No domingo fui dar
meu abraço de despedida ao Walmir Botelho. Que foi chamado para outras paragens
onde seu trabalho possa render novos frutos. A caminhada terrena não foi tão longa,
pois, 67 anos ainda poderia ser acrescido de mais tempo. Mas ninguém sabe os
desígnios dessa força superior que dá as boas-vindas em outro plano.
E assim se conta um
tempo de vida, de profissão, de decisões e prioridades em que, embora muitos
saibam um pouquinho dele e sobre ele, ao certo a vida de alguém ainda se
apresenta, aos outros, como incognoscível. As partes de cada lembrança se
juntam, construindo-se uma identidade para aquele que julgamos conhecer sem
contudo atingir esse conhecimento, como muito bem expressou Orson Weles em “Cidadão
Kane”, com a última palavra dita na hora da morte do homem público: Rosebud.
Então quem foi o Walmir?
Quando cheguei em “O
Liberal”, há 42 anos, o Walmir ainda fazia parte do grupo de diagramadores,
principalmente daqueles colunas da edição de domingo. Outros foram se juntando
a essa equipe de criadores de espaço nas páginas do jornal como o Vicente, Carlito
Gouvêa, Sergio Bastos, Orlando etc. Ainda era o tempo em que uma matéria
passava por vários processos entre a diagramação, a composição, a colagem,
fotografia e mais e mais até o jornal chegar às mãos do público. O Eládio
Malato era o editor chefe e assim que eu chegava à redação, dava uma lida na
coluna e me mandava para o setor de diagramação. Neófita no quadro referencial jornalístico,
salvo a escritura do texto sobre cinema, fui verificando que o diagramador
tinha uma função específica que era a de adequar o texto ao espaço que deveria
ser localizado na edição do jornal. E assim comecei a minha aprendizagem com o
Walmir: quantas laudas com 80 X 70 no papel retranca que o jornal distribuía para,
na datilografia (àquela altura), manter a medida necessária e não ultrapassar o
que deveria ser escrito? Onde cortar o texto se a argumentação sobre o filme já
estava definida e, por vezes, fora do padrão para a publicação naquele espaço?
Então fui aprendendo o vocabulário da redação entre toques, caracteres,
palavras transformadas e não repetidas que definiam o espaço que havia sido atribuído
ao trato sobre o cinema.
Os ensinamentos do
Walmir iam sendo aprendidos e a cada dia eu chegava no jornal (àquela altura eu
frequentava a redação no final da tarde ou no começo da noite) com menos
problemas para ele resolver com o seu toque monossilábico. As mesas, as
pranchas de maior largura eram os locais do encontro com as matérias espalhadas
na mesa para a contagem definida de palavras. Algumas vezes havia corte outras
já chegavam no ponto certo.
E assim minha memória
de aprendizado e de aproximação com um outro saber que eu ia assimilando onde
no final ele me recebia. Até que um dia, - já com outras chefias (como a do Dr.
Claudio Sá Leal) quando cheguei na redação é que soube que o Walmir havia
viajado para Brasília para trabalhar em um novo jornal. Eu estava muito
acostumada com ele e a mudança só não foi tão traumática porque a turma já
minha conhecida me seguiu naquela tarefa. Cerca de dez anos depois ele retornava,
seu posto de trabalho já era a editoria do jornal, mas sua função criativa de
adequar a cada mudança os cadernos, as colunas, as matérias do jornal continuaram
a nos aproximar, pois nesses casos ele me chamava para dizer que havia redução
do tamanho da coluna, ou o número de toques entrava em novo cálculo matemático
e por ai vai. Nesses momentos ele me alertava que no dia seguinte Panorama
estaria em outro local, com menor tamanho etc., etc. Minha única pergunta era:
por que essa mudança? E suas explicações eram objetivas e monossilábicas e eu
tinha que me adequar, apesar de tentar resistir. Minha dose de aceitar
mudanças, àquela altura era problemática, sem dúvida.
E assim conto a minha
história dos bastidores de convivência com o Walmir nas várias funções que ele
assumiu. Houve tempo de matérias extras que ele me pedia e/ou que eu solicitava
e ele publicava, nem sempre assinadas. Quando ele criou o caderno Mulher fui
chamada e ele me pediu uma página semanal (“Foro Íntimo”, título dado por ele).
O mais recente contato foi seu interesse em que eu escrevesse uma página sobre assuntos
de política, sociologia ou qualquer coisa nessa linha (após eu ter defendido a
tese de doutorado). A primeira, aliás, foi uma loucura pois era para escrever um
texto com cinco mil toques até as 23 horas (e o seu telefonema chegou às 16h).
Mas consegui redigir sobre um assunto que eu já dominava e a partir daí fiquei contribuindo
com ele em mais esse tema.
Na avaliação pessoal
que faço sobre esta profissão que abracei ao lado da acadêmica (o jornalismo
foi meu primeiro emprego fora de casa e acumulado com a de “dona de casa”) o Walmir
está presente. Primeiro, aprendi com ele que certas mudanças ocorrem e devem
ser aceitas se temos uma prioridade em manter uma coerência com um dos nossos
objetivos. A adaptação a estas mudanças, na vida profissional, me levou a
entender minhas estratégias de vida pessoal com outros grupos aos quais eu participava.
Segundo, o modo de tratar essa mudança. Que eu considero de respeito. É que ele
jamais deixou de conversar pessoalmente comigo antes de qualquer “trovoada” que
deslocava a coluna de um lugar para outro, ou sobre a reestruturação do número
de toques para a adequação nesse novo espaço. Às vezes, quando a coluna deixava
de ser publicada e eu inquiria, ele me mostrava a publicidade que fora
encaminhada depois da diagramação já feita e planejada para sair na dita
página.
Poucas palavras,
rabiscos num pedaço de papel e/ou o desenho de como poderia ser a coluna ou a
matéria para publicação são algumas da lembrança de uma identidade
externalizada. Mas quem foi Walmir, na verdade?
Foi um tempo, este é
um outro tempo e meu respeito por ele será eterno.
Obrigada, Walmir!