sábado, 16 de abril de 2011

O QUE COMENTAR?




O chamado “calor da hora” motiva, muitas vezes, uma opinião pouco circunstanciada sobre um fato ocorrido. E quando este fato tem uma abrangência nacional em função da mídia que revela, aos poucos, as condições em que este se deu, sempre temos o que dizer sobre ele, mudando de opinião a cada nova descoberta da trama contextualizada. Verbal ou escrita elaboram-se idéias e imagens que, por suposto, achamos ser responsáveis para o desfecho. E quando somos parte do grupo de formadores de opinião, há sempre a cobrança dos leitores sobre o assunto. Este é o meu caso.

Não me sinto a vontade para externar uma opinião sobre o gravissimo episódio da semana passada, no Rio de Janeiro, chamado de “o massacre do Realengo” quando um jovem de 24 anos, armado, adentrou uma escola pública ferindo de morte mais de duas dezenas de estudantes, a maioria mulheres. Um quadro desesperador para os familiares das adolescentes mortas e um choque para a sociedade brasileira que se viu frontalmente diante de um episódio jamais ocorrido numa escola brasileira. Em outros países eventos dessa natureza já havia sido constatados com tamanha amplitude. As de maior repercussão e vítimas foram a de Columbine (em abril de 1999, em Littleton, no Colorado, EUA) e o de Virginia Tech (Blacksburg, Virginia, EUA) em abril de 2007. Esse país apresenta o maior número de casos dessa natureza, mas episódios idênticos também ocorreram em escolas da Alemanha, Finlândia, Canadá, Russia e Japão.

Há dificuldades para analisar o perfil dos assassinos, na faixa etária de jovens (no Brasil, de 18 a 29 anos; para a ONU, de 15 a 24). Contudo, ao tomar ciência de detalhes que levaram ao extremo de uma decisão de praticar violência contra outrem – sejam colegas ou professores – quatro itens saltam aos olhos de qualquer observador: as idéias religiosas, o relacionamento familiar, o contato com a socialização na escola e problemas de ordem psicológica.

Em Columbine, Klebold e Haris, os jovens assassinos de 17 e 18 anos, eram de familia classe média, o pai geofísico e a mãe especialista em crianças deficientes, moravam em casas confortáveis. Pouco populares na escola criaram o grupo “Máfia da Capa Preta”. Nos diários dos jovens, encontrados pela polícia norte-americana, Haris registra o desejo de ser Deus: “Eu me sinto como Deus e gostaria que fosse, para que todos estivessem OFICIALMENTE abaixo de mim”. Na escrita de Klebold ele salienta:"Eu sou um deus, um deus da tristeza”.( Um quer ser, o outro já é, dizem eles).

Seung-Hui Cho, 23 anos, estudante do Virginia Polytechnic Institute and State University, em Blacksburg (EUA) que matou 32 colegas e professores, enviou um pacote com cartas, fotos e 27 vídeos à emissora NBC (NY), chamado de "manifesto multimídia". Entre denúncias de assédio moral sofrido dos colegas (o tão asqueroso “bulliyng), falando diretamente para a câmera ele diz: “Vocês vandalizaram meu coração, rasgaram minha alma e queimaram minha consciência. Vocês achavam que era um garoto patético que vocês estavam extinguindo. Graças a vocês, eu morri. Como Jesus Cristo, para inspirar gerações de pessoas fracas e indefesas.”(Neste caso, quer seu exemplo ao processo salvacionista de Jesus). Sua família era de imigrantes sul-coreanos, pobres no país de origem, mas de classe média no condado de Fairfax, sul da Virginia. Aos oito anos Seung teve diagnóstico de autismo.

O assassino que perpetrou o massacre na escola do Realengo (Br), Wellington Menezes de Oliveira, 24 anos, revela uma aura religiosa:“os prazeres e o reconhecimento deste mundo são coisas passageiras e o que importa é ser reconhecido por Deus pq não será com as pessoas limitadas desse mundo que viverei eternamente e sim com Deus”. Em outro trecho ele diz: (...) “eu estou fora do grupo mas faço todos os dias minha oração do meio dia q é a d reconhecimento a Deus e as outras 5 q são d dedicação a Deus e umas 4 h do dia passo lendo o Alcorão”(..). Suas palavras sobre a sua família e a socialização na escola também são de denúncias contundentes.

O relacionamento familiar de uma pessoa é muito difícil de avaliar, considerando-nos o “outro” na questão. Apesar de incidências de bulliyng em casa, afastamento social e solidão levando à depressão, muitas vezes é impossivel chegar ao reconhecimento de ser essa uma causa extrema para ferir de morte pessoas indefesas.

Quanto ao contato com a socialização na escola há diferentes tipos de normas das próprias unidades de ensino para ampliar a integração entre os estudantes. Da promoção pelo esporte às atividades curriculares, das competições lúdicas às práticas artísticas, essas iniciativas, se por um lado são vistas com um objetivo socializador, geralmente levam às porfias e às rivalidades se a escola não estiver preparada para assumir sua atuação arbitral.

O aspecto psicologico está embutido nos outros itens. A exteriorização da violência não se concretiza sem um desequilibrio emocional.

Minha compreensão dessas observações sobre esse infausto numa escola brasileira ultrapassa o que alguns líderes políticos estão se apressando em tratar em torno de novas leis, de campanha de desarmamento etc. Embora se possa pensar que quatro evidências apontem para um único perfil, outras circunstâncias podem estar concorrendo para o sentimento que escapa das entrelinhas das cartas e depoimentos (como disse o psicólogo norte-americano Peter Langman, em seu livro Why Kids Kíll: Insíde lhe Minds of School Shooters, 2009): a raiva da sociedade (as instituições), das formas de vida ao redor, de si próprios. ~


(Texto publicado originalmente em "O Liberal"(PA) em 15/04/2011. Imagem extraida de carlosneder.com.br )

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