tratamento do antigo serviço doméstico que tinha sob sua  responsabilidade, criando meios de melhor qualificar-se.
As patroas e patrões que estão hoje despedindo seus empregados/as comentam problemas na promoção da categoria ao funcionário comum (dos meios de consumo). Como monitorar o horário especificado para a/o empregado? Como somar rigidamente o pagamento extra em tempo acima do especificado no novo contrato de trabalho?
Por outro lado, há quem generalize e simplesmente despache quem ajudou nas tarefas caseiras por longos anos. Acha melhor despedir antes que o tempo de serviço pese no pagamento final. E pouco se importa que a pessoa que a ajudou em tantas horas dificeis pouco ou nada foi ajudada. São de menor conta os patrões que atendem às necessidades urgentes de empregados mesmo emprestando-lhes favores.
A frieza no encontro desses detalhes que cercam o novo regimento do emprego doméstico deve ser superada de alguma forma. Não desprezar determinado tipo de trabalho como de menor alcance. Não estratificar comportamento apenas pela qualificação da mão de obra. Tudo é trabalho. E disso resulta a situação social. Uma sociedade que vive do trabalho humano deve alcançar relações de trabalho mais edificantes.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA em 17/05/2013)


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