Leolinda Daltro que em 1910 fundou o Partido Republicano Feminino
No próximo dia 24, o
voto feminino no Brasil celebra 81 anos. Através do Decreto nº 21.076, de
24/02/1932, assinado pelo presidente Getúlio Vargas, as mulheres brasileiras asseguraram
o direito de voto.
Não foi uma
conquista gratuita, haja vista que a luta pelos direitos políticos femininos inicia-se
ainda no século XVIII. Entre as vozes que são ouvidas no inicio da Revolução
Francesa está a do Marquês de Condorcet, filósofo iluminista que nos debates da
Assembleia Nacional, em 1790, diz sobre esse assunto: “Ou nenhum indivíduo da
espécie humana tem verdadeiros direitos, ou todos têm os mesmos; e aquele que
vota contra o direito do outro, seja qual for sua religião, cor ou sexo, desde
logo abjurou os seus”. Inglaterra, França e as demais nações viram surgir ondas
femininas de luta pela conquista desse estatuto que consideravam um lugar
político necessário para avançar nas demandas avaliadas como recursos de inclusão
social nas suas agendas de reivindicações como, por exemplo, os postos no
trabalho qualificado nas várias áreas.
O caso brasileiro
demonstra, como os demais, que o caminho constitucional tornou-se o principal
meio de acesso das mulheres à garantia de seus direitos civis e políticos.
Neste caso, identificam-se: o processo de transição política da sociedade
brasileira; os papéis atribuídos; e as funções naturalizadas desempenhadas por
esse gênero, que as interditavam para a cidadania política, marginalizando-a.
Na mudança de
sistema de governo da monarquia à república, a resistência feminina aos
não-direitos políticos não se dá, inicialmente, através de movimentos
organizados como foi visto na França, na Inglaterra e nos EUA. Ao final da
primeira metade do século XVIII no Brasil, Nísia Floresta Brasileira Augusta
(1809-1885), natural do Rio Grande do Norte, fez a tradução livre da obra
pioneira de Mary Wollstonecraft, "Vindication of the Rights of Women"
publicando-a em 1833. Outro incremento para a ampliação da informação e a
disseminação de ideias das brasileiras vem através da imprensa feminina que,
apesar de incipiente e feita de forma artesanal, divulgava o avanço do
sufragismo mundial e o modo como as mulheres letradas viam a si próprias e as
políticas de seu tempo. É expressivo também o discurso inverso, ou seja, o
daquelas que achavam a ousadia ou qualquer modificação na "ordem
natural" uma temeridade à condição da mulher.
As discussões sobre
o voto feminino no Brasil podem ser vislumbradas desde o Império quando, na
Câmara dos Deputados Gerais, José Bonifácio de Andrada e Silva "advogou a
causa do sufrágio de qualidade, defendendo o voto para as mulheres diplomadas
por uma escola superior. A pretensão não vingou, amortecendo-se, por toda época
imperial, em suas duas fases distintas"(Paiva, 1985).
Nesse percurso
reivindicatório, as tensões entre as mulheres brasileiras (desde a demanda pelo
direito do voto) e a legislação eleitoral (que regulamenta a participação e a
não participação na polis) culminaram, no final do século XX, com a
apresentação de um projeto e a implantação de um sistema de cotas partidárias
para mulheres, através de lei nacional. Tratava-se de deslocar a “igualdade de
oportunidades” (que eliminou as barreiras formais para a garantia do voto),
para a “igualdade de resultados” (ao considerar pouco estável a “igualdade de
oportunidades”) que atenderia à equidade do acesso das mulheres às cadeiras
parlamentares, através de ações de discriminação positiva, devido às inúmeras
barreiras detectadas em nível cultural que impediam este acesso. As parcerias
dos movimentos de mulheres com os organismos internacionais (ONU, UNESCO),
assinadas nas Convenções mundiais que tratavam das formas de discriminação
contra a mulher, fortaleceram o reconhecimento desta metodologia como
estratégia de empowerment das mulheres. A suposição do desequilíbrio no acesso
ao poder, por várias razões, forneceu a oportunidade de alterar este desnível
com estratégias de controle evitando a queda da representatividade feminina.
Historicamente, nestes
81 anos, entre lutas, conquistas e novas lutas contra a sub-representação
feminina no poder político, as mulheres brasileiras veem-se hoje com as
possibilidades de se tornarem presidente da república, a exemplo, a eleição de
Dilma Rousseff.
Por outro lado,
vê-se que Marina Silva, se assemelha, em outro contexto e situação, a Leolinda
Daltro e outras feministas, que em 1910 fundaram, na então capital federal, o
Partido Republicano Feminino, intentando a “promover a cooperação entre as
mulheres na defesa de causas que fomentassem o progresso do país”. Mas o lema
objetivado da luta pelo sufrágio feminino era o grande mote, haja vista que as
mulheres àquela altura não podiam votar e nem ser votadas.
Outra brasileira, a
sufragista gaúcha Natércia da Silveira, dissentiu da "Federação Brasileira
pelo Progresso Feminino" (criado por Bertha Lutz), fundando, em 1931, a
"Aliança Nacional de Mulheres", com três mil filiadas, visando a
assistência jurídica à mulher. Esta associação foi fechada pelo golpe de 1937,
que aboliu as liberdades democráticas, frustrando as organizações políticas e
sociais do país já em pleno gozo de suas conquistas.
Mostra-se, neste
texto, uma síntese ínfima de exemplos ocorridos no Brasil desde a luta
sufragista, com as brasileiras em busca de novas posições políticas. Não se
deve esquecer, contudo, que na amplitude de nosso país há outras
“revolucionárias” anônimas para a história oficial cuja “arte de fazer” em suas
práticas políticas ousam criar formas de organização mantendo-se na arena e não
nos bastidores dando o seu recado.