No dia de hoje, 02/06, celebra-se o aniversário de Joaquim de Magalhães Cardoso Barata, interventor e governador do Pará num período intermitente de 1930 até 1959, ano em que faleceu (29 de maio). Considerada uma figura controvertida da política paraense, na verdade, sua posição no poder como militar e, depois, como lider apoiou-se nas diretrizes de fundação de uma “nova república” associadas a um caráter pessoal de assumir o mando como dever e missão.
Das inserções ao tema “Magalhães Barata”, por conta de minha dissertação de Mestrado que adentrava nos estudos sobre uma parte do poder político paraense da Segunda República (Interventoria de Magalhães Barata), deparei-me com algumas questões que emergiram a partir da leitura dos documentos manuseados, pela versão dos informantes, pela historiografia regional existente e pela imprensa partidária do período. Essas questões traduziam-se em imagens criadas sobre a figura de Magalhães Barata. O maniqueismo pulsante revelava-se eqüidistante. O “bom” e o “mau” Interventor entrelaçavam-se numa harmoniosa cadência transformando o processo político da década de 1930 numa atmosfera de tensões supostamente estabelecidas por uma única figura que em uma certa hora era o Diabo e em outra era Deus.
Foi possível criar uma versão alternativa àquela imagem contraditória ao entrelaçar essas versões. Emergiu então uma figura de sua época, com o compromisso político da legitimidade constitucional transformada em autoridade, garantindo o desenvolvimento de um programa proposto pelo governo provisório que seguia as metas estabelecidas pelo Manifesto da Aliança Liberal, legitimidade delegada pelo cargo da Interventoria. Vê-se então a preocupação com uma ruptura radical com as antigas oligarquias da Primeira República, através da assinatura de decretos contra as benesses acumuladas por esse grupo da elite “carcomida” e os desmandos da exploração de contratos prejudiciais ao interesse público; vê-se a desmontagem da máquina política com a finalidade de demonstrar a moralização do governo; vê-se a tentativa de moralização da máquina administrativa com as ações de demissão, nomeação e transferência de funcionários; vê-se a criação e o desenvolvimento de programas cívicos que estimulassem o “patriotismo das massas” para atingir o espírito nacionalista constante no ideário revolucionário; vê-se o tratamento da questão operária transformada em “questão social”, preenchendo os itens de antigas reivindicações da categoria e chamando para si a criação das associações de classe; vê-se o protelamento da organização partidária visto que o interesse do governo provisório tende a ser a constituição de uma ditadura militar que garantisse a extinção completa das antigas oligarquias.( cf. discurso de Magalhães Barata)
A imagem mais forte que se preserva de Magalhães Barata desse período constitui-se numa dinâmica própria que ele vai imprimir em seu governo: a interiorização do governo e as audiências públicas.
Considero um forte contingenciamento à formação de uma imagem de “missionarismo” não só esses dois eixos, mas o conjunto desdobrado de situações que ficou “colado” à memória de sua liderança no Pará.
Há outro eixo ao qual me detenho que é o tratamento dado à questão educacional, a criação da “escola propedêutica” que fortalecia o que eu chamo de “patrulhamento ideológico paradoxal”.
Para Magalhães Barata a escola não era só o lugar da instrução ao analfabeto, mas também, da educação cívica ao “ignorante político” visto que esse complexo tendia a esclarecer ao povo o nível de patriotismo e “anseios cívicos” necessários a que este recebesse os “dogmas constitucionais”. A predominância de sua preocupação com o tipo de professorado que iria gerenciar o formato da educação no governo liberal (instrução e civismo) que lhe interessava “introjetar” no “cidadão de amanhã” (pois “sem preparo cívico o povo não pode arcar com as liberdades constitucionais”) obrigava-lhe a manter uma certa cumplicidade com as professoras. Esta atitude de repartição do poder para quem tinha clara a necessidade de uma ação ditatorial dos militares “até que o país esteja completamente reorganizado” cheirava a paradoxo. Veja-se então como é que fica esse ponto: as mulheres governando via sala de aula. Elas reconhecem que têm poder e mandam a MB muitos recados através das moções que editam e que levam a ele anexando centenas de nomes das prováveis eleitoras do Partido Liberal, em 1934.
Nessa mesma linha pode-se incluir a cumplicidade realizada entre Magalhães Barata e as mulheres da Legião Feminina Magalhães Barata, criada em maio de 1935 e vigente até 1965. Fundada com a preocupação de garantir uma imagem forte da liderança que desabava do poder por contradições das alianças de classe do período, essa associação feminina passou a sustentar, a partir daí, os processos eleitorais e as campanhas políticas das lideranças masculinas do partido (Partido Liberal e PSD), ), indispondo-se com o patrono quando o pleito acusava derrota do partido majoritário e por isso sendo banidas da cena política; e/ ou reorganizando-se, procurando arregimentar um novo quadro de mulheres (professoras e esposas dos líderes políticos) criando novas forças para novas eleições, novos candidatos novas pelejas políticas e vitórias , as vezes com o nome de uma ou outra legionária sendo sufragado (cf. a primeira vereadora, do PSD e a primeira deputada estadual, também do PSD).
Na fala das “legionárias” observa-se que sua investidura num papel que trás o emblema do patrono é uma grande vitória. Falar em nome dele para outras mulheres, as vezes do lado adversário é uma atitude de bravura (cf. depoimentos de D. Rose Blanche Corrêa, Professora Santinha Souza, Profa. Lucimar Silva).
Esses exemplos demonstram que a imagem de Magalhães Barata autoritário se desloca então para outra representação do poder que deve ser analisado sem que haja a paixão instituindo uma versão maniqueista dos pró e contra. Sem esquecer que desde 1932 o voto feminino passa a ser garantido através de decreto, e que esse novo sujeito político tende a ser cooptado para garantir as bases eleitorais dos partidos políticos, não deve ficar de fora da análise, contudo, que o trabalho de arregimentação eleitoral é uma arma de dois gumes e ao estabelecer essa parceria Barata estava se arriscando também.
Neste novo tom da análise que caráter dar, então, a essa imagem que é vista por partidários e adversários como centralizadora do poder? Tanto as professoras do magistério elementar quanto as “legionárias” obedecem às ordens do líder, pelo que se pode observar nas fontes históricas (orais e documentais) em virtude de confiança pessoal e com base na crença de que Magalhães Barata era uma “pessoa do povo”. Essa imagem é marcada pelo anedotário que cruzou o largo espaço político e ainda hoje a tradição se encarrega de reproduzir.
Na “boca do povo” essa vertente tem garantido o tom da imagem pública que Magalhães Barata deixou como marca de sua liderança política no Pará.
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