sexta-feira, 31 de maio de 2013

MAGALHÃES BARATA: UM POUCO DE SUA HISTÓRIA




Há 54 anos, em 29 de maio, em Belém, falecia Joaquim de Magalhães Cardoso Barata. Interventor do Pará desde novembro de 1930 tornou-se a evidência maior da liderança revolucionária desse período e embora estivesse ausente do estado durante o desfecho das lutas de outubro comandando o levante militar no Espírito Santo, foi um dos militares paraenses que se destacaram nas revoltas de 1922 e 1924. A força dessa liderança se evidencia no momento em que, vitoriosa a revolução, seus pares o indicaram para assumir o cargo de Interventor. Há uma versão que nega a unanimidade dos chefes revolucionários em apontar o nome de Barata, entretanto, sua escolha estaria na base do reconhecimento de seu valor militar, durante os levantes anteriores.
O sistema de Interventorias vigora após a vitória do movimento de 1930, refletindo um papel estratégico no mecanismo político-institucional implantado. Este novo estilo de articulação entre as forças políticas que pretendem combater as benesses oligárquicas do período anterior, se esforça na garantia da autonomia do poder federal frente às mudanças que este pretende realizar, na esfera econômica, nomeando, para a chefia dos governos estaduais, cidadãos que, “embora nativos dos Estados, e mesmo identificados em suas perspectivas ideológicas aos grupos dominantes, eram ao mesmo tempo 'marginais', isto é, destituídos de maiores raízes partidárias; indivíduos com escassa biografia política ou que, se possuíam alguma, a fizera até certo ponto fora das máquinas partidárias tradicionais nos estados” (cf. Campelo de Souza, 1976).
Paraense nascido em 2 de junho de 1888, no distrito de Val-de-Cans, Barata era filho de Antonio Marcelino Cardoso Barata e Gabrina de Magalhães Barata. Seu pai fora responsável pela instalação dos serviços de colonização agrícola e implantou o núcleo de Monte Alegre tornando-se aí um político ligado à facção de Lauro Sodré. Este, com a esposa Teodora, eram padrinhos de Barata. Interno no Colégio Progresso Paraense até 1900, o pai tirou-o dali por questões financeiras, retornando a Monte Alegre. No ano seguinte, voltou a Belém passando a freqüentar o externato da Profª. Maria Valmont. O avô materno de Barata era militar, carreira que o jovem queria seguir. Para viajar ao Rio de Janeiro onde cursaria a Escola Militar de Realengo, sua irmã teve que vender uma jóia de família. Em novembro de 1904, Barata tomou parte na campanha contra a vacina obrigatória, liderada, no Rio de Janeiro, pelo paraense, militar e então senador pelo Distrito Federal, o padrinho Lauro Sodré. Preso e excluído do Exército foi anistiado um ano depois pelo Congresso Nacional. Como aspirante a oficial, em 1911 retorna a Belém para servir no 47º Batalhão de Caçadores e, nessa condição, toma parte, em 1912, do incêndio das propriedades de Antonio Lemos. Recebera ordens para, à frente de um pelotão, garantir o prédio de "A Província do Pará", mas propositadamente demorou-se a chegar ao local do conflito, consumando-se o incêndio. Embora sem se assumir partidariamente, Magalhães Barata era laurista, facção que até 1916 ficara de fora do poder local. Nos levantes tenentistas de 1922 e 1924 combatera as oligarquias, comandando as revoltas de Manaus e do Baixo Amazonas. Em 1930, chegara clandestino a Belém para onde viera fomentar a revolução, entretanto, no dia 4 de setembro, é preso na capela do Hospício Juliano Moreira, sendo mandado para o Rio de Janeiro. A 2 de outubro, ele foge para Niterói, seguindo, no dia seguinte, para Vitória a fim de sublevar o 3º Batalhão dos Caçadores. Com o movimento sendo deflagrado em Belém, no dia 5 de outubro, somente no dia 24 o governador Eurico Valle, embora resistindo, entrega o poder aos revolucionários. Magalhães Barata só chega a Belém no dia 11 de novembro, então nomeado para a Interventoria Federal.
Umas das primeiras medidas tomadas pelo Interventor foi a revalidação do decreto da Junta Governativa Provisória para retornar ao patrimônio estadual os castanhais da zona do Tocantins, regulamentando os arrendamentos daquela área. Outras medidas: a cassação das concessões de terras aos Lobos e aos Guimarães, famílias que detinham grandes áreas urbanas de Belém as quais arrendavam constituindo-se em foreiros; extinção das concessões e privilégios de um grande número de indústrias; revogação de contratos com as fábricas de beneficiamento de borracha, considerados "lesivos à fortuna pública e prejudicial à fazenda estadual" (Coimbra, p.273); desmontagem das estruturas políticas organizadas nos anos anteriores pela oligarquia no poder; confisco do edifício onde ficava a sede do Partido Republicano Federal (PRF) e o órgão de imprensa desse partido, o "Correio do Pará"; redução em 25% dos aluguéis, na faixa entre 150$00 e 300$00, determinando a não alteração destes valores durante o prazo de um ano; proibição da venda de cachaça a retalho, determinando a venda somente pelos donos de engenhos para fins industriais e terapêuticos.
Estas medidas visavam enfraquecer a situação de controle que a antiga elite exercia sobre a sociedade, conforme proposta das interventorias, desarticulando as velhas bases de poder. Esses atos do Interventor faziam convergir para a sua pessoa o prestígio popular, enquanto incompatibilizava-se com os proprietários, industriais, comerciantes que se consideravam prejudicados com as medidas adotadas por ele.
A trajetória política de Barata é extensa. Alguns pontos precisam constar aqui como sintese histórica. Em dezembro de 1931 criou o Partido Liberal, cindindo-se este em 1935 ao ser inviabilizada sua eleição para o governo do estado. Foi eleito senador em 1945, disputando novamente a eleição para o governo em 1950, perdendo para o candidato de uma coligação partidária (CDP), General Alexandre Zacharias de Assumpção. Em 1955 concorreu novamente ao cargo contra Epílogo de Campos, vencendo por uma diferença de 1.743 votos, mas para isso manteve uma batalha judicial acirrada. Em 1959, ao falecer, estava no exercício do executivo paraense pelo qual tanto lutou.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA em 31/05/2013) 



sexta-feira, 24 de maio de 2013

BOATOS E FOFOCAS






Para o dicionário da língua portuguesa, dentre tantas significações para boato há o de tratar-se de “notícia de fonte desconhecida, muitas vezes infundada, que se divulga entre o público”. Pode ser também “um dito sem fundamento, maledicência divulgada a boca pequena”. Para o significado de fofoca uma das evidencias é de ser “afirmação não baseada em fatos concretos; especulação”. Há cruzamento entre essas duas acepções reconhecendo-se com exemplos que podem ser extraídos até de fatos históricos do ontem e do hoje presente.
Sobre Catarina II, a Grande, imperatriz da Rússia, foi disseminada a história de que ela teria falecido de um acidente sexual que envolvia um cavalo. Mas os pesquisadores apontam que, na verdade, a imperatriz faleceu de um AVC constatado por uma necropsia. O mito, entretanto, já se espalhara construído em função da vida de amantes que levava na corte.
Essa versão sobre Catarina II data de cerca de 200 anos. É um boato mesclado pelas fofocas da corte, se assim é possível dizer. Mas não é a primeira fofoca ou boato que a história registra. Não há precisão do momento em que o “homo sapiens” articulou suas primeiras encenações nesse tom para ganhar ou não alguma coisa com isso. Há quem invente historias pelo simples prazer de inventar, sem pensar em ganho imediato ou mesmo mediato.
Há boatos que não agregam a fofoca, mas se registram como jogo político. Por exemplo, os aliados, na fase final da 2ª Guerra Mundial mantiveram um boato para que os alemães não descobrissem onde se daria a invasão numa praia francesa (afinal, a Normandia). Espalharam que se daria em outra praia, e usaram um cadáver como se fosse um espião morto em desastre aéreo com uma pasta cheia dos planos, obviamente falsos, do esperado e temido (pelos nazistas) desembarque.
Esta semana um boato chegou à mídia com a notícia de que o governo iria acabar com o Bolsa Família. O programa que tem beneficiado centenas de pessoas, hoje mantendo lares que de outra forma estariam mendigando ou passando fome, não poderia acabar “sem mais nem menos” como se estivesse pesando na economia (como se propagou) ao serem justificados os emblemas da controvérsia tratada como oficial. O resultado do boato foi a multidão que se acercou da fonte pagadora (Caixa Econômica) e de quem mais pudesse informar sobre o assunto.
A maldade foi bem expressada pela presidente Dilma como “um ato desumano”. Tratou-se então de uma “afirmação não baseada em fatos concretos”. Realmente, esse tipo de boato deslocou-se para a fofoca, trazendo apreensão para os inscritos no programa tornando-se maldade. Especula-se tratar-se de um jogo político.
Recentemente propagou-se o fim do mundo como o resultado da pesquisa em torno do calendário usado pelos maias, afirmando-se que o encerramento desse calendário em dezembro de 2012 seria um meio de dizer que nada mais restaria para marcar daí em diante. O pavor instalado a alcance de pessoas influenciáveis foi expressivo. Houve casos de suicídios com pessoas resolvendo acabar com suas vidas de um modo “menos pavoroso”.
E não foi o primeiro boato de fim de mundo. No ano 1000 da cristandade também houve pânico. Diziam que Jesus Cristo havia afirmado que o ser humano “de mil não passaria”. Como passou, a chegada de 2000 foi ainda pior. A frase: “Em mil chegarás de dois mil não passarás”.
O lucro imediato do boato é o susto. Quem prega boato incide em fofoca a espera de uma resposta de temor. E o reverso é uma falsa alegria. Boato de que alguém foi premiado em um jogo como a loteria, antes que este consulte o seu bilhete é muito encontrado. E o pior é que muitas vezes a pessoa já perdeu o bilhete, certa de que não tinha sido sorteada.
Há pouco a historiadora e arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel, em dissertação de mestrado (USP), conseguiu a exumação dos corpos de D. Pedro I e suas esposas Leopoldina e Amélia. Num trabalho minucioso rompeu com o boato de que o imperador havia empurrado da escada D. Leopoldina e ela falecera devido a fraturas provocadas com a queda. Na exumação constatou-se que não havia ossos quebrados. A imperatriz teria morrido devido a infecção causada depois de seu nono parto.
A história que se conta aos escolares de hoje passa por revisões que apostam em maior realismo considerando que muitos fatos foram moldados nos boatos muitas vezes impostos com vista a um nacionalismo apregoado pela política de época. Frases-feitas teriam sido moldadas e figuras famosas não seriam imaculadas como as informações orais e escritas passaram de pais para filhos.
Um boato serviu, por exemplo, ao que se propagou no tempo da chamada “guerra fria” através de norte-americanos (e no caso o embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon), de que o Brasil estava se transformando em mais um país dominado pela União Soviética a partir do anúncio das reformas do presidente João Goulart, especialmente a agrária. Implantada a ditadura e o bi-partidarismo, a Arena chamava o opositor MDB de boateiro quando este falava em tortura. Hoje a Comissão da Verdade apura os fatos. Nesse quadro histórico discute-se também a morte do presidente Goulart, assim como a de seu antecessor Juscelino Kubitschek  Seria mesmo um problema cardíaco do primeiro e um acidente em estrada do segundo?
A indústria do boato leva a um sistema de descrença. A sociedade atual está cada vez mais pedindo evidencias do que lhe afirmaram e afirmam ser verdade. Seria um modo de dizer que esta só pode surgir com a roupagem verdadeira. E os boateiros fazem questão de fantasiar os fatos seja em beneficio próprio, seja por má interpretação do que querem repassar.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/Pa em 24/05/2013)

sábado, 18 de maio de 2013

TRABALHO & RELAÇÕES DE TRABALHO


Chaplin, numa cena de "Tempos Modernos".


Uma das primeiras lições que aprendemos ao estudar a análise da economia política em Marx (constante nos volumes de “O Capital”) consiste na diferença entre trabalho e relações de trabalho que parecem não diferenciadas ao conhecimento do senso comum. Diz o filósofo alemão que o trabalho dos humanos surpreendeu a natureza cujas forças tendem a submeter os animais a se comportarem de determinada maneira sendo que o homem foi o primeiro Ser a conseguir movimentos de liberdade em relação a esse dominio. Diz: "Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana."
Dessa forma, forja-se o diferencial entre o trabalho humano e a condição dos animais visto que o homem tende a modificar as forças da natureza conforme suas necessidades e, dessa evidência criadora, apresenta-se, historicamente, a evolução gradual do trabalho. Criar seus meios de subsistência enfrentando as condições adversas torna livre este trabalhador e independente para ser provedor. Mas quando estas formas criadoras de trabalho chegam ao mercado, a própria força dos homens se torna mercadoria e os bens materiais que produz deixam de ser somente para o seu sustento e então o trabalho que estimula o progresso se torna uma prisão ao assumir esse caráter mercantil. O produtor destes bens necessários passa a se submeter às exigencias de produtividade em escalas inimagináveis de um mercado que supõe pagar a força de trabalho humana contratada, mas, na verdade, está alienando este trabalhador de seu produto manufaturado. É aqui que é possivel entender que trabalho e relações de trabalho são conceitos diferentes. É nessa relação de alienação do produtor direto dos bens que será extraida a mais valia que será acumulada como lucro e as coisas vão girar nesse tom.
         Mas só comentei esse diferencial porque me interessa tratar dessas duas conceituações no mês em que o trabalho é a “bola da vez” e algumas situações se revelam merecedoras de discussão.
         Observa-se que o mundo moderno tende a modificar cada vez mais o processo de trabalho com a participação crescente da tecnologia. George Orwell, Ray Bradbury, Isaac Asimov e outros escritores de ficção científica mostraram a tendencia da “robotização” do serviço levando a máquina a substituir a mão de obra humana e com isso especificar cada vez mais o qualificativo do trabalhador. Simplificando: empregam-se técnicos e desemprega-se quem não possui a necessaria escolaridade para entender a tecnica. Uma ilustração tragicômica disso é descrita por Asimov quando cita uma doméstica robô tratando dos afazeres de uma casa de classe média e de babá de uma criança.
Atualmente ainda não se chegou e esse futuro que permanece fantasioso e é aplicado pelos escritores do gênero. Mas o aumento populacional, as poucas vagas no mercado e a escolaridade deficiente levam a questões que são levantadas pelos economistas, pelos tecnicos em geral, pelos industriais, comerciantes e pelos politicos.
No Brasil atual um tipo de trabalho está sendo focalizado com ambiguidades: o doméstico. Essa atividade ganhou leis de proteção ao trabalhador/a, haja vista a discriminação desse tipo de trabalho em relação aos outros. Com isso, o empregador doméstico passou a gerir responsabilidades de outros empregadores. E está neste momento achando que as relações de trabalho que passará a ser obrigado a obedecer tendem a ser diferentes de outros trabalhos que permeiam a sociedade. Devido a isso, muitas familias estão despedindo seus empregados domésticos e procurando se adaptar a outras formas de serviço. Dai que novas empresas de serviços estão sendo criadas para garantir o que antes era tratado com menosprezo.
O que isso representa? O que antes era um bem tratado como valor de uso vai se incorporar ao mercado como valor de troca e esse tipo de serviço que antes tinha uma forma de relação de trabalho passa a ter uma outra maneira de ser encarado pelo mercado. As empregadas domésticas, certamente, assumirão esse novo mercado , onde, possivelmente terão uma outra maneira de ser valorizadas. E levando-se em conta que a maioria deles/as possui baixa escolaridade e inexperiencia em outras ares de atuação, haverá rearranjos para adequar esse novo ator social às atividades. Além de chamar a atenção da então funcionária (porque as relações de trabalho nas empresas será nesse tom) para uma reavaliação de si próprias, estimula-as a rever sua baixa escolaridade, seu aporte na condição de tratamento do antigo serviço doméstico que tinha sob sua  responsabilidade, criando meios de melhor qualificar-se.
As patroas e patrões que estão hoje despedindo seus empregados/as comentam problemas na promoção da categoria ao funcionário comum (dos meios de consumo). Como monitorar o horário especificado para a/o empregado? Como somar rigidamente o pagamento extra em tempo acima do especificado no novo contrato de trabalho?
Por outro lado, há quem generalize e simplesmente despache quem ajudou nas tarefas caseiras por longos anos. Acha melhor despedir antes que o tempo de serviço pese no pagamento final. E pouco se importa que a pessoa que a ajudou em tantas horas dificeis pouco ou nada foi ajudada. São de menor conta os patrões que atendem às necessidades urgentes de empregados mesmo emprestando-lhes favores.
A frieza no encontro desses detalhes que cercam o novo regimento do emprego doméstico deve ser superada de alguma forma. Não desprezar determinado tipo de trabalho como de menor alcance. Não estratificar comportamento apenas pela qualificação da mão de obra. Tudo é trabalho. E disso resulta a situação social. Uma sociedade que vive do trabalho humano deve alcançar relações de trabalho mais edificantes.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA em 17/05/2013)


sexta-feira, 10 de maio de 2013

PARA SER MÃE






O título do texto leva a pensar que vou dar “aulas” de como ser mãe. Considero o assunto de hoje uma dimensão política de como entender essa categoria afetiva. Deixo espraiar-se melhor minha formação inicial, meu modo de ser prático na condição materna e nos acúmulos de ensinamentos das áreas de conhecimento entre as quais tenho circulado há mais de 30 anos, sobre a questão de gênero. E deixe estar que aprendi muito a reconhecer os direitos humanos. Desde ter sido criada por uma tia-mãe quando a biológica me deixou no berço para seguir para outro plano de vida, até a real oportunidade de ser a mãe-avó que se aplica a entender a nova geração sem abrir mão do que reflete atualmente dessa condição.
Aprender a ter o carisma materno incondicional foi a motivação do sistema patriarcal para impor uma moral às mulheres condicionando-as, pela situação de gestar filhos, de que elas deveriam seguir um modelo porque aquele devia ser o seu “único destino”. A qualificação da maternidade, afora a condição biológica, foi considerada um instinto feminino. Mas esse vínculo gerou desigualdades (pouco vistas e nem sempre reconhecidas pelos que admitem a ideia clássica): – às mulheres, a quem foi imposto um repertório prático (comportamentos) e moral (bons costumes) deveriam assumi-lo como sentimento de afetividade inerente àquela condição. Desigualdade aos próprios homens afastados quase que sumariamente daquela condição imperiosa da biologia calcada no instinto definido pelo sentimento afetivo porque a este gênero se decidia a chefia lógica da racionalidade da organização do lar, devendo, a partir dai fixar a virilidade (conjunto de atributos físicos e sexuais masculinos). “Fazer filhos” impunha-se na dura vestimenta do afastamento de um gesto de afeto porque este gesto não lhe pertencia, estava no repertório feminino. “Parir filhos” condicionava o comportamento de reprodução das mulheres e se estas saíssem da norma instintiva eram penalizadas, deveriam ser apedrejadas física e moralmente. Qualquer atitude de cansaço nos afazeres no lar (atribuídos como “trabalho de mãe”) era vista como perda das características femininas porque maternas, portanto, atitudes de negação do “papel de mãe”, a chave mestra da tonalidade conjugal que também não admitia a dimensão da natureza em deixar nascerem filhos fora da instituição do casamento. Mulheres e crianças nessa condição “ilegal” tornavam-se espécies de um grupo separado socialmente porque de fora de outras institucionalidades criadas pelo sistema social dominante – o casamento religioso e civil. O exclusivismo se mantinha até nesses laços e ainda havia outros efeitos excludentes como os de parentesco, de classe e de raça. A dicotomia entre “mãe boa” e “mãe má” se ajustava em todas essas condições predeterminadas, onde os códigos já sacralizados definiam as normas para inferir os valores e constituir-se em atitudes para a suposta “manutenção familiar”.
E o sentimento do amor, onde entrava? O afeto era justaposto a essas condições do sexo vistas como naturais devendo assumir como tal as atitudes referenciadas anteriormente para homens e mulheres enquanto “papel” materno e “papel” paterno. Dai saíram os jargões “viris”: “homem não chora”, “homem não leva desaforo para casa”, “homem com fala de mulher nem o diabo quer”, “beijo [nessa condição] é pra mulher”. E os jargões “femininos”: “mãe desnaturada”, “ser mãe é padecer no paraíso”, “do homem a praça, da mulher a casa” e por ai vão sendo renovadas algumas dessas expressões populares quando um dos dois gêneros se afasta do modelo padronizado.
Nas minhas andanças pelos velhos jornais paraenses nos anos 80, para identificar as mulheres na política, encontrei algumas representantes desse gênero no recém-criado movimento sufragista – Departamento Paraense pelo Progresso Feminino - promovendo, em maio de 1932, a primeira manifestação do Dia das Mães que fora criado no II Congresso Internacional Feminino, no RJ. Era uma sessão lítero-musical com o toque das mulheres. Os jornais da época noticiavam os eventos, mas, numa das páginas do caderno nobre de “A Folha do Norte” (O Dia das Mães. Folha do Norte, Belém, 24 abril, 1932, p. 1), o Padre belga Florence Dubois publicou um artigo incitando a opinião pública contra a criação dessas homenagens às mães. Num texto de bom tamanho recorto este parágrafo: “(...) Apesar de reverenciar as êmulas de Cornélia, não acho graça no dia das Mães como, aliás, nos demais dias. Aos domingos, o católico vai à missa e, quando quer, ouve um sermão. (..) As mahatmas do feminismo deveriam aconselhar a todos: honrai pai e mãe.(...)".
Na minha versão sobre a categoria de mãe tenho a análise crítica sobre o formato do modelo instituído a partir do desenho imposto pelo sistema patriarcal devido a uma circunstancia que a meu ver é crucial. A quebra do chamado instinto materno por outro modo de identificar a formação da afetividade pelo instinto de sobrevivência. Despojadas as mulheres de todas as marcas preconceituosas de seu gênero impostas e exigidas pelo padrão tradicional, o sentido do amor materno vai agregar também, nesse valor, os homens, porque o sentimento do amor é construído em cada momento da convivência. Assim, para ser mãe, o primeiro aspecto que deve prevalecer é a simplicidade em reconhecer a amplitude da afetividade criada em torno de um coletivo: o ser humano.
Pelo dia das mães e pela certeza de que o amor é construído!

(Texto originalmente publicado em O Liberal/PA em 10/05/2013) 


sábado, 4 de maio de 2013

O DIA DA LIBERDADE DE IMPRENSA




 O ser humano nasce preso à placenta pelo cordão umbilical, mas logo é liberado pelo corte que se faz nele. É voz comum, então, dizer que a liberdade é um dom natural, e por isso mesmo a maior riqueza da espécie. E em se tratando de liberdade sabe-se que todos os seres vivos lutam por isso. Animais chegam a morrer quando presos e vegetais que aparentemente são ligados por raízes e não saem do lugar ainda assim sucumbem quando se os prende de forma a diminuir o fluxo de oxigênio que o alimenta. Mais instigante é pensar na liberdade como direito natural e na concepção de JJ Rousseau: "O homem nasce livre, e em toda parte é posto a ferros”.
O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa foi estipulado por uma convenção em 3 de maio, como o marco da franquia de livros, jornais, revistas e comunicações audiovisuais (rádio, cinema, TV). Sobre o tema vale lembrar o Artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) que expressa textualmente: "Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras".
Historicamente os regimes de força se caracterizaram pelo cerceamento dessa liberdade de expressão como forma de se manterem no poder. Não há registro de uma só ditadura que tenha liberado todos os meios de comunicação. E há casos em que governos de proposta democrática experimentaram a censura (que é uma forma de cerceamento de ideias) a obras de arte ou relatos sobre certos assuntos que não desejem encaminhados ao espaço público. Lembro que no Brasil pós-ditadura 1964-1985, o presidente da época pediu a proibição do filme “Je Vou Salue Marie”(1985) de Jean Luc Godard como desrespeitoso à religião. E nesse tempo o Brasil republicano era uma nação laica.
Trato da liberdade lembrando a Mensagem de Kofi Anan, então Secretário Geral da ONU: “Neste Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, manifesto, novamente, o meu profundo apoio ao direito universal à liberdade de expressão. Vários membros da imprensa têm sido assassinados, mutilados, detidos ou mesmo tomados como reféns pelo fato de exercerem, em consciência, esse direito. Segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, 47 jornalistas foram assassinados, em 2005, e 11 já perderam a vida, neste ano. É trágico e inaceitável que o número de jornalistas mortos no cumprimento do seu dever se tenha tornado o barômetro da liberdade de imprensa. Apelo a todos os governantes para que reafirmem o seu compromisso em relação ao direito de “procurar obter, receber e difundir, sem limitações de fronteiras, informações e idéias através de qualquer meio de expressão”, consagrado no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
Os/as brasileiros/as vivemos muitos anos de censura. No século passado, o período do Estado Novo (1937-1945) foi um exemplo muito evidente. Havia o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) que norteava o que publicar. Esse departamento auxiliava a divulgação do que era do interesse do governo. Getulio Vargas tornou-se popular não só com as suas medidas de proteção ao trabalhador, mas no modo como fazia veicular os dados dessas medidas. Interessante observar a influência que se fazia sentir na época em que emergia o nazi-fascismo, com Hitler assumindo o governo alemão em 1933 e Mussolini seguindo-o na Itália. Quando essas nações entraram em guerra com o resto do mundo (mais o Japão ao lado delas), os países que formavam o bloco aliado, ou de luta contra essas ditaduras, gabavam-se da liberdade de seus povos. Mesmo assim havia censura. Nos EUA, por exemplo, um grupo radical impedia que filmes divulgassem o que lembrasse sexo e violência. Não eram permitidas imagens de sangue nos ferimentos dos personagens, nem focalizar uma cama de casal ou uma mulher grávida. Esse tom era seguido por algumas nações e entre nós reforçado na propaganda de um governo que a canção popular declarava “pai do povo”.
O fim da 2ª. Guerra Mundial trouxe uma época de anti-censura. Censurar seria lembrar os ditadores depostos. Mas a America Latina recebeu de volta a “rolha”intelectual nos anos 1960. Casos notórios são os do Brasil, Argentina e Chile. No terreno que nos cabe, os militares governantes de 1964 a 1985 instituiriam uma censura tão ou mais voraz do que a do passado. Os censores podiam “interpretar”o que lhes parecia subversivo. E nesse tom entravam não só os preceitos antigos anti-sexo como qualquer fator que um censor achasse de critica ao regime.
Pessoalmente respondi a uma intimação da Policia Federal, nos anos 1970, por uma entrevista que fiz para minha coluna de cinema com o então presidente do Sindicato dos Jornalistas local, João Batista Filgueira Marques. Ele criticava a censura de filmes e eu fui interrogada por dar guarida ao depoimento. Curioso é que o censor dizia entre frases que “não era sádico”. E eu, ingênua, nem pensava em chamar essa autoridade de seguidora do famoso marquês.
A censura dos “anos de chumbo” no Brasil foi a mais cruel que o país enfrentou. Todas as artes sofreram e chegou-se a trâmites cômicos como as bolinhas negras sobre o sexo de personagens na liberação pedida pelos norte-americanos, do filme “A Laranja Mecânica”.
Para os castradores de ideias, os outros devem seguir o que pensam alguns. Pregam uma hegemonia de intelecto que é absurda a partir da própria formação física. Se somos todos iguais não temos a obrigação de ser donos de um só pensamento em todos os quadrantes. E demonstramos nossas peculiaridades expondo-as. As pessoas devem seguir livres desde que abandonaram o útero materno. Só assim podem construir o cenário de seu mundo, dizendo o que pensam, o que apreciam ou não, o que aplaudem ou aturam por força de circunstancias. E se ninguém é obrigado a seguir idéias também não é obrigado a censurar idéias. Com censura reina a hipocrisia e ninguém sabe quem é quem.

(Publicado originalmente em "O Liberal"/PA em 03/05/2013)